Na gestão legal, chame o bom senso pra jogo
quarta-feira, 19 de novembro de 2025
Atualizado em 18 de novembro de 2025 12:17
Nos escritórios de advocacia, não faltam números, relatórios financeiros, indicadores de desempenho, políticas e contratos. Tudo isso pode até trazer alguma sensação de segurança aos sócios, mas existe um fator invisível que, muitas vezes, pesa mais do que qualquer cláusula ou planilha: o bom senso.
Na gestão, o bom senso não é "achismo". É a capacidade de interpretar o contexto, projetar consequências e equilibrar técnica com realidade. Sem ele, a decisão pode ser coerente com a regra escrita, mas inviável na prática, seja porque compromete a equipe, desgasta o cliente ou enfraquece a sociedade.
De onde vem o bom senso na gestão?
Ele não nasce de intuição pura, e sim do resultado de quatro elementos combinados:
- Experiência acumulada. Profissionais que passaram por crises, negociações difíceis ou reestruturações sabem que números contam apenas parte da história. O histórico de decisões vividas cria um repertório que orienta escolhas mais equilibradas no presente.
- Leitura do contexto humano. Planilhas não medem motivação, confiança ou esgotamento. O bom senso do gestor aparece quando ele consegue traduzir sinais sutis da equipe, clientes e sócios em decisões ajustadas à realidade das pessoas.
- Mentalidade crítica. O bom senso é fortalecido quando o gestor se recusa a aceitar soluções automáticas. Ele se pergunta: "isso resolve o problema ou só transfere o risco?", "essa decisão gera resultados sustentáveis ou apenas um alívio temporário?", "qual será o impacto sobre a cultura do escritório?".
- Equilíbrio entre regras e flexibilidade. Contratos, políticas internas e KPIs são importantes, mas não captam todos os cenários. O bom senso é a bússola que ajuda a aplicar regras sem perder de vista as exceções necessárias para manter a saúde do negócio.
Vejamos algumas situações concretas.
Quando só a planilha não resolve. Imagine um sócio que analisa o desempenho da equipe apenas pela tela do dashboard. Ele vê que uma advogada entregou menos petições no mês. O instinto imediato é pressionar, talvez até cortar um bônus. Mas, numa conversa rápida, ele descobre que essa profissional passou semanas concentrada em um caso estratégico, de altíssima complexidade, que exigiu horas de estudo. A planilha dizia "queda de produtividade". O bom senso dizia "trabalho de alto valor agregado".
A cláusula que pode virar tiro no pé. Outro exemplo: um cliente importante atrasa o pagamento. O contrato prevê multa automática e suspensão dos serviços. O advogado pode acionar a cláusula no mesmo dia, pois estaria amparado juridicamente. Mas bom senso pede pensar além: se esse cliente atravessa uma crise momentânea e o escritório endurece demais, a relação pode ruir. Cobrar a multa agora é certo no papel, mas pode custar milhões em negócios futuros.
O sócio que "produz menos". É comum ouvir nas sociedades: "fulano não produz como eu". Os números confirmam: um sócio fatura menos, outro carrega mais casos. A solução fria seria dividir resultados proporcionalmente. Mas quem olha só isso esquece o intangível: aquele sócio que "produz menos" pode ser justamente o que abre portas, garante a reputação da banca e traz estabilidade nos bastidores. Bom senso aqui é reconhecer que valor não se mede só em horas faturadas.
A tentação das modas. De tempos em tempos, surge a nova ferramenta que promete revolucionar o mercado jurídico. Muitos escritórios correm para adotar, gastam horas e recursos, mas depois descobrem que a novidade não dialoga com sua realidade. O bom senso ajuda a segurar o ímpeto: antes de aderir, vale perguntar se aquilo resolve um problema real do escritório ou só alimenta a ansiedade de "não ficar para trás".
O preço que não cabe no Excel. Honorários são sempre tema delicado. Há planilhas que mostram o custo, a margem e o lucro desejado. Mas alguns casos têm valor que não aparece no cálculo. Atuar em uma causa relevante pode trazer aprendizado, exposição e novos clientes. Um escritório que decide apenas pelo Excel pode recusar oportunidades estratégicas. O bom senso ajuda a calibrar o preço não apenas pelo presente, mas pelo futuro.
Entre visibilidade e credibilidade. No marketing jurídico, a tentação é grande. Publicar resultados, ostentar conquistas, apostar em postagens polêmicas para atrair curtidas. Tudo dentro das regras éticas, em tese. Mas o bom senso serve como régua invisível: essa exposição constrói ou destrói a credibilidade do escritório? Nem sempre mais visibilidade significa mais confiança.
Tecnologia com limite. Softwares organizam fluxos, controlam prazos, emitem relatórios. Mas acreditar que a tecnologia substitui análise humana é perigoso. O sistema pode indicar que um cliente não é rentável; o bom senso mostra que esse mesmo cliente abre portas para outros negócios. Tecnologia é ferramenta, não bússola moral.
