Seguro garantia na lei 14.133/21: Eficiência na execução de obras públicas de infraestrutura
quarta-feira, 17 de dezembro de 2025
Atualizado em 16 de dezembro de 2025 08:40
Obras públicas de infraestrutura e ineficiência: um problema crônico
Segundo estimativa recentemente feita pelo BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o Brasil necessita de cerca de R$ 3,7 trilhões de investimentos em infraestrutura na próxima década, a fim de suprir gargalos em setores estratégicos como energia, saneamento, logística, mobilidade urbana, etc.1
Nesse contexto, o Poder Público, nas esferas federal, estadual e municipal, necessita frequentemente recorrer ao setor privado para realizar obras que viabilizem a prestação dos serviços públicos que lhe compete por delegação constitucional. O ordenamento jurídico brasileiro prevê, para tanto, diversas roupagens jurídicas para que se dê a contratação do parceiro privado. Há, primeiramente, o regime geral de licitações e contratações públicas previsto na lei 14.133/21, aplicável às "obras e serviços de arquitetura e engenharia" (art. 2º, VI).
No caso da outorga de serviços públicos à iniciativa privada, há ainda a possibilidade de delegação dos serviços de "construção, total ou parcial, conservação, reforma, ampliação ou melhoramento de quaisquer obras de interesse público [...] a pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para a sua realização, por sua conta e risco, de forma que o investimento da concessionária seja remunerado e amortizado mediante a exploração do serviço ou da obra por prazo determinado" (art. 2º, III, da lei 8.987/1995).
Além disso, há, ainda, o regime das parcerias público-privadas estabelecido na lei 11.079/04, seja sob a modalidade de concessão patrocinada, "quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado" (art. 2º, § 1º), seja sob a modalidade de concessão administrativa, caso "a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens" (art. 2º, § 2º).
Um dos princípios balizadores da gestão pública, como se sabe, é o da eficiência, nos termos do art. 37, caput, da Constituição Federal de 19882. De forma semelhante ao diritto ad una buona amministrazione previsto no ordenamento italiano3, o princípio da eficiência impõe, no contexto brasileiro, um controle dos resultados efetivamente alcançados pela atuação do gestor público.4
Como corolário desta premissa, no âmbito especificamente das licitações e contratações públicas, impõe-se à Administração Pública que celebre "contratos com empresas que estejam efetivamente aptas a honrar com suas obrigações, atendendo, assim, ao princípio da eficiência administrativa"5, consoante já reconheceu o STF em determinado precedente.
Não obstante, o cenário que se vislumbra na prática é, frequentemente, de ineficiência nas contratações de obras públicas. Segundo relatório elaborado pelo Tribunal de Contas da União, foi possível constatar no Brasil, ao longo do ano de 2024, a existência de 11.941 obras paralisadas, sem perspectiva iminente de conclusão, o que equivale a cerca de 52% das contratações em vigor6. Dentre as causas das paralisações, apontaram-se as seguintes: problemas técnicos de execução, ausência de recursos orçamentários, não obtenção de licenças, autorizações ou outros instrumentos equivalentes, desistência ou abandono do canteiro de obras, etc.
É neste contexto que se pretende examinar, a seguir, o papel desempenhado pelo seguro garantia como instrumento de promoção da eficiência nas contratações de obras públicas.
Considerações sobre o seguro garantia
A relação jurídico-securitária, em seu arranjo mais simples, desenvolve-se em torno de dois centros de interesses distintos: de um lado, o segurado, que celebra o contrato a fim de resguardar-se contra os riscos que recaem sobre interesse legítimo de que é titular; e, de outro lado, o segurador, a quem cabe garantir tal interesse.
Nem sempre, contudo, é assim. Em esquemas mais complexos, é possível acrescentar um terceiro personagem a tal vínculo jurídico: determinada pessoa, na qualidade de estipulante, pode contratar seguro, perante o segurador, em benefício de outrem, este sim titular do interesse ameaçado pelo risco.7
É nesse contexto que se situa o seguro garantia, cuja função consiste em garantir o adimplemento do contrato principal (garantido), formando-se, assim, uma relação triangular entre o tomador do seguro (responsável pela execução da obra ou do serviço), a seguradora (que emite a apólice a pedido do tomador, em favor do segurado) e o segurado (beneficiário da garantia, contratante do tomador).
