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A indevida responsabilização dos usuários de planos de saúde

Paulo Cassio Nicolellis

Decisões recentes da Justiça Paulista têm assombrado consumidores que se utilizaram de planos de saúde gerenciados por Operadoras e Seguradoras, hoje falidas.

terça-feira, 2 de março de 2010

Atualizado em 1 de março de 2010 15:24


A indevida responsabilização dos usuários de planos de saúde

Paulo Cassio Nicolellis*

Decisões recentes da Justiça Paulista têm assombrado consumidores que se utilizaram de planos de saúde gerenciados por Operadoras e Seguradoras, hoje falidas.

Com efeito, hospitais e outras entidades de saúde têm acionado o cidadão comum, pretendendo o ressarcimento de procedimentos médicos realizados em suas dependências e não pagos por Seguradora e/ou Operadoras quebradas.

A questão, que parece de solução óbvia, tem angustiado sobremaneira pacientes idosos que ao longo dos anos cumpriram religiosamente com suas obrigações, pagaram as prestações em dia e sempre se submeteram a procedimentos cobertos pelos convênios.

Seria evidente concluir que o usuário desse tipo de serviço, verdadeiro consumidor, não poderia ser obrigado a suportar os riscos da atividade produtiva do hospital e do plano de saúde porquanto resta evidente que ambos visam e obtêm lucro com essa operação.

Todavia, não é isso que tem acontecido.

Antigos pacientes de hospitais têm sido volta e meia cobrados judicialmente por despesas decorrentes de sua internação, sob a risível alegação de que o plano de saúde faliu o que impossibilita ou dificulta a recuperação, pela entidade médica, dos valores despendidos.

Mesmo se tratando de tratamento coberto e jamais impugnado por quem quer que seja, realizado antes da quebra do convênio, ainda que a guia tenha sido expedida pela própria Operadora autorizando os procedimentos médicos e aceita sem ressalvas pelo Hospital, é certo que algumas decisões têm responsabilizado os consumidores pelas despesas havidas.

Os precedentes perigosos que vêm sendo criados contra os usuários de planos de saúde, na sua maioria idosos, que com parcos rendimentos advindos da aposentadoria pagaram sempre em dia o plano de saúde, assustam porque obrigam o paciente a "torcer para a operadora não quebrar", como se este tivesse alguma ingerência sobre a má administração dessa entidade ou tivesse discernimento suficiente na ora de contratar para escolher esta ou aquela operadora com menores chances de falir ou, enfim, como se tivesse bola de cristal para saber o trágico destino que espreita o convênio.

Pior do que isso, ao liberar o hospital de buscar seu reembolso na liquidação extrajudicial da operadora, como seria de rigor e, ao legitimar a cobrança do tratamento em face do cidadão comum, o Judiciário tem invertido os papéis na relação consumidor/fornecedor: a parte mais fraca - o paciente - para se ressarcir, se vê obrigado a habilitar-se como "credor" num processo falimentar confuso, o que evidentemente torna seu prejuízo irreparável, quiçá eternizado.

O fundamento mais razoável oferecido pelos hospitais visando corroborar essa malfadada cobrança diz respeito ao Termo de Responsabilidade assinado na maioria das vezes pelo paciente e/ou seu responsável legal.

A par da discutível legitimidade do aludido Termo - quase sempre obtido ao arrepio da lei por se tratar de verdadeiro "contrato de adesão" firmado às pressas pelo doente e/ou seu cônjuge ou parente mais próximo que, em razão das circunstâncias daquele momento infeliz, não pode discutir ou analisar seu conteúdo - é inegável que o mesmo se mostra em absoluto descompasso com o sistema de proteção previsto no CDC (clique aqui) e desafia, à toda evidência, o princípio que reconhece a vulnerabilidade do consumidor no mercado nacional (artigo 4º inciso I do CDC).

Ademais, firmado em hora tão delicada, não é exagerado afirmar-se que, no mais das vezes, o Termo vem desacompanhado do legítimo consentimento do paciente ou de seu responsável já que este último atravessa verdadeiro estado de perigo e firma, sem intenção ou desprovido da lucidez necessária, obrigação excessivamente onerosa, o que a toda evidência vicia irremediavelmente a manifestação da vontade, nos termos do artigo 156 e artigo 171, II, ambos do Código Civil (clique aqui).

É evidente que esse documento, no mais das vezes, tem como finalidade única impor ao paciente responsabilização por tratamento e/ou despesas não cobertas pelo plano de saúde o que, por si só, tem gerado inúmeras controvérsias no meio jurídico, discutidas em não poucas demandas judiciais.

O que dizer então da imposição de uma obrigação decorrente única e exclusivamente da falência da Operadora e/ou Seguradora de planos de saúde!

O abuso, nesse particular, salta aos olhos.

É possível e razoável afirmar-se que despesas não cobertas englobariam a falência do Plano de Saúde?

É mais do que evidente que obrigação imposta no Termo assinado pelo paciente e/ou seu responsável não pode se estender à QUEBRA da operadora, sob pena do paciente responder indevidamente pelos riscos do negócio do hospital.

Ademais e, principalmente, em se tratando de relação de consumo típica, incidem as disposições do Código de Defesa do Consumidor. Este, em seu artigo 51, assinala a nulidade de pleno direito das cláusulas consideradas abusivas.

E existirá maior abuso do que o paciente se tornar responsável pela quebra da operadora?

Existirá maior inversão de valores do que aquela que permite ao hospital cobrar os valores do paciente, ficando este último obrigado a se habilitar numa complexa liquidação extrajudicial para se ressarcir desse pagamento sabe-se lá quando, provavelmente nunca?

O Termo de responsabilidade, nessa esdrúxula situação, onera demasiadamente o consumidor transformando-o em principal e solidário pagador de uma dívida que não é sua, uma vez que não pode responder pela quebra da operadora.

Aceitar sua validade, importa desconsiderar todo o sistema de proteção estabelecido pela legislação consumerista, colocando o consumidor em situação extremamente desvantajosa perante o fornecedor, incompatível com a boa-fé e a equidade que deve nortear esse tipo de negócio (c.f art. 51, incisos IV, XV, e parágrafo 1º, III do CDC ) transferindo ao cidadão comum, abusivamente, os riscos de um negócio que não é seu.

Enfim, acolher pretensão tão espúria das entidades de saúde significa criar um precedente perigoso contra os milhares de consumidores que hoje em dia se utilizam de um plano de saúde já que o Poder Público é reconhecidamente incapaz de fazer sua parte e oferecer serviços que atendam minimamente as necessidades da população.

Mais do que isso, como dito linhas atrás, essa situação expõe uma abominável inversão de valores: o consumidor se vê obrigado a responder pela quebra da Operadora enquanto as entidades de saúde que tem como atividade principal o fornecimento de serviços médicos e lucram muito com isso, obtém um verdadeiro salvo conduto!

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*Advogado em São Paulo





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