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A possibilidade de perda da imunidade tributária pelas entidades religiosas

Taís Amorim de Andrade Piccinini

A situação tributária das entidades religiosas é uma das poucas áreas que permite - sem risco de infringência à liberdade religiosa - a intervenção do Estado por meio regulatório - polícia administrativa em sentido amplo.

quarta-feira, 1 de março de 2017

Atualizado às 12:55

Nossa Constituição concede às entidades religiosas o direito de não lhe serem cobrados impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços que sejam relacionados às finalidades essenciais das entidades.

 

Tal imunidade tem seu nascedouro na relação que um dia o Estado teve com a prática religiosa: houve um tempo - que esta autora denomina de 'fase estadista' - que cabia ao Estado a obrigação de promover a assistência espiritual aos cidadãos. Era a época em que não havia separação entre a igreja e o Estado.

 

No nosso país esta fase se deu até 1890, quando foi promulgado o Decreto 119A que reconheceu a personalidade jurídica das entidades religiosas, permitindo-se, assim, a constituição legal dos grupos religiosos até então informais e separando, por conseguinte, a igreja do Estado, dando a essas entidades autonomia para promoção da fé e vida espiritual.

 

Assim, ao transferir a um ente privado uma obrigação que outrora fora dele, o Estado, então, o eximia de pagar imposto. É o mesmo princípio que fundamenta a imunidade tributária das entidades de terceiro setor.

 

Além deste aspecto, a imunidade tributária também tem o intuito de proteger o direito fundamental às liberdades de crença e de culto religioso, conforme Art. 5º, VI da CF, evitando que o Estado reprima ou interfira no exercício de tal direito através dos impostos. Ou seja, é a aplicação da liberdade religiosa no âmbito tributário.

 

Neste sentido, ressaltamos a discussão sobre tal benefício, motivo que é de polêmica entre grupos diversos. Isso porque, a liberdade religiosa dá margem para uma prática eclesiástica que muitas vezes fica a mercê tão somente da idoneidade dos dirigentes da respectiva organização religiosa.

 

O fato é que, seja por má fé ou por falta de conhecimento, não raro temos visto igrejas envolvidas em escândalos, especialmente de ordem financeira, o que coloca em xeque a própria atuação ou intervenção do Estado junto às entidades religiosas e, por conseguinte, o limiar da liberdade religiosa que gozamos em nosso país.

 

Nesse sentido, ressalto que este talvez seja um dos aspectos da liberdade religiosa que o direito eclesiástico tenha mais facilidade em aplicar.  Isso porque, a situação tributária das entidades religiosas é uma das poucas áreas que permite - sem risco de infringência à liberdade religiosa - a intervenção do Estado por meio regulatório - polícia administrativa em sentido amplo.

 

Diante de manifestações da fé (cultos) que contrariem valores reunidos sob o título de moralidade pública, ou, ainda, diante de práticas abusivas pelos dirigentes das entidades, em desvio da finalidade da própria instituição, é incontestável a possibilidade de atuação e autuação pelo Estado em desfavor destas entidades.

 

Entendia-se que somente em situações de confronto com os direitos da coletividade de elevada posição, tais como, à segurança pública, seria possível a presença do Estado em caráter regulatório.

 

No entanto, é fato que o poder regulatório do Estado não mais se restringe à segurança pública do ponto de vista moral ou penal, mas, do mesmo modo, deve zelar e promover atos administrativos regulatórios caso haja desvio da finalidade destas entidades, com evidências de atuações deturpadas na esfera financeira, tais como enriquecimento ilícito de dirigentes, favorecimento indevido ou confusão patrimonial.

 

Ora, para reunir seus fiéis estas instituições podem construir patrimônio, receber doações (dízimos e ofertas), desenvolver atividades assistências e até praticar atividade econômica, desde que destine o excesso operacional à manutenção de suas finalidades essenciais.  A amplitude da liberdade religiosa permite tal situação. Ainda, neste compasso, temos a liberdade de estruturação administrativa, que permite que a organização interna das entidades, em todos os âmbitos, seja conduzida de forma livre, o que significa que o dirigente pode ter autonomia nas decisões.

 

Portanto, nas igrejas evangélicas, temos o pastor titular ou presidente com a responsabilidade de manter os padrões éticos, morais e legais da sua instituição, sob pena de se sujeitar ao poder regulatório e de sanção do Estado e sofrer as consequências legais de eventuais atos ilícitos, inclusive pessoalmente.

 

Neste aspecto, temos então que ainda que um direito constitucional, o benefício tributário às entidades religiosas poderá ser revogado, perdendo a entidade religiosa a imunidade, caso fiquem comprovadas práticas deturpadas na esfera financeira, tais como desvio da finalidade, enriquecimento ilícito de dirigentes, favorecimento indevido ou confusão patrimonial.

 

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*Taís Amorim de Andrade Piccinini é titular do escritório Amorim & Leão Advogados.

 

 

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