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O ecossistema do esporte e a materialidade do ESG

quarta-feira, 6 de abril de 2022

Atualizado em 5 de abril de 2022 14:44

Conceitos ESG, sustentabilidade e desporto

A relação entre os saberes do meio ambiente, sustentabilidade e o desporto é algo desafiador. Ademais, a observância sobre a trajetória dos jogos desportivos, tanto no Brasil como no mundo, já nos mostra um modelo articulado e numeroso de participantes envolvidos, que reunidos em torno de um único objetivo, promovem alterações e intervenções do ponto de vista ambiental, social e de governança.

De início, vamos relacionar brevemente os conceitos macros para ESG, sustentabilidade, meio ambiente e o desporto, para assim reconhecer um pouco deste cenário e relacionar suas inter-relações.

Primeiramente, é importante ressaltar, que existe uma diferença entre as práticas do desenvolvimento sustentável e Meio Ambiente:

Desenvolvimento sustentável, segundo a Comissão Mundial de Brundtland, é definido como aquele que atende as necessidades do presente sem comprometer as necessidades das gerações futuras. (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1988, p. 49)

Nesse sentido, a Constituição Federal brasileira contempla o termo meio ambiente, explicitamente no caput e em diversos incisos do art. 225, além da previsão contida no art. 170, elencando a defesa do meio ambiente a um princípio da ordem econômica, e de direito público:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

O conceito de meio ambiente, então definido, segundo a Lei da Política Nacional de Meio Ambiente, de 1981), soma um conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

Para o termo desporto, o Dicionário da Língua Espanhola, publicado pela Real Academia Espanhola, "define-o com ampla relação aos termos recreação, passatempo, lazer, diversão, exercício físico, em áreas livres, atividades físicas por competição que envolvam treinamentos e cumprimento de normas''.

Estas atividades ao ar livre, no âmbito espanhol, possuem legislação própria em matéria ambiental e devem respeitar primeiramente sua interferência natural para com os participantes.

Já o acrônimo ESG (Environmental, Social and Governance), surge pela primeira vez em um relatório de 2005 intitulado "Who Cares Wins" (numa tradução literal "Quem se importa, vence") como resultado de uma iniciativa liderada pela Organização das Nações Unidas (ONU). Na época, instituições financeiras de nove países diferentes, inclusive o Brasil, se reuniram para apresentar diretrizes e recomendações a respeito de como incluir as questões ambientais, sociais e de governança nas práticas empresariais.

Mas o ponto mais popularmente conhecido do ESG e que transformou ele numa "linguagem mundial'' foi que, em maio de 2020, Larry Fink, CEO da BlackRock, a maior gestora de ativos do mundo, publicou uma carta estabelecendo critérios e parâmetros para investimentos visando o aumento da conscientização da importância em práticas ESG. De acordo com Larry Fink, os investidores estão considerando cada vez mais as questões de ESG e reconhecendo que o risco climático é um risco de investimento, e deve estar inserido a toda a cadeia dos negócios com todas as partes interessadas.

Mas afinal, qual a relação entre ESG e as práticas desportivas?

Quando falamos em ESG nos referimos a melhores práticas relacionadas ao meio ambiente, governança e de sociedade dentro de um determinado espaço físico ou que haja relações entre pessoas e processos. E para responder a esse questionamento, precisamos entender a origem ainda mais profundamente das relações que ocorrem entre esses três pilares e o desporto.

A partir da análise documental e de pesquisas relacionadas ao tema, do ponto de vista da materialidade de uma prática esportiva, é possível brevemente separarmos os três pilares do ESG e seus principais critérios.

Assim, teremos no E (environmental), todos os recursos naturais que irão viabilizar uma prática desportiva, sendo eles, a água, energia e insumos, como alimentos para atletas e colaboradores, matérias-primas para confecção de uniformes, bolas e o próprio local físico disponibilizado e preparado para receber a prática esportiva. Já no S (social), identificou-se todas as partes interessadas como os colaboradores, atletas, comunidades, torcedores e toda a família de um atleta. E no G (governance) surge toda a linha de recursos financeiros, código de conduta, canais de denúncia e, principalmente, a transparência das operações realizadas entre patrocínios, brindes e demais aquisições, sempre de forma justa e ética.

O ciclo de vida dos stakeholders do esporte

Avançando mais um pouco na temática, com uma breve descrição de fatos, vamos relacionar o ciclo de vida de um esporte versus a narrativa do escopo ESG. Faremos uma compilação de fatos entre os pilares social, ambiental e de governança e os seus principais stakeholders.

No berço desse assunto, para início da trajetória de uma modalidade desportiva, é preciso priorizar por ordem que sem os atletas a prática esportiva não se concretizaria, mas que, acima de tudo, é preciso unir uma satisfação conjunta entre vida, saúde e família para que se tenha alta performance profissional na vida do atleta.

