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Direito Legislativo com Murillo de Aragão

O papel do advogado e do bacharel de Direito no processo legislativo.

Murillo de Aragão
quinta-feira, 9 de novembro de 2023

STJ debate aplicação da Selic

Em março deste ano, o julgamento do REsp 1.795.982 foi retomado no STJ. Esse caso, afetado em caráter repetitivo, trata da aplicação da taxa SELIC como correção das dívidas civis. Nos próximos dias, após pedido de vista, o STJ retomará o julgamento que demandará atenção especial.   O julgamento  tema tem gerado grande interesse tanto na comunidade jurídica quanto na sociedade em geral, já que mais de seis milhões de processos podem ser impactados por essa decisão, muitos deles envolvendo dívidas de pessoas físicas e instituições financeiras.   A interpretação da Corte Especial do STJ, em conformidade com o artigo 406 do Código Civil, já estabelecida no EREsp 727.842, é que a SELIC é a taxa de correção utilizada pela Fazenda Nacional para atualizar suas obrigações.   O relator do caso, ministro Luis Felipe Salomão, por meio do instituto do distinguishing, busca reavaliar o entendimento da Corte. Em sua perspectiva, a taxa SELIC não reflete adequadamente a soma dos juros moratórios e a real desvalorização da moeda. O relator defende a aplicação da taxa de 1% ao mês, com base no parágrafo 1º do artigo 161 do Código Tributário Nacional.  Em seu voto, o ministro Relator argumentou que a SELIC não atualiza os valores de maneira justa, especialmente no que diz respeito ao momento em que os juros e a correção devem ser computados. Ele considera esses momentos como distintos, com base nas Súmulas 54 e 362 do STJ. O Ministro Relator também sustenta que os juros moratórios devem ter um caráter punitivo para incentivar o pagamento da dívida pelo devedor.  Portanto, caso o entendimento atual do Tribunal seja alterado, os valores das ações em curso aumentariam significativamente, beneficiando os credores das dívidas civis e, na visão do ministro Relator, incentivando o pagamento pelos devedores. Outro argumento apresentado é que o entendimento consolidado pelo Tribunal, que envolve o uso da SELIC, abrange questões de direito público e não questões de direito privado.  No entanto, acreditar que o aumento do custo do pagamento incentivaria a sua liquidação não é necessariamente preciso, dado que o alto custo das multas tributárias não impediu o acúmulo de dívidas fiscais de cinco trilhões de reais. A justiça deve trabalhar para reduzir o custo da legalidade e facilitar o pagamento de dívidas.  Por outro lado, o ministro Raul Araújo, em seu voto divergente, reiterou a utilização da taxa SELIC ao aplicar o artigo 406 do Código Civil. Ele argumenta que a proposta de distinção do ministro Relator não possui base legal, uma vez que o artigo 406 do Código Civil não permite a interpretação que (i) aplique o artigo 161, parágrafo 1º, do CTN; ou (ii) preveja juros moratórios e correção monetária em índices oficiais separados e distintos.  A coerência do sistema econômico nacional também é base da fundamentação do voto do ministro, dado que a SELIC é utilizada como principal taxa de referência para fins de controle inflacionário desde 1999. Essa taxa orienta as operações econômicas do país, como empréstimos, poupanças e investimentos, que envolvem juros e correção monetária.  Para o ministro Raul Araújo, a clareza do texto é tamanha que, inclusive, caberia apenas ao Poder Legislativo promover a alteração que permitisse a mudança almejada no voto do ministro Relator. No Congresso, tramitam diversos projetos de lei sobre o tema onde a questão em julgamento poderia ser esclarecida.   Assim, espera-se que o julgamento em questão confirme o entendimento da corte especial do STJ, em consonância com o mencionado artigo do Código Civil, em nome da segurança jurídica. E, em sendo o caso, que o Congresso mude a regra existente.
terça-feira, 3 de outubro de 2023