Em tal modalidade de seguro, o titular imediato do interesse garantido é o próprio segurado, no sentido de ver adimplida a obrigação contratual assumida pelo tomador, resguardando-se, por meio do seguro, contra os riscos de prejuízos econômicos decorrentes da inexecução.8
No CC de 2002, a possibilidade de existência do terceiro, titular do interesse garantido, foi reconhecida no art. 767: "No seguro à conta de outrem, o segurador pode opor ao segurado quaisquer defesas que tenha contra o estipulante, por descumprimento das normas de conclusão do contrato, ou de pagamento do prêmio"9. O dispositivo autoriza que o segurador se valha, perante o segurado, de argumentos defensivos que porventura sejam imputáveis ao tomador do seguro, tais como mora no pagamento do prêmio, falha ou omissão no dever pré-contratual de informação, agravamento do risco, etc.10
Apesar disso, o STJ possui precedente no qual parece ter deixado de aplicar tal regra legal, impedindo a seguradora, no âmbito de determinada apólice de seguro-garantia, de arguir, perante o segurado, defesa fundada em ato imputável ao tomador:
[...] o seguro garantia, ao contrário da generalidade dos seguros, não está adstrito ao mutualismo e à atuária. Com efeito, tendo em vista a singularidade dessa modalidade de seguro, que muito se aproxima da fiança, o tomador contrata seguro, pelo qual a seguradora garante o interesse do segurado, relativo à obrigação assumida pelo tomador, não podendo, por isso, ser arguida pela seguradora a ausência de pagamento do prêmio.11
Ademais, o STJ já reconheceu que, no seguro garantia, o sinistro, apto a deflagrar o direito do segurado à cobertura contratada, consiste no inadimplemento do contrato principal pelo tomador12 - premissa que se aplica igualmente às contratações públicas.13
Em sede regulamentar, a SUSEP - Superintendência de Seguros Privados editou norma dispondo que "o Seguro Garantia destina-se a garantir o objeto principal contra o risco de inadimplemento, pelo tomador, das obrigações garantidas" (art. 3º da circular 662/22).
Se, devido à ocorrência de fortuito ou de força maior, o tomador não lograr cumprir o contrato, em regra, não responderá pelos efeitos do descumprimento, que, em tal hipótese, não lhe será imputável (conforme art. 393 do CC e, no caso do setor público, art. 137, V, da lei 14.133/21). Pode ser também que o cumprimento da prestação pelo tomador se torne excessivamente oneroso, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis (conforme art. 478 do CC e, no caso do setor público, art. 124, II, "d", da lei 14.133/21).
Em ambas as hipóteses, não haverá, tecnicamente, inadimplemento - conceito que, segundo a civilística tradicional, não contempla a inexecução não imputável ao devedor14. Não tendo o contrato atingido o resultado útil almejado pelo credor da prestação (segurado) por razões alheias ao tomador, é de se questionar se a seguradora deve ou não indenizar os prejuízos daí decorrentes.
A ausência de cobertura para as hipóteses de inexecução não imputável ao tomador, em princípio, justifica-se porque, em tais casos, a seguradora não poderia exercer seu direito de regresso contra aquele15. Tem-se reconhecido, de forma geral, a legitimidade de estipulações contratuais dessa natureza, que exonerem a seguradora em tais hipóteses.16
Por outro lado, às partes se deve assegurar ampla autonomia para que, regulamentando os seus interesses, determinem quais serão os riscos cobertos no seguro garantia, os quais poderão abranger até mesmo riscos de inexecução contratual não imputável ao tomador, prejuízos decorrentes de mero atraso, de prestação incompleta ou defeituosa etc.17
Reputa-se legítima, no seguro garantia, a garantia do interesse do contratante, segurado, em se resguardar contra os efeitos econômicos da inexecução contratual que não lhe seja imputável - quer o contrato não tenha atingido o resultado útil almejado em virtude de causas exógenas, alheias às partes, quer tenha o tomador incorrido em inadimplemento.
Parece razoável, por isso, o afastamento do direito à cobertura se o segurado, culposa ou dolosamente, houver concorrido de forma determinante para a inexecução contratual. No caso de dolo, aliás, a própria ordem pública impõe que não haja cobertura, nos termos do art. 762 do CC e do art. 10, parágrafo único, II, da lei 15.040/24.