E essa relação simbiótica e familiar vai ao encontro do pilar ''S'' (social). A interação com pessoas e o seu bem-estar dentro de um ambiente que tenha relações e buscam um único objetivo comum, pode-se destacar como uma das principais características deste stakeholder: o atleta. Ainda no ''S'' (social), identificamos os colaboradores diretos e indiretos, que precisam estar alinhados a uma remuneração justa, com benefícios e propósitos que satisfaçam as suas necessidades físicas e mentais, tratando também de práticas mais inclusivas, como o desenvolvimento dos pilares da diversidade, igualdade de gênero e treinamentos interpessoais, tudo isso com muitas transparência e justiça.

Já no ''G'' (governança) é preciso zelar pelo cumprimento dos atos regulatórios existentes para tal atividade, partindo da contratação com os fornecedores de produtos e serviços, que devem estar preparados a respeitar e zelar pela qualidade e preços em consonância ao código de ética do fornecimento da companhia. Apesar da crescente pauta ESG, o assunto requer o desenvolvimento de novas habilidades e modelos de liderança que iniciam na alta administração, buscando desenvolver ainda mais a empatia, a disposição para o debate e a aceitação de divergências, como temas que talvez nunca tivessem sido tão importantes ou abertos a todas as partes envolvidas de uma prática esportiva.

A evolução dos cases práticos alinhados a ótica do ESG desde 1965

Tóquio (Japão), anfitriã dos jogos olímpicos no ano de 1965, foi a primeira cidade sede a colocar a questão ambiental em evidência. A análise é feita em função das significativas melhorias nas condições das águas e do ar, em termos de qualidade, obtidas nesse período. A Olimpíada de Inverno realizada em Albertville, na França, no ano de 1992, foi marcada negativamente pelos danos ambientais promovidos durante as obras para a realização dos Jogos (CARLSON & LINGL, 2007).

Em 1996, Barcelona sediava o Congresso Mundial sobre Desporto e Meio Ambiente, no qual criou-se a Carta do Desporto e Meio Ambiente. O documento destaca o acordo firmado na ECO 92, declarando 17 itens que os congressistas, os desportistas, entidades e organizações desportivas precisam assegurar para o equilíbrio entre a prática desportiva e o meio ambiente. O item 13 refere-se:

Los sistemas públicos educativos deben incorporar o reforzar sus contenidos en educación ambiental y deportiva. Las universidades deven ser agentes activos en este proceso potenciando la formación e investigación en deporte, en medio ambiente y en sus relaciones.

Os Jogos Olímpicos de Sidney (conhecidos como Os Jogos Verdes), de 2000, foram o primeiro resultado deste redimensionamento dos objetivos do Movimento Olímpico. O Campeonato Mundial de Futebol de 2006, que teve lugar na Alemanha, foi declarado o primeiro grande evento desportivo climaticamente neutro, com critérios de minimização e compensação das emissões de gases do efeito de estufa.

Já fazem parte da história dos Jogos Olímpicos de 2008, os 25 milhões de euros investidos pela China na minimização de emissões poluentes em Pequim. A forte mobilização popular que o desporto envolve foi também pressentida pelo Conselho da Europa, que na Recomendação 2000 (17), de 13 de setembro, apelou aos Estados-membros no sentido de incentivar a adoção de medidas de promoção da prática desportiva de modo ambientalmente adequado.

Na Espanha, existe um compilado de normas regulamentadoras sobre as atividades desportivas realizadas no meio ambiente e o seu impacto ambiental, todos dispostos no livro Aspectos jurídicos del deporte  en el médio natural - icd. 34.

No Brasil

Um caso comum relatado com marco importante na evolução da relação meio ambiente e desporto foi a construção do campo de golfe público na Barra da Tijuca, cuja licença de instalação, documento de ordem jurídica que autoriza a instalação de determinada construção, foi concedida em abril do ano de 2013 (G1, 2015). A 'polêmica' gira em torno da necessidade de um aparelho olímpico de grande impacto utilizado nos Jogos do Rio em 2016 e a proteção da área de Preservação Ambiental (APA) de Marapendi (Dossiê Comitê Rio, 2015).

Em 1992, realizou-se no Brasil a ECO 92 que resultou na Agenda 21, a qual inspirou o Comitê Olímpico Internacional, durante um congresso no ano de 1994 e normalizou o terceiro pilar olímpico - o Meio Ambiente - passando então a estar ao lado dos outros dois: o esporte e a cultura. Para a Copa do Mundo no Brasil em 2014, foram construídos novos estádios, dos quais nove receberam a certificação LEED: Estádio Mineirão (Platina); Estádio Mané Garrincha (Ouro); Estádio Maracanã, Estádio Beira-rio, Arena Pernambuco e Arena Fonte Nova (Prata); Arena da Amazônia, Arena das Dunas e Arena Castelão (Básico) (Portal da Copa, 2015).

Outra iniciativa lançada foi o programa "Baixo Carbono na Copa", que selecionou empresas por chamada pública para doarem créditos de carbono destinados à compensação de emissões geradas pelo Mundial.