Processo legislativo lôstrego

Para se entender como se fazem as leis no Brasil, é preciso conhecer expressões quase folclóricas: emendas "jabuti", trens da alegria, leis Frankenstein, jabuticabas, aprovações relâmpago, sessões fantasmas, urgência urgentíssima, dentre outras.  Além das expressões do jargão de plenário, há que se entender o processo legislativo. Nas últimas semanas, projetos importantes foram aprovados de maneira tão célere que tramitação foi considerada relâmpago. O caminho entre um projeto de lei e sua aprovação não costuma ser fácil.  Um estudo recente apontou que entre 1990 e 2019, o tempo médio estimado foi de 1.279 dias para aprovação de propostas de emendas constitucionais e 1.263 dias para projetos de lei. Existem projetos tramitando há mais de 30 anos no Congresso Nacional.  Por outro lado, durante a tramitação relâmpago, a chamada minirreforma eleitoral foi aprovada em menos de 24 horas. Ou seja, o processo legislativo transita entre a paralisia total ou a aprovação relâmpago. Nenhumas das situações é ideal para a democracia.  Em regime normal, a tramitação na Câmara passa basicamente por 5 etapas: 1. O projeto é apresentado e começa a tramitar primeiro na Câmara, a não ser que seja uma proposta de um senador ou de uma comissão do Senado. 2. O texto é distribuído para comissões temáticas. Se o projeto abrange temas de mais de quatro comissões de mérito, é criada uma comissão especial em substituição a todas. 3. Em cada colegiado, o parecer do relator é votado e depois encaminhado à comissão seguinte. 4. Se o projeto tiver impacto financeiro, é encaminhado à Comissão de Finanças e tributação. Todos passam por último pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJC). 5. O projeto pode ter tramitação conclusiva já nas comissões e ir ao Senado, ou seguir para discussão e votação no plenário.  Na tramitação em regime de urgência o processo é atalhado: O projeto é apresentado e começa a tramitar na Câmara, se não for apresentado por senador ou comissão do Senado. A proposta é distribuída para as comissões temáticas da Casa. O plenário da Câmara aprova um requerimento para o projeto tramitar em regime de urgência. Em geral, essa aprovação depende de acordo de líderes. O texto vai diretamente ao plenário, sem necessidade de passar por comissões. Os relatores nas comissões dão parecer oral durante a sessão, o que permite a votação imediata. A votação ágil de matérias importantes para o país, pode ser algo alvissareiro. Afinal, a morosidade costuma ser um das principais queixas da população em relação ao poder público.  Contudo, todas as proposições necessitam de uma deliberação apropriada, antes de virarem lei. A Constituição Federal e o regimento interno das Casas Legislativas preveem uma série de mecanismos que deveriam garantir um debate adequado das propostas. Embora o tempo da política e o tempo do direito sejam diferentes, é preciso haver o que o doutrinador Carlos Coutinho chama de "princípio da deliberação suficiente".  Outros autores, como Leonardo Barbosa, chamam atenção para o conceito de "devido processo legislativo", que estabelece exigências para que a tomada do processo legiferante ocorra com um mínimo de reflexão e respeito as balizas constitucionais e regimentais.  O Supremo Tribunal Federal já se debruçou sobre a matéria em diversas ocasiões. Na ADI n. 5.127, por exemplo, a Ministra Rosa Weber alçou o devido processo legislativo à categoria de "direito fundamental de titularidade difusa". Nas palavras da relatora, trata-se do "direito que têm todos os cidadãos de (..) normas jurídicas produzidas conforme o procedimento constitucionalmente determinado". É importante relembrar que o Legislativo é por excelência um espaço de diálogo. Esse debate não se restringe apenas aos parlamentares, mas se estende a todos. Idealmente, esse engajamento deveria criar um sentimento de co-autoria das leis na população, o que resultaria em maior aderência e observância a legislação.  A adoção de votações-relâmpago, especialmente para temas complexos e controversos, constitui uma violação do espírito que deve nortear o trabalho do Parlamento. Na democracia, atalhos são perigosos. Todos deveriam saber como as salsichas são feitas.
segunda-feira, 17 de julho de 2023

