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Breves notas sobre o julgamento do STF na ADIN 3273

Gustavo Adolfo Hasselmann

Assistimos estarrecidos, estupefatos e inermes a mais uma nefanda e deletéria investida do voraz e avassalador capitalismo neoliberal globalizante.

segunda-feira, 4 de abril de 2005

Atualizado em 1 de abril de 2005 15:05


Breves notas sobre o julgamento do STF na ADIN 3273 e correlata, impugnando a famigerada Lei do Petróleo

Gustavo Adolfo Hasselmann*

Assistimos estarrecidos, estupefatos e inermes a mais uma nefanda e deletéria investida do voraz e avassalador capitalismo neoliberal globalizante.

Após erudita, lúcida e percuciente liminar deferida pelo insigne Ministro Carlos Ayres de Brito, relator do feito, na ADIN em epígrafe - jurisconsulto de escol, sensível poeta e sempre afeito aos problemas da Nação - sobrestando a realização de leilão, com esteio na Lei 9478/97, em data próxima, cuja esmagadora vitória no certame foi, se não na totalidade dos lotes, para a felicidade do povo brasileiro, da nossa respeitável e eficiente Petrobrás, sobreveio a impetração de segurança pelo Presidente da República, cujo desfecho, em sede liminar, foi a cassação da bem posta e consistente cautelar na mencionada ADIN. O fundamento nuclear na liminar deferida pelo Ministro Nelson Jobim no writ, com o qual, permissa vênia, não compactuamos, foi a ausência de periculum in mora, uma vez que a a citada Lei data de 1997, padecendo, nesse passo, a tutela cautelar na ADIN dos requisitos da urgência e do perigo de dano irreparável ou de difícil reparação. Com a devida vênia do ilustre Ministro do STF, é cediço que o Magistrado, dentro do poder geral de cautela que lhe é conferido por lei, pode a qualquer tempo, à vista principalmente de fatos novos, rever o pedido liminar, concedendo-o ou cassando a medida deferida, sendo, portanto, dito provimento jurisdicional, rebus sic stantibus. Os leilões mencionados estavam, por ocasião da cautelar deferida pelo emérito Relator da ADIN, na iminência de acontecer e, em assim sendo, na hipótese v.g., de vitória de empresa estrangeira, vindo posteriormente a malsinada Lei a ser julgada inconstitucional, os adjudicantes e contratantes de lotes iriam, seguramente, brandir e esgrimir com a tese da intangibilidade do direito adquirido e do ato jurídico, sedimentada e amplamente consagrada no STF. Não conseguimos divisar razão para um colega cassar decisão sobejamente fundamentada de outro ilustre membro da Corte, em assunto tão relevante para os destinos da Nação, máxime, e aqui vai outro argumento adicional em contradita á liminar no Mandado de segurança referido, num momento em que o próprio STF vem, reiteradas vezes, perfilhando o entendimento, em interpretação razoável e elástica do seu Regimento Interno, de que as liminares em ADIN podem ser concedidas não só nas hipóteses de recesso, como assim em situações de urgência, presente os requisito do perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, como sói acontecer no presente caso, devendo ser submetida, posteriormente, ao plenário. Mas deixemos de lado essa discussão e passemos á análise do trágico desfecho do processo objetivo sob comento.

Adveio, em assentada recentíssima, o julgamento de mérito da ação, principiando com lapidar e magistral voto proferido pelo eminente Ministro Marco Aurélio, em que enfrentados pontos nucleares e substanciais, como o atentado à soberania nacional e ao interesse público, perpetrado pelo artigo 26 da referida Lei, ao permitir a transferência substancial das jazidas para o particular explorador, pessoa jurídica nacional ou estrangeira. Ademais, o douto Ministro fez brilhante distinção entre bens dominicais e bens afetados a uma finalidade pública, estes últimos inalienáveis, como sói acontecer com o petróleo e o gás natural, pena de se fulminar por completo o já mitigado monopólio do Petróleo, proveniente da EC 9, de 1995, alterando o art. 177 da CF (é bem verdade que o Ministro Marco Aurélio, conquanto verberasse a transferência da propriedade das jazidas para o particular contratado, não afirmou, em seu voto, a quebra do monopólio da União). De outra parte, o Ministro pugnou pela constitucionalidade do dispositivo que criou a Agência Nacional do Petróleo.

O Ministro Eros Grau pediu vista do processo e, ao depois, na manifestação de seu voto, respeitável e fundamentado ( nada de estranho tratando-se de um emérito professor de Direito Econômico), malgrado com ele não concordarmos, pontificou a constitucionalidade de malsinada Lei, no que foi seguido pelos demais Ministros da Corte, á exceção de Joaquim Barbosa, que contrapôs-se apenas de referência a um artigo da lei, a saber, aquele que admite a aprovação tácita em caso de omissão do Poder Público, no prazo de 180 dias, quanto á apreciação de proposta de exploração dos recursos naturais encaminhadas pelo particular contratado.