Há ainda diversas ações pelo país que demonstram o comprometimento com a sustentabilidade, como produção de equipamentos esportivos com materiais recicláveis (CUNHA; AUGUSTIN, 2014), e a Copa Verde, reconhecida como a primeira competição de futebol do mundo com condicionantes de sustentabilidade. O referido evento esportivo inclui boas práticas ambientais, como ingressos feitos como papel-semente, reciclagem dos resíduos sólidos gerados durante os jogos e até troféu com muda de árvore nativa (BID, 2013).    

Considerações finais

O fato crucial disso tudo é que as ações pontuais são importantes sim, mas é preciso ações permanentes a todo tempo, alinhadas à estratégia da prática esportiva. Alguns exemplos que podem e devem ser incorporados imediatamente a rotinas de clubes, para que se promova os objetivos do desenvolvimento sustentável junto a práticas positivas existentes, e não se percam ações pontuais como as listadas acima, são:

  • Adesão ao Pacto Global da ONU;
  • Investir fortemente em reciclagem e reaproveitamento de materiais (no momento dos campeonatos que gerem massa) - isso além de ambiental e socialmente correto, irá gerar economia a médio e longo prazo, além da admiração dos consumidores. Em casos de não ter a condição própria, o recomendado são termos de cooperações entre cooperativas de reciclagem;
  • Economizar água com sistemas de reuso;
  • Recuperar espaços que o esporte utiliza para outros fins permanentes, servindo à comunidade local;
  • Eliminar ou substituir produtos poluentes por outros de melhor desempenho;
  • Colaborar com programas que já existam no entorno da realização das práticas;
  • Neutralizar a pegada de carbono;
  • Treinamentos em ESG para todos os stakeholders.

É preciso verificar o senso de sociedade, o princípio da participação em questão, para não usarmos um indicador falso, no sentido de que não somente através do clube se faça algo. É possível hoje usar os meios de comunicação de massa, usando da informação e da educação, e agir pelo conjunto. Ser sustentável é um trajeto a ser percorrido sempre pela transparência dos fatos.

Da Costa (1997), ao analisar a Declaração do Rio de Janeiro como o resultado da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, cita o princípio da redução e eliminação de padrões de produção e consumo não-sustentáveis (p.23), no qual o desporto é colocado como um padrão, devido a sua crescente expansão, por vezes de forma não saudável à sociedade e, frequentemente, em desarmonia com a natureza.

De acordo com o autor, inúmeras discussões têm sido desencadeadas no meio desportivo, abrangendo as federações regionais, nacionais e até mesmo o Comitê Olímpico Internacional, buscando encaminhamentos para a adequação à nova ordem, qual seja, a gestão de um desporto sustentável. Enfrentar os desafios mais urgentes da sociedade não será uma preocupação individual. Será preciso um nível inédito de cooperação entre líderes empresariais, autoridades públicas, formuladores de políticas, investidores e organizações não governamentais (ONGs).

Naturalmente, essa relação compartilhada entre as práticas desportivas e o ESG não exaure os desafios inerentes do processo de estruturação de sistemas de alinhamento às práticas em ambos os pilares tanto no Brasil como no mundo, cabendo, por ora, celebrar a possibilidade imediata de que muito pode ser feito no atual momento. Com possibilidade altíssima de se transformar em pequenos frameworks de sucesso.

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2002, Livro Aspectos jurídicos del deporte en el medio natural - icd 34, Minisério de Educación, Cultura y Deporte - Madrid, 2002.a LF.

1997, DA COSTA, L. P. Environment and Sport: an international overview. Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física, Universidade do Porto, Porto, Portugal, 1997.

1981, BRASIL - Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA) 1981.

1988, BRASIL - Constituição Federal Brasileira (CF) 1988.

2007, Livro de CARLSON & LINGL - Doing Business In A New Climate - Londres, 2007.

2013, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID),  Grandes eventos esportivos e planejamento desenvolvimiento urbano: documentos de refêrencia e discussão | Publicações (iadb.org).

2014, Sustentabilidade ambiental_COMPLETO_25.4.14 (ucs.br) - Sustentabilidade ambiental [recurso eletrônico] : estudos jurídicos e sociais / org. Belinda Pereira da Cunha, Sérgio Augustin.- Dados Eletrônicos Caxias do Sul, RS : Educs, 2014.

2015, Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Rio de Janeiro  - Dossiê do Comitê Popular da Copa e Olimpíadas do Rio de Janeiro - Disponível aqui.

Governo anuncia ações de sustentabilidade para a Copa. Disponível aqui.

http://www02.madeiraedu.pt/drjd/main/tabid/216/ctl/Read/mid/889/InformacaoId/18142/UnidadeOrganicaId/4 /Default.aspx

Japoneses dão exemplo de civilidade e recolhem lixo na Arena das Dunas. Disponível aqui.

Sob protesto, Rio lança dossiê sobre obras do campo olímpico de golfe. Disponível aqui.