Ecos do Fórum de Lisboa

A repercussão mediática sobre o   XI Fórum Jurídico de Lisboa, realizado entre 26 e 28 de junho, foi de certa forma extravagante. . Alguns  destacaram o lado festeiro periférico do evento e o desfile de personalidades, em detrimento dos temas debatidos e de como estes influenciam as decisões jurídicas e legislativas.    Para justificar a imprecisão,  podem alegar que os temas são técnicos demais para merecerem a atenção de público leigo. Outros argumentariam dizendo que a presença de personalidades políticas e ministeriais empanaria o debate jurídico. E que, por fim, a característica de "festa política" prevaleceria sobre as discussões jurídicas. Ora, o fato de se promoverem almoços, jantares e reuniões em paralelo aos encontros não é proibido nem irregular. Em qualquer grande evento que reúna profissionais de destaque em áreas como direito e legislação os congraçamentos são normais. A presença de personalidades do setor privado, além de professores, juristas e advogados, considerada por alguns como inusitada, é resultado de uma cultura de eventos que foi retomada nos pós-pandemia e, em muito, estimulada pelos grandes veículos de comunicação.  Basicamente, todos eles promovem eventos que reúnem representantes da sociedade, dos mundos jurídicos e políticos. Um exemplo é o extraordinário Prêmio Innovare, que conta com o apoio do Grupo Globo e atrai personalidades dos mundos jurídico, político e empresarial e da sociedade civil.  Nos mundos legislativo e jurídico, são estrelas que fazem, julgam, praticam e interpretam as leis. Os fóruns em Lisboa  - promovidos pelo IDP, FGV e Universidade de Lisboa  - e liderados pelo ministro Gilmar Mendes sempre contaram com presenças estelares do direito e da política. É natural que o evento atraia interesse e atenção. Em duas ocasiões tive a honra de palestrar no evento. Na primeira, sobre os riscos e os desafios à circulação de capitais no mundo; nesta 11ª edição, sobre o risco das decisões automatizadas pela Inteligência Artificial, tema de enorme preocupação no mundo jurídico. O tema-chave na edição do Fórum deste ano foi a governança digital. Abordando vários aspectos críticos para a sociedade. Inclusive os riscos que a proliferação de fake news trazem para a democracia.  A questão da Inteligência Artificial foi debatida em várias mesas. Antecipando um debate mais que necessário sobre o tema e que irá se desenvolver no Congresso Nacional a partir do projeto de lei elaborado pela comissão de juristas.  Por fim, reduzir o evento a um convescote não é justo nem preciso. Basta uma rápida olhada no robusto programa e na qualidade dos palestrantes e debatedores. Vale destacar que   os   auditórios calorentos e espartanos da Universidade de Lisboa que sediaram o evento estiveram sempre lotados.  __________  *A cobertura completa do evento pode ser conferida aqui.
A partir de estudos realizados por uma comissão de juristas liderada pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Ricardo Villas Bôas Cueva, cuja relatora foi a jurista Laura Schertel Ferreira Mendes, o senador Rodrigo Pacheco, presidente do Senado Federal, apresentou projeto de lei sobre a aplicação da inteligência artificial (IA) no Brasil. Segundo a relatora, o texto aprovado se baseia em três pilares centrais: Garantia dos direitos das pessoas afetadas pelo sistema; Gradação do nível de riscos;  Previsão de medidas de governança aplicadas a empresas que forneçam ou operem o sistema de IA. A iniciativa do Congresso Nacional de debater o tema vem em bom tempo. E é apenas o início de um longo debate que envolverá estudos adicionais acerca das consequências e dos impactos da IA na sociedade. Como se sabe, a IA já está impactando os processos produtivos, a logística, os tratamentos de saúde e até mesmo a produção cultural. Recentemente, para espanto de todos, uma série de canções ao estilo da banda de pop-rock inglesa Oasis foram elaboradas com recursos de IA. Romances já estão sendo escritos com o uso do recurso, bem como petições e até sentenças no mundo jurídico. Pouco a pouco, começam a aparecer leis que tratam dos impactos da IA. Nos Estados Unidos já existe um dispositivo que proíbe práticas desleais ou enganosas no comércio aplicadas por IA em publicidade e marketing. Também existem regras que tratam da IA em questões que envolvem saúde pública, entre outras áreas. O mesmo se dá na Europa e na Ásia. Em fevereiro deste ano, o juiz Juan Manuel Padilla, na Colômbia, deu uma sentença usando o ChatGPT sobre o pleito de uma criança autista e consultas médicas. Em abril, o Conselho Nacional de Justiça do Brasil começou a avaliar a necessidade de proibir juízes brasileiros de usar a tecnologia de IA para proferir ou fundamentar sentenças. Por ocasião do XI Fórum Jurídico de Lisboa, uma iniciativa do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), ao final de junho de 2023, farei palestra sobre o direito, a justiça e o impacto das decisões automatizadas pela IA. Parte do que desenvolverei na palestra decorre de reflexões que antecipo aqui, neste artigo, para a minha coluna no Migalhas. Ao ser desafiado a tratar do tema, resolvi perguntar ao ChatGPT sobre o impacto da IA nas decisões judiciais e sobre como a IA trataria do tema. Queria saber como o ChatGPT se posicionaria sobre as consequências de suas intervenções no âmbito judicial. Considerei que seria um bom início de discussão provocar o tema com o recurso que hoje tem maior representatividade no universo da IA. As respostas não surpreenderam. Foram, de certa forma, óbvias. Nem por isso desinteressantes. Pelo contrário, os riscos apontados pelo ChatGPT são sérios e devem ser cuidadosamente considerados. São eles: risco de discriminação (vieses discriminatórios); falta de transparência no sentido de as decisões não serem explicadas claramente; ausência de responsabilidade no sentido de se identificar o responsável pela decisão; ameaças à segurança e à privacidade pelo uso de dados de pessoas não envolvidas com a decisão; e, sobretudo, ausência de supervisão humana, o que, no final das contas, pode levar à perda de controle do processo. Depois de perguntar sobre os riscos, perguntei pelas soluções para os problemas encontrados. As respostas foram as seguintes: treinamento dos algoritmos; avaliação da existência de vieses algorítmicos; explicações claras sobre as decisões apresentadas; monitoramento e auditoria contínuos; ética e governança como princípios sólidos; e, por fim, supervisão humana. Duas questões despertaram a minha atenção, em especial. A primeira é que as respostas do ChatGPT foram consistentes, ainda que, dada a complexidade do tema, possam ser incompletas. A segunda questão - mais importante - foi a de que, afinal, o ChatGPT propõe, como solução para minimizar os riscos das decisões automatizadas, a supervisão humana. Considerando a possibilidade de uso de IA em decisões judiciais devemos refletir sobre o seguinte:  A IA será usada para auxiliar os juízes e advogados na redação de petições e sentenças, como já está acontecendo. Mesmo que exista uma proibição expressa do uso da IA por juízes, a coleta de informações e opiniões de recursos como o ChatGPT irão ocorrer de forma inevitável.  Assim, é certo considerar que as decisões de ora em diante serão influenciadas pela IA. No entanto, a IA poderá auxiliar, mas nunca, a curto prazo, substituir a decisão humana final, pelo fato de a emoção e o sentimento ainda não poderem ser enviados de forma precisa. As decisões judiciais têm nuances que ainda não podem ser captados pelos algoritmos. Pois nem um bilhão nem 20 bilhões de algoritmos conseguem reproduzir as emoções e os sentimentos dos seres humanos. Além do mais, os juízes, os advogados e os réus são produtos das circunstâncias. Será que a IA poderá emular as circunstâncias que envolvem uma decisão? As minhas cinco reflexões são uma amostra do que devemos considerar sobre o impacto da IA sobre o direito e a justiça. Devemos considerar, ainda, que o uso da IA não será imediato no mundo jurídico. Começará, de fato, como um instrumento que auxilia as pesquisas e a redação de petições e decisões. Assim como o Google, que há tempos termina auxiliando a busca por informações. Ainda estamos distantes da situação em que a IA julgará um caso de forma clara e autônoma. Uma justiça sem os seres humanos somente existirá em um universo distópico controlado por máquinas. Onde vejo um papel relevante para a IA é, por exemplo, na redução da burocracia da prestação do serviço jurisdicional, no andamento do processo e na identificação rápida de casos semelhantes. Mas, para minimizar os riscos, como bem disse o ChatGPT, tudo deve ocorrer sob a supervisão humana.  Vale destacar que o PL 2338, de 2023, mencionado no inicio do texto e   ora em tramitação no Senado federal, prevê, em seu artigo 10, que "Quando a decisão, previsão ou recomendação de sistema de inteligência artificial produzir efeitos jurídicos relevantes ou que impactem de maneira significativa os interesses da pessoa, inclusive por meio da geração de perfis e da realização de inferências, esta poderá solicitar a intervenção ou revisão humana".
quinta-feira, 18 de maio de 2023