Cabe, ainda, algumas referências a interessantes passagens das discussões dos Ministros em meio aos votos que vinham sendo proferidos. O Ministro Carlos Ayres, em contradita ao voto do Ministro Eros, pilheriou ao dizer, parafraseando este último, que ao não se poder interpretar a CF em tiras, como dito pelo Ministro Eros, estar-se-ia espedaçando o seu voto, dele Carlos Ayres. Porfiou, nesse átimo, o ilustre Ministro que os bens da União, conforme dicção do art. 20 da Carta Política, dentre eles os recursos minerais, inclusive do subsolo, aí se incluindo o petróleo e gás natural, ora sob análise, são mais bens do povo ou da Nação do que propriamente do ente federativo União, no que foi aparteado ironicamente pelo Ministro Nelson Jobim (ilustre jurista e tribuno, mas que se deu ao desplante, permissa vênia, de atravessar as ruas do planalto e se dirigir à Câmaras dos Deputados para ensinar ao Severino Trapalhão como legislar em causa própria no aumento dos seus próprios subsídios, com reflexo, evidentemente, nos dos membros da Excelsa Corte). Pregava o ilustre Ministro Carlos Ayres a defesa do patrimônio nacional (o pouco que ainda resta tendo em vista as irresponsáveis privatizações perpetradas pelo governo FHC), tratando-se de recursos estratégicos e não renováveis, escassos e que muitas guerras têm gerado no orbe. Deixou de lado uma visão formalista e dogmática do direito, em particular do Direito Constitucional (como a encampada pelo ilustre, honrado, competente e sempre lúcido e prudente Ministro Carlos Veloso, que nesse caso, em voto não muito refletido, data vênia, entendeu que ao se retirar a proibição, na redação originária do art. 177 da CF, de apropriação e exploração dos recursos pelo particular, em existindo permissão no artigo 176, estaria deferido, no que concerne ao petróleo e gás natural, o domínio de tão estratégicos recursos naturais pelo particular), aferrou - se a uma exegese finalística, valorativa, propositiva e realista da Carta da República (neste último caso, conforme posição defendida, em sentido contrário, pelo Ministro Eros, que afirmou não poder-se divorciar o direito da realidade, muito menos o Direito Constitucional).

Já o emérito e decano Ministro Sepúlveda Pertence, lamentando a onda neoliberal que vem de há muito mutilando e desfigurando o Texto Maior no capítulo da Ordem Econômica, paradoxalmente, ao invés de pôr cobro a esses tentames, quase todos infelizmente concretizados, posicionou-se no sentido de julgar improcedente as ações.

É lamentável que esse histórico julgamento tenha transcorrido da forma que transcorreu, chancelando uma Lei que malfere a soberania nacional e o interesse público, ao transferir a propriedade de recurso escasso e estratégico, assim mundialmente considerado, com os consectários daí decorrentes (quem tem a propriedade tem poder de decisão, que seguramente inclinar-se - á para o atendimento de interesses particulares, inclusive de empresas estrangeiras, o que é pior, malgrado algumas amarras e limites impostos na malfadada Lei e na própria CF (art. 177, § 2º e incisos). Com efeito, perdeu a Suprema Corte a oportunidade de coibir farpeamentos ostensivos e flagrantes a princípios e fundamentos cardeais encartados na CF, como a soberania nacional e o monopólio mitigado do petróleo (art. 1º, I e art 177, dentre outros, inclusive, por via reflexa, os direitos ditos de segunda e terceira gerações). Ademais, deixa grande margem de arbítrio aos operadores do direito, advogados das empresas petrolíferas, agentes públicos desavisados etc, que podem flexibilizar ainda mais o monopólio mitigado do art. 177, se é que agora ainda se pode falar de monopólio.

Com a queda do socialismo real e enfraquecimento do Estado social, a doutrina neoliberal globalizante reina sobranceira, destruindo e estiolando os países periféricos, pobres e em desenvolvimento. Não podemos importar cegamente modelos que agora podem estar dando certo nos países desenvolvidos, como privatizações desmedidas, temerárias e irresponsáveis; PPPs, que desfiguram conquistas históricas da Nação brasileira, como a Lei de Licitações 8666/93 e a Lei de Concessões de Serviços Públicos; e, agora, o monopólio mitigado, ou não monopólio, do petróleo e gás natural. Nesses países - nos quais, em forte medida houve o Estado Social, com a execução, ao longo de anos de inúmeras políticas e prestações públicas, e em que, do ponto de vista cultural, a democracia, a probidade e o sério controle dos poderes públicos e econômicos em níveis diversificados é operante e eficaz -, ainda se pode cogitar de medidas desse jaez, apesar de que, no quem tange ao petróleo, conforme assinalado no voto do Ministro Marco Aurélio trazendo a colação a experiência americana, desconfiamos que isso possa ocorrer, ao menos da forma como abonada pelo STF no julgamento em tela. Aqui, malgrado a nossa CF tenha um perfil social - democrata, prestigiando os direitos individuais e sociais (dentre eles os difusos, coletivos e individuais homogêneos), as normas e princípios que os veiculam, a maioria delas, pelo menos no que atina aos direitos de segunda e terceira geração, não têm efetividade ou eficácia semântica, como ensina Tercio Sampaio Ferraz Junior, em seu livro Introdução ao Estudo do Direito.

