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Breve análise jurídica do caso Cesare Battisti à luz da decisão do STF

Leonardo Nemer Caldeira Brant e Luciana Diniz Durães Pereira

O caso Cesare Battisti, discutido e julgado recentemente pelo STF, envolveu, sobretudo, quatro interessantes debates jurídicos, os quais serão brevemente analisados pelo presente artigo: a questão de ser ou não Battisti refugiado, segundo os critérios estabelecidos para o reconhecimento do refúgio pela lei brasileira 9.474/97; a legalidade do ato do Ministro da Justiça, Tarso Genro, que, enquanto instância administrativa recursal cabível, deferiu o pedido de refúgio, mesmo tendo sido este anteriormente negado à Battisti pelo Comitê Nacional para Refugiados (CONARE), órgão do Poder Executivo competente para analisar os pedidos de refúgio no país; a possibilidade de, frente à negativa da condição de refugiado de Battisti, ser este extraditado para a Itália; e, por fim, se, mesmo com a extradição concedida pelo STF, a competência final para deferi-la seria do Presidente da República.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Atualizado em 3 de fevereiro de 2010 09:04


Breve análise jurídica do caso Cesare Battisti à luz da decisão do STF

Leonardo Nemer Caldeira Brant*

Luciana Diniz Durães Pereira*

O caso Cesare Battisti, discutido e julgado recentemente pelo STF, envolveu, sobretudo, quatro interessantes debates jurídicos, os quais serão brevemente analisados pelo presente artigo: a questão de ser ou não Battisti refugiado, segundo os critérios estabelecidos para o reconhecimento do refúgio pela lei brasileira 9.474/97 (clique aqui); a legalidade do ato do Ministro da Justiça, Tarso Genro, que, enquanto instância administrativa recursal cabível, deferiu o pedido de refúgio, mesmo tendo sido este anteriormente negado à Battisti pelo Comitê Nacional para Refugiados - CONARE, órgão do Poder Executivo competente para analisar os pedidos de refúgio no país; a possibilidade de, frente à negativa da condição de refugiado de Battisti, ser este extraditado para a Itália; e, por fim, se, mesmo com a extradição concedida pelo STF, a competência final para deferi-la seria do Presidente da República.

Para responder à polêmica indagação de ser ou não Battisti refugiado, deve-se, primeiramente, analisar qual é o significado jurídico do instituto do refúgio. Internacionalmente definido pelo artigo 1º, §1º (c) da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, e nacionalmente previsto no artigo 1º da lei 9.474 de 22 de julho de 1997, é refugiado todo indivíduo que for alvo de perseguição (ou ter fundado temor de sê-lo), em virtude de sua raça, nacionalidade, religião, opinião política, vinculação a um determinado grupo social ou devido à graves violações de direitos humanos (ampliação do conceito clássico de refugiado) e que, em decorrência desta perseguição ou deste temor, viu-se obrigado a transpor uma fronteira internacionalmente reconhecida para pedir proteção em outro país que não o seu de origem.

Neste sentido, percebe-se que os critérios que possibilitam a aplicação do instituto do refúgio a um indivíduo são objetivos, claros, previamente estabelecidos e, logo, rígidos e taxativos. Além disso, para que o reconhecimento da condição de refugiado aconteça, o solicitante não poderá enquadrar-se em nenhuma das chamadas cláusulas de cessação ou de exclusão do refúgio, sob pena de ter o seu pedido negado. No caso Battisti, foi justamente isso que aconteceu. O CONARE entendeu que o refúgio não era cabível, indeferindo-o, sob dois argumentos: o não reconhecimento da situação de 'perseguição' por parte da Itália a Cesare e a constatação de que a ele aplica-se uma das cláusulas de exclusão do reconhecimento do refúgio que é ser o solicitante autor de crime hediondo - comum e não político - (artigo 3º, III da lei 9.474/97) em seu país de origem ou em qualquer outro lugar do mundo, atos comprovadamente praticados por Battisti na década de 1970. Sabiamente, e do mesmo modo, entendeu o STF.