Sigilo profissional em debate no STF

Temas do mundo digital estão em evidência no Supremo Tribunal Federal.  Notadamente o julgamento sobre o marco civil da internet e o inquérito das Fake News e, mais recentemente, as decisões sobre as plataformas digitais por ocasião do debate de projeto de lei no Congresso Nacional.  Além dos temas mencionados, o STF examina tema da maior gravidade. O meio jurídico nacional acompanha um debate - que ocorre em segredo de justiça - sobre a ocorrência de hackeamento de e-mails de advogados em comunicação com seus clientes. O episódio envolve algumas das bancas mais importantes do país e do exterior.  A repercussão no exterior, pelo fato de bancas de advocacia dos Estados Unidos, poderá desembocar em decisões em cortes internacionais. Basta lembrar que a violação do sigilo telefônico ocorrido no país, tratada no  caso Escher e outros vs Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos, gerou condenação do nosso país em 2009.  A questão ora em exame no STF, obviamente, envolve uma enorme disputa empresarial. Porém, ao largo da disputa em si, o que chama a atenção é o fato de que até mesmo a Ordem dos Advogados do Brasil se manifestou nos autos por conta da violação do sagrado sigilo profissional.   Decorre do debate o fato de que o hackeamento dos e-mails possa ter  dado vantagem indevida a uma das partes na disputa empresarial. Pareceres nacionais e internacionais apontaram que sim. O que, sem dúvida, é grave. Porém, volto a repetir, perante o mundo do direito, o tema do sigilo profissional é o que mais importa.  Nesse sentido vale destacar o entendimento expresso na ADI 1.127 - que tratou das prerrogativas da advocacia - que inviolabilidade das comunicações e dados visa a proteção do exercício da advocacia como instrumento para a concretização dos direitos e garantias individuais.  A decisão do STF, seja qual for, terá imensa repercussão no exercício da advocacia e será objeto de controvérsias. Até mesmo pelo fato de que , por trás, da quebra de sigilo, existem disputas de interesse empresarial cujo deslinde repercutem na percepção da segurança jurídica no país.  Afinal não pode haver leniência em relação a um tema crítico. Tanto para quem exerce a profissão quanto para quem busca o seu direito.
No último dia 25 de abril, a Câmara dos Deputados aprovou a MP 1147/22 que altera o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) e zera as alíquotas do PIS e da Cofins sobre as receitas obtidas pelas empresas de transporte aéreo regular de passageiros.  O que tem essa MP de tão especial para os setores de petróleo e de combustíveis? Trechos das Medidas Provisórias 1157/23 e 1163/23, sobre combustíveis foram incorporados ao texto já aprovado pela Câmara e agora segue para discussão no Senado. Ocorre que dentre os trechos reproduzidos não está contemplado o disposto no art. 7º da MP 1163/23, o qual institui o Imposto de Exportação sobre o óleo bruto. Fala-se em instituir vez que, apesar de haver prévia autorização constitucional para instituição desse imposto, o mesmo precisa de um mecanismo jurídico próprio para ser aplicado a um tipo de produto em especial, além de ser necessário que esse instrumento atenda alguns requisitos para sua validade, entre eles, o caráter extrafiscal, e, claro, os demais princípios constitucionais em vigor. No Parecer do Plenário à MP 1147/22 fica clara a preocupação da Comissão Mista com o risco iminente de que as MPs 1157/23 e 1163/23 não sejam votadas e que, portanto, sofram os efeitos econômicos dessa omissão. Dessa forma, o parecer resgata a alíquota zero do PIS/COFINS sobre óleo diesel, biodiesel e GLP até o final de 2023 e estende os benefícios às importações dos referidos produtos. Além disso, suspende, pelo mesmo período, a incidência do PIS/COFINS sobre as aquisições no mercado interno e sobre as importações de petróleo efetuadas por refinarias para a produção de combustíveis, evitando, assim, que as refinarias represem créditos, o que poderia ser repassado para os preços. Por fim, retira das duas MPs em tramitação os artigos reinseridos para evitar a insegurança jurídica da repetição de dispositivos legais. Essas alterações objetivam garantir que combustíveis essenciais para a movimentação de cargas do país permaneçam desonerados das duas contribuições federais até o fim de 2023. Destaque-se que, em nenhum momento há intenção de ser mantida a cobrança do IE, que foi propostas para o reforço do caixa público, às expensas do equilíbrio econômico, da afronta aos princípios da livre concorrência, da isonomia e da capacidade contributiva. Seria isso um atestado de que os mecanismos utilizados de fato foram inapropriados ou de que agora outros setores serão chamados a contribuir? A situação posta propõe uma perspectiva de grave insegurança jurídica para o setor  De um lado traz a suspeita de que a oneração das exportações pode ter vindo para ficar. Por outro lado, depreende-se da decisão da Câmara de que a iniciativa não vai vingar e ficará pendurada em mais uma cobrança que será judicializada. A razão, em outras, é simples: a justificativa apresentada de forma incidental à Medida Provisória, evidenciou que a criação do Imposto sobre a Exportação de petróleo bruto seria a saída do Governo para custear a redução de receitas tributárias ocasionadas pela própria Medida Provisória editada, evidenciando sua finalidade arrecadatória o que é inconstitucional. A consequência é clara: incerteza jurídica  gera imprevisibilidade nos investimentos do setor e, por tabela, afetando expectativas de  renda, impostos, divisas e salários. 
A Medida Provisória 1.163, que reonerou combustíveis e criou um imposto de exportação de 9,2% sobre o óleo bruto, está causando grande controvérsia no setor de óleo e gás, no Congresso Nacional e, agora, no Poder Judiciário.   A proposta recebeu 88 emendas. Dessas, 23 tentam tirar da MP o artigo que estabeleceu a cobrança do imposto de exportação. São emendas de autoria de deputados e senadores do PL, Podemos, Republicanos e Novo. E de parlamentares do União Brasil e do PSD, partidos que o governo tenta atrair para a sua base de sustentação.   A primeira dessas emendas foi protocolada pelo senador Rogério Marinho (PL-RN), líder da oposição no Senado. Ele argumenta que "a exportação de petróleo é o terceiro item mais importante da balança comercial brasileira, sendo responsável por um superávit de R$ 65 bilhões nos últimos quatro anos".  Já o deputado Hugo Leal (PSD-RJ), autor de outra emenda, diz que "a criação desse novo imposto também afeta as perspectivas de aumento da produção de petróleo, uma vez que o produto será onerado e sofrerá uma maior concorrência de países que não tributam a commodity". A estimativa é que o imposto arrecade R$ 6,61 bilhões.   Frente a essas dificuldades, lideranças governistas analisam que o melhor caminho é evitar a votação da proposta e deixar que ela perca validade em quatro meses, período que corresponde exatamente ao da vigência do imposto planejado pelo governo. O que é considerado, no mundo político, um truque estranho para se obter arrecadação. Mas qual mensagem que estariam passando para outros setores da economia com esse precedente?  No âmbito judicial, a cobrança do imposto de exportação sobre o petróleo gerou reações importantes. Até o momento, seis petroleiras, dois partidos políticos e uma associação já acionaram a Justiça para tentar reverter os efeitos da iniciativa. No último dia 08 de março, o Novo e o PL entraram com duas ADIs no Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar a constitucionalidade da cobrança, e posteriormente a ABEP - Associação Brasileira de Exploração e Produção, associação que trabalha em cooperação com o IBP e reúne as principais operadoras de exploração e produção de petróleo do país, que também protocolou ADI nesta terça-feira, dia 14 de março.   As siglas e a associação argumentam que a taxação de exportações deve ter caráter regulatório, e não arrecadatório, e questionam a insegurança jurídica que o efeito imediato da medida provisória traz aos investidores. Cinco empresas ajuizaram em litisconsórcio mandados de segurança e pedidos de liminar contra a decisão: Shell Brasil, Equinor, Petrogal, Repsol Sinopec e Total Energies. A PRIO também ingressou com a mesma medida e todos os processos correm hoje na Justiça Federal do Rio de Janeiro.  No final das contas, a cobrança não deve se sustentar. Além do evidente caráter arrecadatório da iniciativa por meio de instrumento inadequado, a medida está trazendo insegurança jurídica e clara afronta à livre concorrência e isonomia. No evento Ceraweek, ocorrido este mês em Houston, nos Estados Unidos, e dedicado ao setor de óleo e gás, a cobrança foi objeto de preocupação de empresários e investidores. Politicamente, a medida também causou preocupação a outros setores exportadores, que viram na iniciativa uma sinalização de que o atual governo possa adotar medida semelhante na mineração e no agronegócio, como ocorreu na Argentina.  A medida afeta diretamente determinados Estados da Federação, que concentram a produção de petróleo brasileira. São eles Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo, que juntos concentram quase toda a produção de petróleo. Os efeitos da cobrança e a insegurança dela decorrente serão sentidos por meio da interrupção/redução de investimentos na produção de petróleo, com consequências nas economias locais de tais Estados e Municípios.  