Fomos e ainda somos, com muito orgulho, advogados de empresas privadas. Pugnamos pela defesa de interesses legítimos dessas empresas, sendo certo que estamos cônscios (malgrado a capacidade inventiva do ser humano) que o capitalismo e o Estado Democrático de Direito jamais, ou dificilmente, serão (aqui fazemos um exercício de futurologia calcado na realidade dos fatos e da história) erradicados da humanidade, mas devem sofrer os contemperamentos e limitações do Estado Social, convertendo-se, efetivamente, num Estado Social Democrático de Direito.

Não fazemos coro com os competentes colegas e advogados migalheiros, integrantes de portentosos escritórios de advocacia que patrocinam legitimamente interesses de empresas petrolíferas, muitas delas multinacionais, para quem dita lei representa um grande avanço para o País. Com a máxima vênia, não somos a favor de um crescimento econômico atabalhoado e vertiginoso, assentado simplesmente no binômio "juros altos e controle do superávit primário", mas sim no desenvolvimento sustentado que atenda, sobretudo, os fundamentos da Republica, inscritos nos arts 1º e 3º da CF, bem assim os direitos e garantias individuais, aliados aos direitos sociais. Essa Lei, bona vênia, definitivamente, não se harmoniza com esse ideário.; de revés, serve para debilitar, estiolar e quebrantar o Estado Social, como tem sido a tônica dos dois últimos governos. Fazemos coro com o ilustre jurista Jayme Vita Roso, que traz à colação o não menos ilustre Fábio Konder Comparato, no artigo publicado no Migalhas 1.134, ao condenar a abominável decisão da Suprema Corte nas ADINs em referência.

Chamamos atenção para um outro aspecto negativo, constitucionalizado pelo STF, da Lei do Petróleo: a discussão quanto a capacidade da Agência Nacional, por ela criada, regular e fiscalizar dito setor, isoladamente e á margem do Poder central. Essa é uma questão muito polêmica, na medida em que se discute acerbamente, no Parlamento, no Executivo e no Judiciário, sem resultados concretos e definitivos do ponto de vista científico, o tema dos marcos regulatórios e os limites do poder das agências, com opiniões as mais variadas possíveis, nos aspectos sociais, políticos, econômicos e jurídicos, grande parte delas temerosos com tal outorga de poderes.. Pensamos nós, modestamente, que a regulação do setor petrolífero não deve aportar , em aspectos nucleares e relativos á soberania nacioanal, na citada agência. Há setores, como a segurança pública, a diplomacia , a justiça, a arrecadação tributária etc que devem ser disciplinados e executados com exclusividade pelo Estado, Administração direta. Outros, como o petrolífero, de índole econômica, mas com matizes políticas e sociais proeminentes, não podem ficar, em muitos aspectos (por exemplo controle de importação e exportação) sob o domínio direto de uma agência reguladora.

Atentem V.Sas para uma realidade delicada e preocupante: outrora tomaram o nosso ouro; agora o petróleo; e, futuramente, quiçá, a água, recurso indispensável á sobrevivência do planeta e do homem, cujos mananciais aproveitáveis pertencem em significativa percentagem ao Brasil, sem olvidarmos a bio - diversidade da amazônia, lugar para o qual os holofotes dos EUA estão inteiramente voltados. Não advogamos o vetusto adágio político e popular de que " o petróleo é nosso", sobretudo em se tratando de um mundo globalizado". Apenas alertamos para alguns aspectos extremamente negativos da globalização, que se consubstancia, ao mais das vezes, em uma via de mão única: tudo para eles os países desenvolvidos; nada ou quase nada para os outros, dentre eles o Brasil (os pobres ou em desenvolvimento).

Queira Deus que não venhamos a nos arrepender quando aflorarem as conseqüências deletérias da constitucionalização dessa malfadada Lei, cabendo aos operadores do direito, sobretudo ao Judiciário, na sua aplicação, fazê-la conforme a Constituição, nos moldes que ora propomos, mitigando os desvios e excessos encontradiços no julgamento das ações em comento.
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*Procurador do município do Salvador - BA e advogado militante





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