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Black Friday em perspectiva do varejo

Caio Lins

A série histórica já permite concluir que a Black Friday do Brasil é um sucesso incorporado ao hábito de consumo dos brasileiros.

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Atualizado em 22 de novembro de 2018 14:13

A Black Friday brasileira demonstra que tem surtido efeito a insistência do mercado em reparar a imagem da promoção perante as pesadas críticas feitas pelo consumidor, em edições passadas. É o que se nota no biênio 2016-2017 quando houve redução do índice de desconfiança, de 38% para 35%, e aumento de suas vendas de 18,75%. Estimativa do Ebit, do grupo Nielsen, indica em torno de R$ 2,47 bilhões em vendas em 2018.

A série histórica já permite concluir que a Black Friday do Brasil é um sucesso incorporado ao hábito de consumo dos brasileiros. Contudo, tal evolução do quadro geral das vendas, somada à expectativa de retomada de crescimento econômico em curto prazo no país, faz crer que a relação entre os fornecedores de produtos e os consumidores tenderá à judicialização dos conflitos, extrapolando os limites dos Procons. E muitas são as causas.

Ações promocionais de grande impacto no consumo, como a Black Friday, representam não apenas o retorno das tradicionais queixas dos consumidores, mas o aprofundamento de reclamações relativas à maquiagem de preços, propaganda enganosa e a utilização de técnicas artificiosas de vendas. Essas práticas frequentam, invariavelmente, os maiores rankings de reclamações dos órgãos de proteção ao consumidor.

Se com a chegada do evento uma série de recomendações profiláticas são sugeridas pela mídia aos consumidores, a evolução e consolidação das vendas no calendário anual desses também deve representar cuidados a serem tomados pelo varejo, destacadamente no tocante às mudanças na aplicação da legislação consumerista e do entendimento dos tribunais sobre a incidência da norma.

Isto é, se o varejista em condições típicas poderá negar a entrega do produto vendido ao cliente por valor muito abaixo do mercado, em hipótese inequívoca de defeito na oferta (erro grosseiro e escusável), na Black Friday é inoponível a arguição de falha operacional sistêmica para justificar a inexecução obrigacional de dar, baseando-se em preço vil. Essa disputa já tem rendido prejuízos claros nos tribunais estaduais, na incipiente jurisprudência que se forma com a chegada dos novos conflitos do evento.

Não é demais destacar que a evolução de tensão entre o mercado e a sociedade de consumo pode deflagrar ações civis públicas em defesa dos interesses coletivos, difusos e individuais homogêneos, com aptidão o bastante para aplicação de multa na ordem de dezenas de milhões de reais para aqueles que porventura não ajustem suas condutas, sem prejuízo do reconhecimento dos danos morais coletivos.

O que parece alarmismo barato se justifica com notícias de que, em 2017, o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) do Ministério da Justiça iniciou investigação de lojistas que elevam preços em períodos próximos da ação (prática da "metade do dobro"), que poderá render multas de quase R$ 10 milhões. Em outro exemplo mais restrito, o Ministério Público/RS promoveu ação civil pública e conquistou a condenação de importante loja de materiais esportivos que realizou maquiagem de preços nas vésperas da Black Friday, também em 2017. Exemplos de ações de tais espécies se multiplicam nos últimos anos, demonstrando a necessidade de melhor preparo das sociedades empresárias para o cumprimento de suas propostas.

Importante destaque é que a sanção pecuniária é apenas uma das possibilidades em relação ao cometimento de infrações às normas de defesa de consumidor. O rol do art. 56 da lei 8.078/90 faculta medidas cumuláveis mais enérgicas, como a suspensão do fornecimento do produto, a cassação da licença e/ou interdição do estabelecimento ou de sua atividade e, de modo mais gravoso, intervenção administrativa. Ainda do ponto de vista sancionatório, a aplicação de multa não concorre ao agente delituoso com as demais de natureza civil e penal, por simples imposição do caput daquela norma, o que impede a alegação de existência de bis in idem.

Dessa forma, ainda que representem, proporcionalmente, baixos índices de reclamações e problemas em relação ao volume dos negócios, é certo que o retorno do aumento de queixas do consumidor nos últimos dois anos - assim como o avanço de investigações e judicialização de demandas atinentes à Black Friday, contra as varejistas -, obrigam o mercado a tomar posições mais concretas para reduzir os efeitos negativos de uma má-gestão na cadeia interna de fornecimento.

A superação desses entraves de atendimento passa, por exemplo, pelo desenho de projetos específicos de logística para atender o evento promocional. Porque tal como acontece há anos no mercado americano, a capacidade de os lojistas darem inteiro cumprimento à oferta, o aumento de confiança (e de compra) do consumidor e, por tabela, o aumento de lucro no varejo, podem simplesmente ser alcançados com um rearranjo próprio de supply chain para a data especial. Uma estratégia simples e capaz, em si mesma, de fazer com que no Brasil o evento se torne menos uma "Black Fraud de Pindorama", mas mais uma "Black Friday à brasileira".

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*Caio Lins é advogado do Serur Advogados.

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