Vale lembrar também que quando o STF considerou constitucional o programa de desinvestimento da Petrobras, foi criado um robusto mercado secundário em campos de petróleo não mais atraentes economicamente para grandes petroleiras, mas viáveis para empresas menores. Tal mercado não foi uma inovação brasileira, pois já existia em outras geografias, onde tais campos, ao atingirem determinada maturidade, são transferidos para empresas que, com foco específico e a correta estrutura de custos, mantêm a atividade de extração do petróleo por mais tempo, evitando o abandono de tais campos e o fim da atividade econômica, que elimina empregos e diminui a arrecadação de tributos e royalties dela decorrentes.  Outro aspecto importante é que a decisão de se taxar as exportações afeta as expectativas do mercado, que é baseado em contratos/investimentos de longo prazo, influenciando negativamente a alocação de capital de investidores no Brasil, em função do um cenário de insegurança jurídica e da redução das margens das companhias.   Assim, tanto pela questão jurídica quanto pelo lado econômico, a expectativa é a de que o STF suspenda de pronto a cobrança, a fim de que a iniciativa não provoque danos aos contratos vigentes, ao mercado e aos governos estaduais e municipais afetados.  Em resumo, os argumentos em favor da inconstitucionalidade da medida são claros:  a) Função extrafiscal do Imposto de Exportação. O imposto de exportação é um tributo de função marcadamente extrafiscal, que serve como instrumento da atuação da União no controle do comércio exterior. A posição unânime na doutrina entende que a extrafiscalidade se opera quando o tributo é utilizado com outras finalidades que vão além da arrecadação. Isso porque a função precípua do tributo é angariar receitas suficientes ao custeio do Estado. E, ao utilizar o tributo com finalidade extrafiscal, pretende o Estado alcançar outro fim que não, apenas, o de financiar as suas atividades. Neste contexto, temos de forma inequívoca, que o Imposto de Exportação, tem, como preceito fundamental, a função de regular o mercado exterior através do fomento ou desestimulo da exportação de bens de acordo com o interesse do mercado, medida fática que não se percebe no arcabouço da Medida Provisória 1163/23; b) Impossibilidade de se vincular receitas do Imposto de Exportação. Da leitura atenta da Exposição de Motivos da MP n.º 1.163/2023, é possível notar que a elevação do Imposto de Exportação tem nítido caráter arrecadatório para fazer frente a um cenário em que a manutenção da desoneração do PIS e da COFINS ao setor de combustíveis gerou uma redução de receitas tributárias estimada em R$ 6,61 bilhões. Assim, a estratégia adotada pelo Governo Federal resume-se a manter as desonerações dos combustíveis, ainda que de forma parcial, e a compensar essas perdas arrecadatórias por meio da imposição do Imposto de Exportação, o que vai totalmente de encontro à sua materialidade extrafiscal, posto quesão tributos não vinculados; c) Princípios da livre concorrência, do tratamento isonômico e da capacidade contributiva. A cobrança do Imposto de Exportação representa relevante aumento do preço do petróleo brasileiro no mercado internacional, o que a afronta ao princípio da livre concorrência, posto que deixa o petróleo brasileiro em total desvantagem em relação ao petróleo vendido internacionalmente, especialmente por se tratar de uma commodity. Além disso, a mesma medida provisória traz a desoneração do PIS e COFINS incidente sobre petróleo importado por refinarias para a produção de combustíveis, gerando nova desvantagem para o petróleo produzido no país, quando este puder ser absorvido no mercado, haja vista que não é qualquer refinaria brasileira que consegue refinar o tipo de óleo produzido no país, mais pesado, fato que impulsiona as vendas deste petróleo para o mercado externo; d) Princípio da segurança jurídica. Decorre do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, relacionado intimamente com a proteção da confiança do contribuinte. Isso posto, percebe-se que o art. 7º da MP 1163/23 nitidamente afronta ao princípio da segurança jurídica e da não surpresa, sendo certo que o processo de venda do óleo cru no mercado internacional é de todo complexo, necessitando de acordo entre as partes que podem levar meses, até a assinatura do contrato com a conclusão do pedido de compra. Uma vez que estes são firmados com antecedência de diversos meses, as empresas do setor precisam confiar no sistema legislativo e tributário vigente para poder fazer frente às negociações inerentes à sua atividade, com pelo menos um mínimo de previsibilidade, já que mudanças repentinas e sem nenhum contexto histórico anterior trazem um enorme impacto econômico para transações já negociadas.  Na avaliação do IBP, "o período definido para cobrança do novo imposto, por si só, não retira os efeitos de percepção negativa que podem perdurar por longo período, podendo ocasionar atraso ou mesmo cancelamento nas decisões de investimentos em exploração e produção, com potencial efeito negativo na arrecadação de tributos federais e estaduais e na geração de empregos". A Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) também se manifestou demonstrando sua preocupação, sobretudo porque "além de estressar o mercado criando um ambiente de tensão e imprevisibilidade, impacta o planejamento da indústria no médio e no longo prazo".
A segurança jurídica é fundamental para a prosperidade econômica e social de um país. Quando as pessoas e as empresas têm confiança na estabilidade e previsibilidade das leis e nas instituições jurídicas do país, elas ficam mais propensas a investir, inovar e empreender. Isso porque a segurança jurídica fornece um ambiente estável e previsível para as atividades econômicas, garantindo que as regras do jogo sejam claras e aplicáveis a todos. Além disso, contribui para reduzir a incerteza e o risco associados a investimentos e negócios, tornando mais fácil para as empresas planejarem a longo prazo e atrair investimentos estrangeiros. A segurança jurídica também ajuda a proteger os direitos de propriedade e os contratuais, bem como previne contra a corrupção e outras práticas ilegais. O que, por sua vez, promove a confiança nas transações comerciais e aumenta a credibilidade e a imagem do país no cenário internacional. Assim, é um dos fatores mais importantes na busca por um ambiente propício ao crescimento. Contudo, mesmo com a obviedade dos aspectos positivos proporcionados pela segurança jurídica, o Brasil é considerado um país juridicamente inseguro. Devido a uma série de fatores, como: a corrupção nas relações público-privadas; a morosidade do sistema judicial; a impunidade; a complexidade do sistema jurídico; a enorme quantidade de leis; o abuso de competências na administração pública, que "legisla" acima das leis aprovadas no Congresso. O Judiciário é palco de disputas que revelam o nível de insegurança jurídica no país. Debate-se agora no Supremo Tribunal Federal, por exemplo, se cabe a cobrança de IPTU em imóveis utilizados por concessionárias de serviços públicos. No caso das empresas públicas, o imposto não era cobrado devido à natureza do serviço prestado. Mas, com a participação de empresas privadas nesse tipo de demanda, veio o debate. O detalhe é que nunca se informou da possibilidade de cobrança de IPTU quando da oferta da concessão.  A confusão existente no nosso sistema tributário também provoca insegurança jurídica, levando a intermináveis embates no Judiciário. Em 2019, estimava-se que havia mais de R$ 5 trilhões em disputa nas esferas administrava e judiciária referentes a impostos. Em debates recorrentes com investidores estrangeiros nas últimas décadas, tenho ouvido críticas à insegurança jurídica no Brasil. Eles reclamam do emaranhado de leis, do protagonismo da burocracia e das decisões contraditórias do Judiciário que afetam o passado.  Relatório produzido em 2021 pela Confederação Nacional da Indústria coloca o Brasil em 15º lugar entre 18 países, à frente apenas de Argentina, Peru e Colômbia, entre as nações selecionadas no estudo. Fato é que todo mundo reclama da insegurança jurídica no Brasil, mas pouco se faz de concreto para dar mais segurança jurídica aos investimentos no país. O que fazer?   Considero que o passo inicial é identificar as razões da percepção da existência de insegurança jurídica no país. A partir daí, identificar objetivamente o que provoca a insegurança e tratar das causas por meio de uma concentração entre os poderes públicos e o setor privado. O Congresso é a instituição adequada para coordenar o debate e, depois, aprovar legislações específicas sobre o tema. A discussão deve envolver a Procuradoria-Geral da República e o Conselho Nacional de Justiça, entre outros órgãos públicos e entidades privadas.  O deputado federal Eduardo Bismarck (PDT-CE), uma das promissoras lideranças do Parlamento brasileiro, pretende discutir o assunto a partir de uma investigação sobre o que provoca a insegurança jurídica e afasta investimentos no país. Nesse sentido, é possível que seja crido um grupo de trabalho visando abordar o tema. A partir do diagnóstico fornecido pelo Congresso, uma série de medidas podem ser implementadas em vários níveis da administração pública e do Judiciário, de forma a assegurar mais transparência e efetividade à aplicação de normas e leis no país.  Não há dúvida de que a matéria deve ser tratada pelo Congresso a partir do recolhimento de depoimentos e sugestões sobre o tema. Sobretudo para se identificar o prejuízo que a insegurança jurídica causa aos empregos, aos impostos, às divisas e aos investimentos em geral.
sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Escândalos financeiros e o Congresso