Em determinada disputa decorrente de seguro garantia em obra pública, por exemplo, discutiu-se se havia sido praticado ato doloso de improbidade administrativa apto a exonerar a seguradora, alegação que veio a ser rechaçada pelo órgão julgador à luz das circunstâncias do caso.18
Ademais, suscitam-se, com frequência, no âmbito do seguro garantia, discussões securitárias clássicas, tais como os efeitos de eventual agravamento do risco segurado e de eventual aviso tardio do sinistro à seguradora.
É comum, por exemplo, a estipulação, na apólice, de obrigação de comunicação à seguradora sobre eventuais aditivos ao contrato garantido, na medida em que puderem repercutir efetivamente no risco garantido. A mera ausência de comunicação, contudo, não deverá ensejar, por si só, hipótese de isenção de responsabilidade da seguradora, se a alteração contratual não tiver agravado significativamente o risco.19
Por outro lado, se, no âmbito do seguro garantia acessório a determinado contrato administrativo, restar constatado que a demora do Poder Público em avisar o sinistro à seguradora prejudicou sobremaneira os interesses desta - impedindo-a de tomar providências para estancar os seus efeitos -, não haverá direito à garantia contratada.20
Feitas estas considerações, passa-se a examinar, a seguir, as particularidades existentes no regime legal aplicável ao seguro garantia nas contratações públicas.
Peculiaridades do seguro garantia envolvendo a Administração Pública
De maneira inédita, a lei 14.133/21 ocupou-se de regulamentar minuciosamente o seguro garantia destinado às contratações públicas, que consiste em uma das opções de garantia a ser apresentada pelo contratado (art. 96, § 1º, II).
De acordo com o art. 97, caput, o seguro garantia nas contratações públicas destinar-se-á a garantir o cumprimento das obrigações assumidas pelo contratado perante o Poder Público, contemplando, dentre outras rubricas, multas, prejuízos e indenizações advindas do inadimplemento.
Nos termos do inciso I, a vigência do seguro garantia deverá necessariamente espelhar a vigência do contrato principal garantido, devendo ser igual ou superior a esta e acompanhar suas eventuais alterações de vigência. O inciso II, por sua vez, ressalva a subsistência da vigência do seguro garantia ainda que o contratado, tomador da apólice, esteja em mora para com a seguradora em relação ao pagamento do prêmio.
O parágrafo único do art. 97 faculta a substituição da apólice apresentada pelo contratado em garantia aos contratos de execução diferida, contanto que não se deixe o Poder Público (segurado) desguarnecido, isto é, com lacuna temporal de cobertura.
Em seguida, o art. 98 da lei preocupou-se em regulamentar, quantitativamente, os limites de cobertura, dispondo que, nas contratações de obras, serviços e fornecimentos, a garantia poderá ser de até 5% do valor inicial do contrato, restando autorizada a majoração desse percentual para até 10%, a depender da complexidade técnica e dos riscos envolvidos.
Por outro lado, nos termos do art. 99, nas contratações de obras e serviços de engenharia de grande magnitude, poderá ser exigida a apresentação de seguro garantia em percentual equivalente a até 30% do valor inicial do contrato.
Uma das maiores inovações da lei 14.133/21 em matéria de seguro garantia nas contratações públicas reside em seu art. 102, o qual faculta, na contratação de obras e serviços de engenharia, a exigência de seguro garantia em que a seguradora se comprometa, em caso de inadimplemento pelo contratado, a assumir a execução e concluir o objeto contratual.
Nessa hipótese, nos termos do inciso I, a seguradora deverá ser signatária do contrato garantido e de seus eventuais aditivos, na qualidade de interveniente anuente. Como consectário de tal posição jurídica, poderá a seguradora inspecionar as instalações em que for executado o contrato, acompanhar a sua execução, ter acesso à auditoria técnica e contábil e solicitar esclarecimentos ao responsável técnico do contratado.
Na hipótese de inadimplemento do contratado originário e de consequente assunção da execução do contrato pela seguradora, o inciso III faculta a esta a subcontratação, em caráter total ou parcial, dos serviços necessários à conclusão do contrato.
Mais adiante, o parágrafo único do art. 102 cuida da fase patológica da execução contratual, dispondo sobre as possíveis consequências jurídicas, na esfera da seguradora, do inadimplemento pelo contratado.
