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As mulheres e a Ciência: uma longa história de amor e invisibilidade

terça-feira, 23 de maio de 2023

Atualizado às 08:15

As mulheres estão envolvidas com os avanços científicos na mesma proporção que estão com a reprodução humana: respondem por 50% do processo, carregam, muitas vezes, a maioria do fardo e recebem apenas uma fração do reconhecimento.

Nos atendo somente a alguns exemplos que ficaram registrados ao longo da história, podemos listar um número sem fim de descobertas científicas que foram lideradas por mulheres. 

Partindo de Hypatia, nascida entre 350 e 370 d.c. na Alexandria (Egito), astrônoma, matemática e filósofa, considerada uma das primeiras cientistas da história da sociedade ocidental, passando por Wang Zhenyi, pesquisadora chinesa, nascida no século XVIII, que desenvolveu seus próprios argumentos sobre a gravidade (engula essa Newton!) percebemos que a ciência conta com as habilidades cognitivas das mulheres desde sempre.

No século XIX, tivemos Ada Lovelace, mulher visionária, que, apesar de ter vivido apenas 43 anos, desenvolveu o primeiro sistema de computador, o que deveria lhe render, no mínimo, o posto de "mãe da computação". No mesmo século, Marie Curie foi a primeira mulher a finalizar e defender uma tese de doutorado na França e a primeira pessoa a ganhar dois prêmios Nobel, em diferentes áreas (em seus dois campos de pesquisa, Química e Física).

Em Terra Brasilis, lembremos de Bertha Lutz, que, no século XX, além de ter liderado o movimento por direitos políticos das mulheres e ter lutado, na ONU, para que a igualdade de gênero estivesse na Carta das Nações Unidas, era bióloga, com destacada produção científica sobre a fauna brasileira, sendo responsável pela descoberta e catalogação de novas espécies de anfíbios. 

No século XXI, Jaqueline Goes de Jesus, brasileira, biomédica, doutora em patologia humana, junto com sua equipe, identificou o sequenciamento do genoma do novo coronavírus (SARS-CoV-2), apenas 48 horas depois da confirmação do primeiro caso de Covid-19 no país. 

Esses exemplos estão aqui como reforço\lembrete de que a educação científica foi abraçada pelas mulheres assim que os homens permitiram o acesso às salas de aula/aos centros de pesquisa das Universidades. Desde 1989, as mulheres são maioria nos cursos universitários no mundo, e no Brasil, desde 1991.

Atualmente, 33% dos pesquisadores do mundo são mulheres, e na América Latina esse percentual chega a 46%, uma quase-paridade. 

Todavia, nem tudo são flores (apesar das pesquisas sobre Flora contarem com muitas mulheres) e a despeito de um terço das pesquisadoras serem mulheres, apenas 12% são membros das academias nacionais de ciências. Em relação aos patenteamentos, os homens inscrevem 50% a mais de patentes do que as mulheres, e essa realidade pouco mudou desde 1999.

Avançando para a segunda década do século XXI, os efeitos da quarta revolução industrial são aprofundados, e a tecnologia ganha formas de inteligência humana. A Inteligência Artificial (IA) deixa de ser roteiro de filme de ficção para se tornar peça-chave do processo produtivo e da vida das pessoas.

Neste campo, as mulheres também estão em desvantagem. Apenas 22% de todos os profissionais da área são mulheres, e entre os CEOs das 10 maiores empresas de tecnologia do mundo, não há nenhuma mulher.

Isso é uma demonstração de que o campo das STEMs, sigla em inglês usada para Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática, se mantém como reduto masculino, o que aponta para o perigo de a IA ser desenvolvida sem a participação significativa das mulheres, o que compromete a igualdade de gênero de forma ainda mais dura, já que não temos sequer noção de seus desdobramentos.  

No Brasil, o debate sobre a regulação da Inteligência Artificial está avançado e tem sido considerado um exemplo para o mundo. Na comissão de juristas convidados a subsidiar a elaboração do projeto de Lei, entre os 18 membros, 7 são mulheres, porcentagem de quase 40%. Além disso, a relatoria é de uma mulher: Laura Schertel, considerada uma referência em segurança de dados e tecnologia.

Como apontam diversas pesquisas nacionais e internacionais, as empresas e instituições que possuem paridade e diversidade são mais inovadoras e produtivas e os governos que contam com maior igualdade de gênero produzem sociedades mais democráticas e comprometidas com os Direitos Humanos.

Nesse novo tempo, de avanços científicos galopantes e disruptivos, lembremos de que não chegamos aqui sem a participação constante e decisiva das mulheres. Se não garantirmos uma virada de chave no modus operandi da produção e do reconhecimento científico teremos um fosso que, no futuro, nenhuma golden bridge resolverá.