Logo após a descoberta da inacreditável "inconsistência" financeira na contabilidade das Lojas Americanas, o deputado Federal André Fufuca (PP-MA) apresentou um pedido de instalação de CPI para investigar o tema. Outros requerimentos se seguiram, entre os quais um do senador Otto Alencar (PSD-BA) que demanda informações sobre empréstimos feitos à gigante varejista. O senador já pediu audiência pública com o trio detentor do controle da empresa, entre outros relacionados.  No segundo semestre do ano passado, após a disseminação do incrível vídeo apócrifo de uma palhaça denegrindo a reputação de uma empresa de serviços a investidores listada em bolsa, a TC (Traders Club), congressistas cogitaram investigar o tema por se tratar de um evidente crime contra a imagem da empresa e de seus acionistas. Afinal, o vídeo gerou uma brutal perda do valor acionário da TC.   A investigação criminal sobre o vídeo da palhaça prossegue e deve apresentar conclusões que certamente interessarão aos parlamentares. Até mesmo pelo prejuízo de R$ 2 bilhões que causou a 10 mil acionistas minoritários! Em ambos os casos, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) foi acionada e já iniciou investigações. Há até quem defenda que o Congresso Nacional não deve "se meter" em temas que tais. Não deve ser assim.  O escândalo da pirâmide financeira de Bernie Madoff, nos Estados Unidos, foi debatido no Congresso norte-americano e resultou em novos comportamentos. A SEC (Securities and Exchange Comission), a agência reguladora responsável por cuidar do mercado de capitais no país, foi chamada a se explicar por não ter investigado preventivamente os comportamentos "inconsistentes" de Madoff.   Agora, com o episódio do vídeo apócrifo da palhaça e com a inacreditável "inconsistência" detectada nas Lojas Americanas, a CVM deverá se manifestar de forma contundente. E o lugar apropriado para tal manifestação - sobre o que fez, faz e fará de ora em diante - é o Congresso Nacional, por meio de suas comissões técnicas.   O Legislativo tem mecanismos, tais como audiências públicas e audiências gerais no plenário, além das Comissões Parlamentares de Inquérito, para apurar denúncias e situações desse tipo, envolvendo o mercado de acionistas. Dado o extraordinário valor do prejuízo para investidores, pessoas físicas que perderam - no total - bilhões de reais, a omissão do Legislativo seria muito grave. 
quarta-feira, 9 de novembro de 2022