Se a seguradora optar por executar e concluir o objeto do contrato, exonerar-se-á da obrigação de pagar a importância segurada indicada na apólice (inciso I). A previsão justifica-se pois, se a própria seguradora satisfizer a prestação originalmente assumida pelo tomador, a lesão ao interesse segurado, do Poder Público, já terá sido devidamente remediada, não se justificando o pagamento de quantia21. Por outro lado, poderá a seguradora, em vez de assumir a execução do contrato, optar por simplesmente pagar a importância segurada (inciso II).
Afinal, uma vez caracterizado o inadimplemento contratual, os interesses do credor da prestação inadimplida - no caso em discussão, o Poder Público contratante - podem ser satisfeitos de formas distintas: ou com o pagamento de compensação pecuniária correspondente aos prejuízos suportados pelo inadimplemento (nos termos da apólice) ou com a assunção da execução da prestação pela seguradora.
Conclusão
Como visto, uma das maiores inovações da lei 14.133/21, em matéria de seguro garantia nas contratações públicas, consiste no protagonismo inédito conferido aos seguradores, devido à possibilidade de contratação de cláusula de retomada e de consequente assunção da execução contratual pelos mesmos.
Conquanto não se tenha conhecimento, até o presente momento, de dados empíricos a respeito do impacto da medida legislativa, espera-se que ela seja capaz de trazer mais eficiência à execução de contratos públicos de vulto, fornecendo-se, com isso, uma possível contribuição para solucionar o problema crônico de ineficiência na execução de obras públicas, verificado diuturnamente na realidade brasileira.
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1 "Infraestrutura requer investimento de R$ 3,7 trilhões nos próximos 10 anos, segundo BNDES", Valor Econômico, 05/06/2023. Disponível aqui.
2 Segundo a doutrina, "o constituinte reformador, ao inserir o princípio da eficiência no texto constitucional, teve como grande preocupação o desempenho da Administração Pública. Por essa razão, sem descurar do interesse público, da atuação formal e legal do administrador, o constituinte derivado pretendeu enfatizar a busca pela obtenção de resultados melhores, visando ao atendimento não apenas da necessidade de controle dos processos pelos quais atua a Administração, mas também da elaboração de mecanismos de controle dos resultados obtidos" (MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 17. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2022. p. 1.007- 1.009).
3 Na doutrina italiana, Guido Falzone sublinha que a Administração Pública deve desenvolver suas atividades "do modo mais congruente, mais oportuno e mais adequado aos fins a serem alcançados, graças à escolha dos meios e da ocasião de utilizá-los, concebíveis como os mais idôneos para tanto" (FALCONE, Guido. Il dovere di buona amministrazione. Milano: Giuffrè, 1953. p. 64 - tradução livre).
4 "O princípio da eficiência impõe que a Administração Pública utilize os meios necessários e adequados para atingimento dos objetivos pretendidos e impele que se estabeleçam mecanismos de controle para avaliação dos resultados obtidos. Assim, é um princípio associado tanto aos objetivos quanto ao fornecimento dos meios indispensáveis para o seu atingimento" (STF, Pleno, ADI n. 5.157/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 09/12/2024).
5 STF, Pleno, ADI n. 4.716/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, j. em 30/09/2024.
6 TCU, Acórdão n. 2.600/24, Rel. Min. Vital do Rêgo, Processo n. 021.731/2019-5, plenária de 04/12/2024.
7 STIGLITZ, Rubén Saúl. Derecho de seguros, tomo I. 6. ed. Buenos Aires: La Ley, 2016. p. 233-234.
8 BURANELLO, Renato Macedo. Do contrato de seguro: o seguro garantia de obrigações contratuais. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 173. Sobre o tema, confira-se também: POLETTO, Gladimir Adriani. O seguro garantia: em busca de sua natureza jurídica. Rio de Janeiro: FUNENSEG, 2003.
9 No âmbito da Lei n. 15.040/24, cuja vigência se iniciará em breve, o art. 73 dispõe: "A seguradora poderá opor ao segurado e ao beneficiário todas as defesas e exceções fundadas no contrato [...]".
10 TEPEDINO, Gustavo; BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República, vol. II. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012. p. 578.
11 STJ, 4ª Turma, REsp 1.224.195/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 13/09/11.
12 "A cobertura contratual de seguro garantia deve considerar a boa-fé das partes, que devem cumprir a avença com probidade, caso a inadimplência do tomador perante a obrigação garantida tenha ocorrido durante a vigência da apólice, a caracterização do sinistro (sua comprovação) pode ocorrer fora do prazo de vigência da apólice" (STJ, 2ª Turma, AREsp 2.678.907/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, j. 04/02/2025).