Decisões que pedem pausa. Demissões, cortes e mudanças repentinas podem parecer solução diante da pressão. Mas toda decisão tem efeito em cadeia. Ao desligar um advogado por um erro pontual, o escritório pode perder anos de experiência acumulada. Ao cortar orçamento de marketing para reduzir custos imediatos, pode comprometer a prospecção futura. O bom senso ensina a parar antes de agir, projetar consequências e avaliar se a solução alivia ou realmente resolve.
Na advocacia, o gestor que exerce o bom senso adota uma mentalidade baseada em três pilares:
- Humildade de análise para entender que números e normas precisam de interpretação antes da decisão.
- Visão sistêmica para avaliar o escritório como organismo vivo, em que cada decisão financeira, estratégica ou de pessoal impacta as demais áreas.
- Responsabilidade de longo prazo para resistir ao imediatismo e decidir com foco em sustentabilidade da sociedade, e não em soluções rápidas.
Assim, na gestão de escritórios, o bom senso não é um talento inato. É uma competência que pode ser cultivada e refinada. Quanto mais o gestor exercita a leitura crítica da realidade, a ponderação de cenários e o cuidado com consequências de médio e longo prazo, mais sólido se torna o alicerce das decisões que mantêm a banca em equilíbrio. Advogados que exercitam o bom senso cultivam três hábitos de pensamento:
- Olhar o contexto para decidir considerando todas as variáveis, não apenas o fato isolado.
- Projetar consequências para pensar além da reação imediata.
- Equilibrar técnica e realidade para reconhecer que a lei e a planilha não captam toda a história.
Muitas decisões parecem óbvias quando vistas pela lente de números, contratos ou indicadores. Mas, na prática, é o bom senso que separa a escolha apressada da decisão realmente sustentável. Ele funciona como um filtro silencioso, que obriga o gestor a olhar além da planilha e considerar pessoas, clientes, sociedade e futuro do negócio. Um bom exercício é adotar perguntas de checagem antes de agir.
Checklist de bom senso na gestão da advocacia
1. Pessoas e equipe
- Essa decisão considera apenas números ou também o impacto humano?
- Estou avaliando o erro ou desempenho com base em fatos isolados ou no histórico completo do profissional?
- Essa medida fortalece ou enfraquece o engajamento da equipe?
- Estou equilibrando cobrança com apoio?
2. Clientes
- Essa ação resolve o problema imediato ou compromete o relacionamento de longo prazo?
- O impacto comercial foi avaliado além do aspecto jurídico?
- Estou aplicando o contrato de forma cega ou levando em conta o contexto do cliente?
- Essa decisão reforça a confiança do cliente no escritório?
3. Sociedade
- Estou olhando apenas a produção mensurável ou também o valor intangível que cada sócio traz (relacionamentos, reputação, abertura de portas)?
- Essa decisão preserva o equilíbrio da sociedade ou gera ressentimentos futuros?
- A solução privilegia o curto prazo ou protege a saúde da parceria no longo prazo?
- Estamos agindo de forma justa ou apenas "matemática"?
4. Estratégia e investimentos
- Esse gasto ou projeto resolve uma dor real do escritório ou apenas segue uma moda do mercado?
- Qual é a consequência de adotar essa medida em 6 meses, 1 ano e 3 anos?
- Estamos decidindo por pressão de urgência ou por clareza de prioridade?
- Esse investimento fortalece a cultura e a identidade do escritório ou apenas gera distração?
5. Finanças
- Esse corte reduz custo agora, mas cria um problema maior depois?
- Os honorários definidos para este cliente refletem apenas o custo ou também o valor estratégico que ele representa?
- Estou equilibrando liquidez imediata com sustentabilidade financeira futura?
- A decisão financeira está alinhada com a estratégia de crescimento do escritório?
Sendo assim, se a resposta a essas perguntas aponta para riscos de curto prazo, perda de confiança ou desequilíbrio interno, o gestor deve pausar e reavaliar. Bom senso é justamente essa capacidade de parar, refletir e ajustar antes de seguir no automático.
No dia a dia do escritório, a decisão mais segura nem sempre é a mais rápida, a mais barata ou a mais óbvia. É a que resiste ao tempo, preserva relações e mantém o escritório saudável.
Chamar o bom senso pra jogo significa assumir que a prática da advocacia não é feita apenas de normas e números, mas de escolhas humanas que equilibram razão e realidade. Quem ignora isso, corre o risco de vencer no papel e perder no campo.
No fim, é simples: quem decide apenas pela letra fria da planilha ou pela cláusula do contrato pode até estar certo, mas não será sábio. Na advocacia, não basta ter razão, é preciso ter critério. E é aí que o bom senso entra em campo como a peça que vence o jogo.

