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Dos efeitos da decadência à luz do Código de Defesa do Consumidor

Bruno Boris e Lina Nishime

Os institutos de prescrição e decadência são considerados causas extintivas, baseadas na inércia do titular do direito subjetivo por um determinado período, entretanto, como se sabe, representam institutos jurídicos distintos com conseqüências jurídicas próprias.

quarta-feira, 6 de abril de 2005

Atualizado em 5 de abril de 2005 11:03


Dos efeitos da decadência à luz do Código de Defesa do Consumidor

Bruno Boris*

Lina Nishime**


1. Distinção da prescrição e decadência segundo a teoria civilista

Os institutos de prescrição e decadência são considerados causas extintivas, baseadas na inércia do titular do direito subjetivo por um determinado período, entretanto, como se sabe, representam institutos jurídicos distintos com conseqüências jurídicas próprias.

A prescrição relaciona-se à inércia do titular no tocante ao exercício da ação, atingindo por via oblíqua o direito tutelado, tendo como termo inicial a violação desse direito protegido por uma determinada ação, extinguindo-se, justamente, pelo não exercício da ação que protege o direito violado.

A decadência, por sua vez, tem como momento inicial o nascimento do direito em si, pois o atinge diretamente, impedindo que se torne efetivo em razão da falta de ação do titular.

A doutrina tradicional adotava como um dos critérios distintivos dos institutos, a atribuição dos efeitos interruptivo e suspensivo somente à prescrição, entretanto, após o surgimento do art. 207 do Código Civil/2002, introduziu-se a possibilidade de que a lei estabeleça, excepcionalmente, causas suspensivas ou interruptivas no curso do prazo decadencial.

Tal entendimento reforçou a inovação trazida em 1990, pelo art. 26 § 2.° do Código de Defesa do Consumidor (CDC), conforme os apontamentos a seguir aduzidos.

2. Inovação trazida pelo art. 26, § 2.° do Código de Defesa do Consumidor. Posições doutrinárias e jurisprudenciais relativas à obstaculização do prazo decadencial

O art. 26 § 2º do Código de Defesa do Consumidor é considerado por Héctor Valverde Santana1, "um instrumento de vanguarda da tecnologia jurídica", pois o legislador ao estabelecer as causas que obstam a decadência não teria se vinculado à tradição jurisprudencial ou doutrinária, mas a um novo instituto jurídico com um significado unívoco.

Para análise do sentido pretendido pelo legislador, o autor verifica que etimologicamente a palavra obstar deriva do latim obstare que expressaria um impedimento, causa de estorvo, oposição e embaraço.

Assim, para o professor, o termo obstar não tem os mesmos significados de interrupção ou suspensão abordados pelo direito privado, configurando-se um instituto distinto, fundamentando seu posicionamento no fato do legislador, conscientemente, utilizar o termo obstar, ao invés de reiterar os termos amplamente conhecidos, suspender ou interromper.

Logo, a decadência apenas será obstada, mas quando? Quando da efetivação pelo consumidor do exercício de seu direito.

Atualmente, o caráter vanguardista dos efeitos trazidos pelo termo obstar foi incorporado ao entendimento adotado pelo Professor Luiz Antônio Rizzatto Nunes2 quando afirmou que o efeito da reclamação apresentada, em conformidade com os termos previstos no art. 26, § 2.° do CDC, é meramente constitutivo, permitindo que o consumidor represente seu inconformismo perante qualquer fornecedor que integre a cadeia de consumo, afastando, portanto, a inércia do consumidor, permitindo que venha a pleitear, posteriormente, o que a lei lhe garante, no prazo prescricional cabível.

Assim, essa nova interpretação considera que o verbo obstar traz efeitos diversos da suspensão e interrupção já existentes. Esse é um entendimento inovador que vem sendo acatado pelos tribunais3.

Desse modo, verifica-se que o assunto é divergente na doutrina, haja vista o próprio posicionamento inicial do Professor Rizzatto Nunes acerca do assunto, pois considerava as causas previstas no art. 26, § 2.° do CDC como suspensivas e não obstativas. Esse entendimento é defendido ainda pelo Professor Zelmo Denari4, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery5, pois afirmam que a idéia do legislador teria sido paralisar o curso decadencial durante um lapso de tempo até que o vício apresentado pelo produto fosse sanado pelo produtor ou fornecedor de produtos e serviços.