13 Nesse sentido: "Seguro garantia. Contrato de prestação de serviços de execução de obra pública. Descumprimento contratual atribuível à empresa vencedora de licitação. Execução da garantia. [...] Prescindível a comprovação de efetivo prejuízo suportado pela autora, bem como de sinistro que justifique a indenização, posto que a cláusula 9.5 do instrumento celebrado prevê expressamente a possibilidade de execução da garantia na hipótese de inexecução contratual imputável à empresa contratada" (TJSP, 25ª Câmara de Direito Privado, Apelação n. 1004900-54 .2015.8.26.0011, Rel. Des. Carmen Lucia da Silva, j. em 23/02/2017). Em sentido semelhante, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu que, no âmbito do seguro garantia acessório a determinado contrato com a Administração Pública, o inadimplemento (rectius, mora) do contratado (tomador) com relação às obrigações contraídas perante os seus funcionários caracterizaria sinistro para os fins da apólice: "ADMINISTRATIVO. CONTRATO ADMINISTRATIVO. SEGURO GARANTIA. NATUREZA ACESSÓRIA. SUBMISSÃO AOS PRECEITOS DE DIREITO PÚBLICO. ENCARGOS TRABALHISTAS. DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL PELO TOMADOR DO SEGURO. SINISTRO CARACTERIZADO. [...] 2. Existindo previsão, na apólice, de garantia das obrigações assumidas no contrato administrativo pela empresa contratada, e estabelecido no referido contrato o inadimplemento dos encargos trabalhistas como obrigação do tomador para com o segurado, o descumprimento de tais encargos, bem como das condições contratuais, configura sinistro, ensejando, assim, o pagamento do seguro pela empresa ré" (TRF-4, 3ª Turma, Apelação n. 5016417-63.2016.4.04.7200, Rel. Des. Rogério Favreto, j. em 15/12/2020).
14 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: teoria geral das obrigações - vol. II. Revista e atualizada por Guilherme Calmon Nogueira da Gama. 32. ed. Rio de Janeiro: Forense: 2020, cap. 174.
15 MARSHALL, Sabina Díaz. Naturaleza y función del seguro de caución. Revista de Derecho de la Universidad de Montevideo. Disponível em:
16 Nesse sentido: "AÇÃO DE COBRANÇA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA PELOS PREJUÍZOS SUPORTADOS PELO ROMPIMENTO DO CONTRATO PELA TOMADORA. SEGURO-GARANTIA. PERÍCIA COM A FINALIDADE DE APURAR OS PREJUÍZOS DAS SEGURADAS. SENTENÇA QUE CONDENOU A RÉ AO PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO SECURITÁRIA, OBSERVANDO-SE OS LIMITES DAS APÓLICES. [...] NEGATIVA DA SEGURADORA. ALEGAÇÃO DE QUE OS PREJUÍZOS IDENTIFICADOS EM PERÍCIA NÃO ESTÃO ACOBERTADOS PELO SEGURO. SEGURO-GARANTIA EM LICITAÇÃO. CONDIÇÃO ESPECIAL QUE DISPÕE "ESTE SEGURO GARANTE A INDENIZAÇÃO ATÉ O VALOR DA GARANTIA FIXADO NA APÓLICE, PELOS PREJUÍZOS DECORRENTES DO INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES ASSUMIDAS PELO TOMADOR, EM CONTRATO DE CONSTRUÇÃO, FORNECIMENTO OU PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS, FIRMADO ENTRE ELE E O SEGURADO, E COBERTO PELA APÓLICE". INDENIZAÇÃO QUE PODE SE DAR ATRAVÉS DO PAGAMENTO DOS PREJUÍZOS CAUSADOS PELA INADIMPLÊNCIA DO TOMADOR (CLÁUSULA 7.1). ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA SOMENTE NAS HIPÓTESES DE CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR, DESCUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES DECORRENTES DE ATOS/FATOS DE RESPONSABILIDADE DO SEGURADO, ALTERAÇÃO DAS OBRIGAÇÕES CONTRATUAIS SEM PRÉVIA ANUÊNCIA DA SEGURADORA, ATOS ILÍCITOS PRATICADOS PELO SEGURADO OU POR SEU REPRESENTANTE LEGAL (CLÁUSULA 9). HIPÓTESES NÃO DEMONSTRADAS IN CASU. PREJUÍZOS DECORRENTES DO ROMPIMENTO CONTRATUAL QUE SÃO EVIDENTES. SINISTRO EVIDENCIADO. DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO" (TJPR, 10ª Câmara Cível, Apelação n. 0079395-32.2010.8.16.0014, Rel. Des. Alexandre Kozechen, j. em 05/12/2022).
