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Saúde mental e suicídio em tempos de pandemia da covid-19: anotações sobre a responsabilidade civil de psiquiatras e psicólogos

quinta-feira, 9 de julho de 2020

Atualizado às 08:43

Texto de autoria de Vitor Almeida

O medo é o perfeito pouso do desassossego.
Bruno Lima Penido

Os efeitos da pandemia da covid-19 na economia e no sistema de saúde são dramáticos em diversos países, que vivenciam, contudo, em momentos diferentes o ápice da emergência de saúde pública em nível internacional1. No entanto, à medida em que alguns países começam a debelar o crescimento exponencial dos números de mortos e infectados, descortina-se, para além da crise econômica, a questão da saúde mental2. O medo da morte, a perda de familiares e pessoas próximas, o isolamento social, as dificuldades financeiras e o próprio viver em estado pandêmico impactam todas as pessoas, mas, obviamente, atingem com maior intensidade os mais vulnerados, seja porque mais propensos aos efeitos decorrentes do aprofundamento das desigualdades sociais, seja em razão do estado anterior de saúde mental potencialmente já fragilizado.

Na Itália, recente pesquisa revela que oito em cada dez italianos disseram que precisavam de apoio psicológico para superar a pandemia3. Os psicólogos italianos relatam o aumento de um medo contínuo do vírus, o impacto emocional do distanciamento social e a crise econômica como responsáveis pelo crescimento da ansiedade e da depressão durante a pandemia. A flexibilização das medidas de isolamento e a reabertura gradual dos espaços públicos com a consequente oferta de serviços e a liberação das atividades ao ar livre nem sempre resolvem, eis que muitas pessoas decidem permanecer em ambientes fechados porque se sentem mais seguras. E, com a iminência de uma profunda recessão econômica, há o risco de um "cataclisma em saúde mental" em razão dos impactos econômicos4.

Boaventura de Sousa Santos, em sua obra "A cruel pedagogia do vírus", aborda o agravamento severo da vulnerabilidade em razão da pandemia e afirma que "qualquer quarentena é discriminatória, mais difícil para uns grupos sociais do que para outros". Na verdade, tais grupos já "padecem de uma especial vulnerabilidade que precede a quarentena e se agrava com ela". Esses grupos compõem o que o autor chama de Sul, que em sua concepção "não designa um espaço geográfico. Designa um espaço-tempo político, social e cultural. É a metáfora do sofrimento humano injusto causado pela exploração capitalista, pela discriminação racial e pela discriminação sexual". A lista dos que estão à Sul da quarentena não é exaustiva, mas o autor analisa alguns desses grupos, a saber: (a) as mulheres; (b) os trabalhadores precários, informais, "ditos autônomos"; (c) os trabalhadores da rua; (d) as populações em situação de rua; (e) os moradores nas periferias pobres das cidades, favelas etc; (f) os internados em campos de internamento para refugiados, imigrantes "indocumentados" ou populações deslocadas internamente; (g) os deficientes; (h) os idosos; (i) os presos; (j) as pessoas com problemas de saúde mental, nomeadamente depressão5.

É possível que, no Brasil, a questão da saúde mental ainda não tenha chamado a atenção da sociedade em razão do momento de esforços ainda voltados ao enfrentamento do estado de emergência em saúde pública. Ela surge como efeito colateral da própria pandemia e costuma evidenciar a invisibilidade do tema. O silêncio a respeito da depressão, da ansiedade, entre outros transtornos mentais, agrava o sofrimento dos pacientes que padecem de tais males e impede, não raras vezes, a busca por ajuda profissional.

É preciso um olhar mais cuidadoso e empático com as pessoas que sofrem com problemas de saúde mental durante o período de pandemia e, sobretudo, enquanto durarem os efeitos decorrentes do coronavírus. Os impactos da pandemia ainda não são de todos conhecidos e, por conseguinte, a saúde mental tende a ser um indicador da indiferença e repugnância aos pacientes terminais, mortos e familiares em luto6. A vulnerabilidade acentuada em razão das medidas de isolamento social potencializa, em muitos casos, o risco de suicídio em momento já tão desolador. Por isso, mais do que atitudes de solidariedade individuais, é preciso pensar em medidas efetivas de assistência à essas pessoas de forma estruturada, coordenada e com segurança seja no âmbito privado ou por meio de políticas públicas.

*Vitor Almeida é doutor e mestre em Direito Civil pela UERJ. Discente do Estágio Pós-Doutoral do Programa de Pós-Graduação em Direito da UERJ. Professor do Instituto de Direito da PUC- Rio.

__________

1 A Portaria n. 188, de 03 de fevereiro de 2020, declara Emergência em Saúde Pública de importância Nacional (ESPIN) em decorrência da Infecção Humana pelo novo Coronavírus. A Lei n. 13.979, de 06 de fevereiro de 2020, dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.

2 Há estudos sobre as alterações psiquiátricas relacionadas à covid-19 e o prognóstico em termos de saúde mental após a pandemia, bem como o possível comprometimento do sistema nervoso central. RAONY, Ícaro et. al. Psycho-Neuroendocrine-Immune Interactions in COVID-19: Potential Impacts on Mental Health. Disponível aqui. Acesso em 22 jun. 2020.

3 Disponível aqui. Acesso em 08 jun. 2020.

4 Disponível aqui. Acesso em 08 jun. 2020.

5 SANTOS, Boaventura de Souza. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra: Almedina, 2020, capítulo 3. Sobre o tema no Brasil cf. ARBEX, Daniela. Holocausto brasileiro. São Paulo: Geração Editorial, 2013.

6 Permita-se remeter a BARBOZA, Heloisa Helena; ALMEIDA, Vitor. Mortes invisíveis em tempos insólitos da pandemia da covid-19. Disponível aqui. Acesso em 10 jun. 2020.