É oportuno aduzir ainda que há doutrinadores, como a Professora Cláudia Lima Marques6, que defendem que o efeito da decadência, trazido pelo art. 26, § 2.° do CDC, seria interruptivo, por ser mais benéfico ao consumidor.

Entretanto, a interpretação dos efeitos contidos nas causas previstas no art. 26, § 2.° do CDC como suspensivo ou interruptivo não parece ser a mais adequada para análise do instituto da decadência, pois esses efeitos, como exegese do termo "obstam", são limitadores dos direitos dos consumidores.

A reclamação do consumidor pelos vícios apenas impede a decadência, constituindo seu direito, para a partir de então, exigir do fornecedor uma solução para eventual vício do produto ou serviço. Verifica-se aí o intuito do legislador em compelir o consumidor em procurar resolver sua reclamação extrajudicialmente para, posteriormente, caso haja necessidade, utilize a medida judicial competente.

Desse modo, essa interpretação permite que o consumidor invoque uma resposta do fornecedor, impedindo a decadência do seu direito de reclamação pelos vícios e, caso haja negativa de solução por parte da empresa, poderá exigir, alternativamente e à sua escolha, as determinações dos incisos do § 1.° do artigo 18, art. 19 (vício de quantidade) ou o art. 20 (vício de qualidade), todos do CDC, independentemente de justificação, apresentando-se, portanto, como grande avanço da lei a modificação dos efeitos da decadência nas relações de consumo.

Bibliografia

DENARI, Zelmo. Código de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 8ª ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.

FERREIRA, Wilson Santos. Prescrição e decadência no código de defesa do consumidor. Revista de Direito do Consumidor n.° 10, Ed. Revista dos Tribunais, 1994.

MARQUES. Cláudia Lima. Código de defesa do consumidor. 1ª ed., Revista dos Tribunais, 2003.

NERY, Rosa e Nelson. Novo código civil e legislação extravagante anotados, Ed. Revista dos Tribunais.

RIZZATTO NUNES, Luiz Antônio. Curso de direito do consumidor. 1ª ed., São Paulo: Saraiva, 2004.

SANTANA, Héctor Valverde. Prescrição e decadência nas relações de consumo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. parte geral. vol I, 3a ed., São Paulo: Atlas, 2003.

SANTANA, Prescrição e Decadência nas Relações de Consumo. Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2002, 123/127.

RIZZATTO NUNES, Luiz Antônio. Curso de Direito do Consumidor. 1ª ed., Ed. Saraiva, 2004.

Ag. Inst. 158015-0 - TJPR; Ap. C. 0026631 - TJSP.

DENARI, Zelmo. Código de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Ed. Forense Universitária., 8ª ed., 2004, pág. 229.

NERY, Rosa e Nelson. Novo Código Civil e Legislação Extravagante Anotados, Ed. Revista dos Tribunais, pág. 743.

MARQUES. Cláudia Lima. Código de Defesa do Consumidor. Ed. Revista dos Tribunais, 1ª ed., 2003, pág. 371.
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1SANTANA, Prescrição e Decadência nas Relações de Consumo. Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2002, 123/127.
2
RIZZATTO NUNES, Luiz Antônio. Curso de Direito do Consumidor. 1.ª ed., Ed. Saraiva, 2004.
3
Ag. Inst. 158015-0 - TJPR; Ap. C. 0026631 - TJSP.
4
DENARI, Zelmo. Código de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Ed. Forense Universitária., 8.a ed., 2004, pág. 229.
5NERY, Rosa e Nelson. Novo Código Civil e Legislação Extravagante Anotados, Ed. Revista dos Tribunais, pág. 743.
6
MARQUES. Cláudia Lima. Código de Defesa do Consumidor. Ed. Revista dos Tribunais, 1.a ed., 2003, pág. 371
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*Advogado do escritório Azevedo Sette Advogados

**Estagiária do escritório Azevedo Sette Advogados










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