17 Nesse sentido, confira-se: MARSHALL, Sabina Díaz. Naturaleza y función del seguro de caución. Revista de Derecho de la Universidad de Montevideo. Disponível aqui.
18 "Contrato de seguro-garantia de obra pública. Rescisão unilateral do contrato administrativo. Não impugnação da causa de pedir consistente em abandono da obra. Oposição ao pagamento da indenização assentada na ocorrência de improbidade administrativa na execução contratual e consistente em pagamentos a maior. Fato sem vínculo com o abandono da obra. Inexistência de questão prejudicial. Não aplicação da regra do art. 762 do Código Civil e da cláusula 7ª do contrato de seguro que exoneram o segurador em caso de ato doloso do tomador e do segurado" (TJSP, 4ª Câmara de Direito Público, Apelação n. 1009742-70.2016.8.26.0196, Rel. Des. Luis Fernando Camargo de Barros Vidal, j. em 10/04/2017).
19 Nesse sentido: "APELAÇÃO. DIREITO ADMINISTRATIVO. CONTRATO ADMINISTRATIVO. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. RESCISÃO UNILATERAL. ACIONAMENTO DO SEGURO-GARANTIA. ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA. NÃO CONFIGURADA.
[...] 3. A não comunicação à seguradora da existência de segundo aditivo contratual não é apta, por si, a gerar sua isenção de responsabilidade quanto à garantia contratada. Em que pese o teor das cláusulas da apólice firmada, o artigo 769 do CC dispõe que a comunicação torna-se uma exigência apenas quando houver incidente capaz de agravar consideravelmente o risco coberto, sendo necessário, ainda, comprovar que o segurado silenciou de má-fé, para que seja possível excluir o direito à garantia.
4. A jurisprudência do STJ posiciona-se firmemente no sentido de que o eventual agravamento de risco não comunicado previamente à seguradora, que não contribui para a eclosão do sinistro, não justifica a negativa de cobertura securitária.
5. No caso presente, não há qualquer comprovação de que o segurado atuou de má-fé ao não comunicar oficialmente à seguradora ré acerca do segundo aditivo contratual firmado. Ademais, tampouco há, no presente caso, qualquer comprovação de que o aditivo em questão tenha agravado consideravelmente o risco coberto.
6. Não se sustenta, tampouco, a negativa de cobertura em razão da não comunicação imediata dos atrasos ocorridos durante a execução do contrato. Não se pode afirmar seguramente que os atrasos verificados em 2014 teriam representado agravamento considerável do risco do contrato. Ademais, e sobretudo, não há qualquer comprovação de que o segurado atuou de má-fé ao não comunicar oficialmente à seguradora ré acerca dos atrasos da obra" (TRF-4, 12ª Turma, Apelação n. 50400788920164047000, Rel. Des. Gisele Lemke, j. em 17/07/2024).
20 Nesse sentido: "ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. PROCEDIMENTO COMUM. CONTRATO ADMINISTRATIVO. SEGURO GARANTIA. [...] Há precedentes desta Corte no sentido de que, quando não há conhecimento acerca do inadimplemento contratual por parte da Tomadora, a seguradora é impossibilitada de tomar providências para minorar as consequências, tanto para a segurada, como para a própria seguradora, trazendo prejuízos. Sabendo da inadimplência da Tomadora, a Seguradora poderia ter adotado os seguintes procedimentos: acompanhar os procedimentos de apuração das infrações contratuais cometidas pela Tomadora; realizar, por meio de terceiros, o objeto do contrato principal, e minorar as consequências do inadimplemento impugnado pela apelante" (TRF-4, 3ª Turma, Apelação n. 5002721-16.2023.4.04.7102, Rel. Des. Cândido Alfredo Silva Leal, j. em 26/03/2024).
21 "A seguradora disporá da alternativa de assumir a execução do contrato. Em tal hipótese, será dispensada de pagar a importância do seguro. Haverá a substituição compulsória da identidade do contratado, com a exclusão da pessoa do contratado original. A seguradora assumirá a posição jurídica a ele correspondente" (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratações administrativas. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. p. 1.270).

