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A reforma trabalhista e a cura das mazelas sociais

Luciana Bezerra de Oliveira

A opinião pública, quando manipulada, é capaz de acreditar até que um tratamento milagroso é capaz de curar todo tipo de chaga e que a supressão de garantias trabalhistas pode sanar mazelas sociais como o desemprego.

terça-feira, 27 de novembro de 2018

Atualizado em 27 de setembro de 2019 17:47

Há pouco tempo, fomos invadidos com a notícia da cura do câncer. Com uma tecnologia barata e inteiramente nacional, alardeava-se o fim de todo e qualquer tipo de tumor maligno. Quem fosse mais cauteloso e considerasse improvável tal abordagem era imediatamente combatido pela opinião pública. Diziam tratar-se de um defensor das indústrias farmacêuticas ou um médico mercenário que só queria lucrar à custa da doença alheia. Muitas pessoas deixaram de se cuidar corretamente e ajuizaram ações para obter o tratamento antes que houvesse segurança quanto a sua eficácia. Hoje se sabe que não passou de uma esperança fugaz para uma resposta cuja eficácia jamais fora comprovada cientificamente.

Meses atrás, o noticiário foi invadido por outro "remédio" para uma das maiores mazelas sociais: o desemprego. A panaceia se chamava reforma trabalhista. Afirmava-se que todas as garantias dos trabalhadores seriam preservadas (ao mesmo tempo que, de forma incongruente, várias delas seriam suprimidas). Por outro lado, assegurava-se ao empregador a segurança jurídica para extinguir direitos sem o risco de se confrontar com as "artimanhas" da Justiça. A todos que se opunham, surgiam as velhas cantilenas dos "especialistas" (leia-se, porta-vozes dos grandes conglomerados industriais) repetindo, à exaustão, que a CLT era muito velha e não mais servia para regular esse nosso presente ou o nosso futuro - a era tecnológica.

A imprensa passou a apoiar a reforma. Chegou-se ao ponto de uma rede de televisão anunciar em seu principal noticiário que, com a medida, as horas extras seriam remuneraras com 50% e não mais com acréscimo de 25% (!), esquecendo-se que o percentual vigora há 30 anos, desde a edição da Constituição Federal de 1988.

No último dia 11 de novembro, a mudança legislativa completou um ano, e a segurança jurídica propagada não se tornou realidade. Os empregos prometidos não foram criados e nem surgiram magicamente. E o único efeito que pudemos constatar foi a diminuição na distribuição de ações - provavelmente momentânea, porque à medida que os profissionais de direito mais conhecem os vícios e nuances da reforma, melhor se preparam para escapar de suas armadilhas processuais.

Do ponto de vista dos direitos sociais, a reformulação trabalhista nos deixou mais próximos do final do século XIX e do começo do século XX do que do início do século XXI. Acreditar que limitar as conquistas da classe obreira pode trazer progresso, empregos e riqueza é desconhecer que apenas uma economia estável e próspera pode gerar riqueza. Trabalhadores mais pobres e mais explorados resultam em uma sociedade mais pobre, mais miserável, com menor consumo e mais infeliz. E não o oposto!

A opinião pública, quando manipulada, é capaz de acreditar até que um tratamento milagroso é capaz de curar todo tipo de chaga e que a supressão de garantias trabalhistas pode sanar mazelas sociais como o desemprego. Talvez porque a ansiedade em extirpar essas feridas seja maior do que a prudência com a cura oferecida. Mas com o tempo e mais conhecimento científico podemos constatar que a solução não pode ser pior do que a doença.

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*Luciana Bezerra de Oliveira é juíza titular da 57ª Vara do Trabalho de São Paulo - Tribunal do Regional do Trabalho da 2ª Região.

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