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Alteração da CLT - Necessidade de depósito recursal para interposição de Agravo de Instrumento - Ofensa ao devido processo legal substantivo

Elisa Tavares

O projeto de lei referenciado trata de alteração da CLT, mais especificamente o seu sistema recursal. Com efeito, com a reforma legislativa, o Agravo de Instrumento passará a ser condicionado a um depósito recursal de 50%, correspondente ao recurso que teve denegado seu prosseguimento.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Atualizado em 24 de junho de 2010 09:45


Alteração da CLT - Necessidade de depósito recursal para interposição de Agravo de Instrumento - Ofensa ao devido processo legal substantivo

Elisa Augusta de Souza Tavares*

Na segunda-feira 14/6, o presidente do Senado Federal, Senador José Sarney, encaminhou para sanção do Presidente da República o PLC 46/2010 (clique aqui), já aprovado pelas duas casas do Congresso Nacional.

O projeto de lei referenciado trata de alteração da CLT (clique aqui), mais especificamente o seu sistema recursal. Com efeito, com a reforma legislativa, o Agravo de Instrumento passará a ser condicionado a um depósito recursal de 50%, correspondente ao recurso que teve denegado seu prosseguimento.

A mens legis, segundo um de seus defensores e autor da minuta de alteração à CLT, o Ministro e atual Presidente do TST, Ministro Moura França, é impedir o uso abusivo dessa modalidade de recurso, cujo expediente com fins meramente procrastinatórios retarda o pagamento de direitos trabalhistas, ademais de abarrotar as Cortes Superiores.

O Agravo de Instrumento é recurso previsto no art. 897 b da CLT e, ao contrário do Processo Civil, cuja finalidade é o desafio a decisões interlocutórias, na seara laboral tem por escopo destrancar recurso com seguimento denegado pelo juízo de admissibilidade a quo.

Com todas as vênias a respeitáveis entendimentos contrários, pensamos que referido projeto de lei padece de vício de inconstitucionalidade material, por ofensa ao devido processo legal substantivo, que firma residência no art. 5º, LIV da Carta Republicana.

O princípio em apreço é de suma importância ao Estado Democrático de Direito, se tratando não apenas de princípio fundamental, como também, no dizer de autores como Dinamarco e Nelson Nery, princípio sobre que se assentam todos os outros, como o da Isonomia, Duplo grau de jurisdição, proibição da prova ilícita e necessidade de fundamentação das decisões judiciais.

Refere-se à proteção a bens jurídicos da liberdade e propriedade e é dividido em adjetivo ou procedimental e substantivo. Por devido processo legal adjetivo entende-se o respeito ao procedimento previsto; o devido processo legal substantivo, por sua vez, concerne ao direito material do cidadão, inibindo que lei em sentido genérico ou ato administrativo ofendam seus direitos, como a vida, a liberdade e a propriedade, entre outros destes derivados ou inseridos na Constituição (clique aqui).

O ato legislativo deve ser pautado no princípio da proporcionalidade ou proibição do excesso, que trata do emprego de meios razoáveis para o alcance de sua finalidade, não impondo limitações desproporcionais à liberdade e à propriedade, dentre outros direitos.

Cediço que a alteração objeto do presente artigo ofende ao devido processo legal substantivo, eis que impõe gravame ao direito de recorrer pela salvaguarda da propriedade, sob o pressuposto de a insistência, através do recurso de AI, a que a impugnação da parte seja devolvida ao tribunal, constitui, no mais das vezes, ato protelatório.

Com as destacadas vênias já citadas no presente artigo, certo é que não podemos ousar de divergir de tal fundamento, sob pena de mácula ao princípio da ampla defesa e todos os seus correlatos, cujo cerne consiste no postulado democrático que para que alguém sofra gravame à propriedade ou à liberdade, em vista de condenação judicial, deverá ter assegurado todos os meios de defesa e recursos a ele inerentes, o que está umbilicalmente ligado ao devido processo legal.

Ademais, não esqueçamos que o ordenamento processual civil possui medidas processuais hábeis a serem utilizadas pelo Magistrado com vistas a punir o proceder meramente procrastinatório por parte de qualquer das partes, é o que se verifica nos arts. 18; 538, parágrafo único; 557, parágrafo segundo, dentre outros, todos do Código Buzaid e que se aplicam à seara trabalhista.

De par com isso, poderá o Julgador, em verificando o caráter protelatório de qualquer das partes, conceder tutela antecipada, com base em texto expresso do art. 273, II do mesmo Estatuto.

O ordenamento jurídico possui vasto estuário normativo a serem utilizados pelos Juízes como mecanismos legais hábeis a punir a parte que atentar contra a lealdade e a boa fé processual, através de medidas procrastinatórias do feito, não se justificando a criação de entraves ao direito efetivo direito de resistência à pretensão que lhes é imposta em Juízo.

Inarredável a necessidade de abandonar a ideia de que o processo pertence ao autor. A tutela jurisdicional efetiva consiste no direito à utilização das técnicas processuais disponíveis no ordenamento com o escopo de ter assegurados não apenas o direito fundamental de ação, como também o igualmente fundamental direito de defesa.

O desrespeito ao devido processo legal fere a não mais poder princípios outros que asseguram a paridade de armas processuais, sendo de se destacar que a Constituição cidadã se destaca pelo equilíbrio com que assegura direitos fundamentais aos diferentes pólos das relações, é o que se constata pelos fundamentos republicanos estarem assentados, dentre outros valores fundamentais ao Estado Democrático de Direito, no valor social do trabalho e na livre iniciativa.

Aniquilar a livre iniciativa sob o pretexto da valorização do trabalho, trata, em última análise, de gravame a toda a sociedade, eis que asfixiar a fonte produtora impede a circulação de riquezas, que é garantidora dos postos de trabalho e, portanto, real cumpridora de seu valor.

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*Advogada associada do Sevilha, Andrade, Arruda Advogados e coordenadora da área trabalhista consultiva e contenciosa

 

 

 

 

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