Imprensa, violência e eleições

As eleições presidenciais de 2018 foram um movimento de rejeição à política capitaneado pela imprensa que resultou na eleição de Jair Bolsonaro. Já em 2022, as eleições foram uma expressão da rejeição, ainda que apertada, ao presidente Jair Bolsonaro.  Ambas as rejeições se referiram a uma dada situação institucional - a política - e a uma questão pessoal, ao atual presidente. Lula e o PT, em 2018, faziam parte de um campo amaldiçoado pela mídia e pela sociedade organizada. Com o centro político também afetado pela maldição, venceu o político outsider.   Em 2022, Bolsonaro acumulou erros e equívocos estratégicos de narrativa que culminaram com a sua rejeição por parte do mundo politicamente correto e da maioria da imprensa. Aliás, desde que assumiu, Bolsonaro não deixou de ser agressivo contra veículos e profissionais da imprensa.  O ponto central e de comunhão entre as duas eleições foi o papel da imprensa que decidiu tanto a disputa de 2018, quando vocalizou o repúdio ao mundo político,  quanto a de 2022 com a explicita rejeição ao presidente.  A diferença crítica entre as duas eleições reside no volume de agressões a jornalistas. De acordo com levantamento da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), 2022 foi um ano violento. Apenas nos primeiros sete meses houve um aumento de quase 70% de ataques a profissionais de imprensa.  No segundo turno, além da censura explícita a veículos, houve uma sucessão de ataques e de agressões a jornalistas, até mesmo depois das eleições, por ocasião dos protestos contra o resultado do pleito. Infelizmente, tanto a violência contra profissionais da imprensa quanto a censura de veículos de comunicação, como o Brasil Paralelo e a Jovem Pan, não mereceu a devida reação das demais instituições.  Considerando o papel relevante da imprensa no processo eleitoral e para a democracia como um todo, devemos repensar e fortalecer as garantias ao direito de expressão e à integridade dos profissionais de imprensa. Na contenção de abusos praticados no Judiciário e no tocante ao exercício profissional dos jornalistas.  O tema deve ser objeto de ações e de entendimentos no âmbito da sociedade civil, das entidades de imprensa, do Legislativo e do Judiciário. E o Conselho de Comunicação Social, órgão de natureza constitucional e que deve funcionar no Congresso Nacional, seria o foro adequado para promover tais entendimentos.   Criado pelos Constituintes de 1988 e disciplinado pelo art. 224 da Constituição Federal, o desconhecido e pouco valorizado Conselho de Comunicação Social e  é um órgão auxiliar do Congresso Nacional destinado a  realizar estudos, pareceres e outras solicitações encaminhadas pelos parlamentares sobre liberdade de expressão, monopólio e oligopólio dos meios de comunicação e sobre a programação das emissoras de rádio e TV e que conta com a participação da sociedade civil, de profissionais da imprensa e do cinema e, ainda, representantes de entidades patronais.    Lamentavelmente, o Conselho de Comunicação Social está inoperante desde que o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) assumiu o comando do Senado. O Conselho teria sido um instrumento importante para denunciar os ataques à liberdade de expressão e de imprensa ocorridos ao longo do processo eleitoral. Especialmente por ter representantes de profissionais de imprensa, empresas de comunicação e membros da sociedade civil. A omissão do Congresso Nacional com relação à instalação do Conselho foi um gravíssimo agravo à liberdade de expressão. Durante quatro anos participei do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional. Fui, sucessivamente, suplente, membro titular e presidente eleito pelos meus pares. Mesmo sendo desvalorizado pelo próprio Congresso Nacional, o Conselho - quando funciona - é capaz de recolher impressões e opiniões da sociedade e usá-las como subsídio para o processo legislativo. O Conselho, na minha gestão, atuou ainda como um centro de observação das questões da imprensa no Brasil.  Debatemos questões relevantes sobre telecomunicações, produção cultural, fake news, entre outros temas. Sem nenhuma justificativa, os membros eleitos pelo plenário do Congresso Nacional nunca tomaram posse. Enfim, o Conselho não foi instalado. O que foi um grave erro do Congresso Nacional tendo em vista o ocorrida nessas eleições. 
quarta-feira, 28 de setembro de 2022