Como órgão do Poder Executivo, uma vez que é vinculado ao organograma do Ministério da Justiça, o CONARE possui, por força do artigo 29 da lei 9.474/97, o Ministro da Justiça como instância recursal em casos de negativa de um pedido de refúgio. Ainda, segundo o artigo 31 da supracitada lei, a decisão do Ministro não será passível de recurso, ou seja, configura-se como a última e definitiva instância administrativa a analisar um pedido desta natureza. No caso Battisti, o STF entendeu como constitucional a dinâmica recursal imposta pela legislação brasileira, bem como a competência do CONARE para avaliar os pedidos de refúgio, mesmo sendo este um órgão não-jurisdicional. Nota-se, então, que esta questão tornou-se controversa, chamando grande atenção da mídia nacional, mais pelo conteúdo político nela envolvido, isto é, a decisão do então Ministro de Justiça, Tarso Genro, em reformar o entendimento do CONARE e reconhecer o refúgio, do que propriamente por seu debate jurídico, agora encerrado pelo Supremo.

Vencidos tais questionamentos, a questão da extradição de Battisti para a Itália foi julgada. Entendeu o STF que sim, é cabível a extradição. Uma vez que não reconheceu o refúgio a Battisti, afastou a aplicação do artigo 33 da lei 9.474/97 que diz ser o reconhecimento da condição de refugiado impeditivo do pedido de extradição e sua posterior análise pelo Judiciário brasileiro. Ainda, por não ter reconhecido a Battisti a condição de criminoso político, e embasando-se no tratado bilateral de extradição assinado e ratificado pelo Brasil e pela Itália e, igualmente, nos artigos 76 a 91 da lei 6.815, de 19 de agosto de 1980 (clique aqui), a extradição foi deferida. Dentro da promessa de reciprocidade existente entre os países envolvidos, e, especialmente, por força do já citado artigo 91, a pena a ser cumprida por Battisti na Itália não poderá ser perpétua nem de morte.

Finalmente, respondeu o Supremo sobre o questionamento levantado sobre de quem seria a competência final para determinar propriamente a extradição, isto é, se o próprio STF ou se o chefe do Poder Executivo, o Presidente da República. Por 5 votos a 4, decidiu a Corte Constitucional que a ela cabe apenas a análise do pedido de extradição e a conseqüente autorização ou não do mesmo, restando ao Presidente o ato final, a última e efetiva palavra sobre o pedido. A tese vencedora, liderada pelo Ministro Marco Aurélio Mello, baseou-se nos artigos 21 e 84 da CF/88 (clique aqui) que dispões sobre as competências exclusivas da União e do Presidente da República, respectivamente. Em contraposição, os Ministros Gilmar Mendes e Peluso, votos vencidos, destacaram que o histórico das jurisprudências do STF não consagra a idéia de ser o Chefe do Executivo o último a se manifestar sobre a extradição, demonstrando o perigo de se criar tal precedente. Ainda, que o tratado bilateral Brasil/Itália veda tal entendimento e, caso fosse este aprovado (como foi) que o Brasil estaria descumprindo um compromisso internacional previamente assumido com a Itália, ou seja, que o país estaria cometendo um ilícito internacional, passível de responsabilização.

Como Battisti permanece no Brasil e a Presidência da República ainda não se manifestou a respeito, a solução cabal do caso ainda está em suspenso. Caso haja o endosso da extradição pelo Presidente, o debate estará encerrado. Todavia, caso este não acompanhe o entendimento do Supremo e mantenha Battisti no Brasil, uma dúvida fundamental, levantada pelo Ministro Peluso, ainda deverá ser esclarecida, e de forma inédita, pelo Judiciário e juristas brasileiros: "...se o Presidente da República se recusa a cumprir, quem revogará a prisão do extraditando, se ela é a conseqüência da procedência da ação?"

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*Advogados do escritório Nemer Caldeira Brant Advogados

 

 

 

 

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