O Direito Legislativo

Em 2019, um grupo de advogados com relevante atuação no mundo do Direito e no Poder Legislativo decidiu criar o Instituto Brasileiro de Direito Legislativo (IBDL), com sede na capital Federal. A motivação era aprofundar a reflexão sobre o papel do advogado e do bacharel de Direito no processo legislativo. Tanto no que diz respeito à assessoria ao processo em si, atuando nas consultorias e nas comissões parlamentares em apoio aos parlamentares, quanto no que se refere à representação dos interesses de seus clientes perante os organismos legislativos. Existem dezenas de bacharéis em Direito que atuam no Poder Legislativo em importantes cargos de assessoria dando suporte não apenas quanto a aspectos jurídicos na elaboração de leis, como também desvendando as relações entre a Constituição Federal, o Congresso Nacional, o direito e as leis. De outro lado, temos os advogados que podem representar e apoiar seus clientes inclusive em situações-limite, como nas Comissões Parlamentares de Inquérito. Nos Estados Unidos, existe a figura do "legislativa lawyer". Aqui no Brasil, apesar da previsão legal de que o advogado pode representar seu cliente no Congresso, não existe a cultura de se reconhecer o advogado no processo legislativo. A criação do IBDL, que tenho a honra de presidir, foi motivada também pelas frequentes violações às prerrogativas dos advogados em diversas CPIs. A ponto de se estabelecerem, em ocasiões diversas, situações de confusão entre cliente investigado e advogado, além de óbices para que o patrono pudesse orientar seu cliente, restrições ao uso da palavra, ameaças de expulsão e, até mesmo, prisão do advogado. Por conta desses episódios, o IBDL se manifestou em carta ao presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco, lembrando que o Estatuto da Advocacia, lei 8.906/94, estabelece que "as autoridades, os servidores públicos e os serventuários da justiça devem dispensar ao advogado, no exercício da profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e condições adequadas a seu desempenho" (artigo 6º, parágrafo único). Tal prerrogativa - de mínimo tratamento digno a quem presta serviço público e exerce função social relevante - não pode ser relativizada, sob pena de vulnerar-se o Estado Democrático de Direito. Na ocasião, lembramos ainda que o artigo 7º do mesmo Estatuto garante a todos os advogados, no exercício de suas atribuições, inúmeros direitos e garantias, entre os quais a prerrogativa de usar a palavra pela ordem, em qualquer juízo ou tribunal, para esclarecer equívoco ou dúvida surgida em relação a fatos, documentos ou afirmações que influam no julgamento, ou, ainda, replicar acusação ou censura que lhes forem feitas. Têm, também, direito de reclamar, perante qualquer juízo, tribunal ou autoridade, contra a inobservância de preceito de lei, regulamento ou regimento. Tais direitos, entre outros, vêm sendo sistematicamente violados, não podendo esta Casa Legislativa omitir-se no zelo ao respeito à Constituição e às leis. Este ano, no final de agosto, o IBDL deu mais um passo no fortalecimento institucional do direito legislativo e, consequentemente, do papel do advogado e do bacharel de Direito no processo legislativo brasileiro com a realização do I Congresso Brasileiro de Direito Legislativo. O evento foi realizado na Assembleia Legislativa do estado de São Paulo, com a presença de advogados, bacharéis e estudantes de Direito, jornalistas, cientistas políticos e demais interessados na intercessão do Direito com a política e o processo legislativo. Na abertura do Congresso, o ex-presidente Michel Temer declarou que, embora o estudo do processo legislativo tenha se concentrado dentro do Poder Legislativo, deveria, dada a relevância do tema, ser objeto de reflexão sistemática em todos os cursos de Direito e de Ciência Política. Nesse sentido, há que se saudar a iniciativa do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), sediado em Brasília, de oferecer um curso de Direito Legislativo. Afinal, além da evidente e íntima inter-relação entre o bacharel de Direito, o advogado e a atividade legislativa, a iniciativa fortalece o processo democrático, já que a democracia se realiza por meio de um processo legislativo saudável, transparente e coerente.