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Preliminares comentários sobre a EC 66/2010

Carlos Eduardo de Andrade Maia

Como todos sabem, fora publicada dia 13/7/10 a EC 66/2010 que, em linguajar popular, baniu (em tese) do ordenamento jurídico a separação legal (judicial ou extrajudicial), passando a admitir, desta feita, a ruptura direta do vínculo conjugal sem a necessidade de prévia separação.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Atualizado em 21 de julho de 2010 14:19


Preliminares comentários sobre a EC 66/2010

Carlos Eduardo de Andrade Maia*

Como todos sabem, fora publicada dia 13/7/10 a EC 66/2010 (clique aqui) que, em linguajar popular, baniu - em tese - do ordenamento jurídico a separação legal (judicial ou extrajudicial), passando a admitir, desta feita, a ruptura direta do vínculo conjugal sem a necessidade de prévia separação.

Longe de almejar o esgotamento do assunto que, ao que me parece, ao menos em leitura superficial, dará margem à inúmeros questionamentos, teço singelos e pontuais comentários acerca da famigerada modificação.

Num primeiro momento, foco o olhar no verbo empregado na nova redação atribuída ao § 6° do artigo 226 da CF/88 (clique aqui). Com efeito, deflui do texto legal o verbo PODER. Sabemos nós, sendo prescindível o exame minucioso, que o aludido verbo traz consigo a ideia incontroversa de faculdade, na exata medida em que confere àquele que se enquadra à norma a possibilidade de "escolher" o caminho a ser trilhado.

Estabelecendo a necessária convergência entre o dispositivo legal em estudo e as linhas acima, ouso dizer, quiçá prematuramente, que a referida EC não suprimiu a separação legal - judicial e extrajudicial - do ordenamento jurídico, sobretudo se considerarmos que o cônjuge interessado "poderá" - e não deverá - pleitear o desfecho do vínculo matrimonial por meio do divórcio direto, sendo despicienda prévia separação.

Noutros dizeres, salvo melhor juízo, a alteração alhures mencionada não reuniu condições suficientes para soterrar a separação legal, de tal sorte que ainda poderão os cônjuges, caso queiram, valer-se da separação legal.

Importantes, neste ponto, pequenas observações acerca da notória diferença entre separação e divórcio. Por ocasião do casamento criam os cônjuges entre si a sociedade conjugal (donde advém os deveres do casamento) e o vínculo matrimonial que, de acordo com o CC (clique aqui), somente se finda com a morte ou por meio do divórcio.

Encerrada a sociedade conjugal por meio da separação legal, poderão os cônjuge, mediante consenso, restabelecer a dita sociedade por meio de simples pedido endereçado ao juízo que decretou a separação ou por meio da lavratura de ulterior escritura pública. Entretanto, com a descontinuidade do vínculo matrimonial oriunda do divórcio, inadmitida será a reconciliação, restando ao cônjuges, caso queiram, única opção: novo casamento.

Fazendo a análise perfunctória da mais hodierna alteração constitucional, penso que o legislador, embora tenha querido, não logrou êxito na abolição da separação legal, tendo remanescido nas mãos dos interessados, por meio do exercício da manifestação volitiva, a opção de seguir por um - separação - ou por outro - divórcio - caminho, diga-se de passagem ainda bifurcado.

Isso porque o Código Civil, ressalvadas observações em sentido contrário, não fora revogado pela EC 66/2010, levando em conta que os dispositivos do Código Civil que atinam à separação legal não colidem com o texto constitucional, máxime em razão da inconcussa faculdade proveniente da Constituição, sendo certo, portanto, diante da inexistência de incompatibilidade entre a Carta Magna e o Código Civil, que os permissivos legais da separação continuam vigendo.

Outro ponto merece destaque. Ainda que partamos da premissa de que os sutis argumentos acima não demandem maiores reflexões, penso que remanescem em vigência de forma incontroversa o instituto de separação fática e os requisitos autorizadores da separação cautelar de corpos que, admitido o banimento da separação legal, precederá ação de divórcio.

Nesse passo, a separação de fato, a despeito do eventual eliminação da separação legal, continuará sendo bastante para suprimir a condição de herdeiro do cônjuge sobrevivente caso estivesse separado faticamente de morto. A controvérsia orbita agora no lapso temporal necessário para afastar o cônjuge separado de fato da condição de herdeiro.

O artigo 1830 prevê, em escorço, que o cônjuge separado de fato do de cujus por dois anos será privado da herança. Há, com a EC, lacuna a ser preenchida pela Doutrina e pela Jurisprudência, vacância esta oriunda da supressão do requisito objetivo (2 anos de separação de fato). Isso porque o dito período guardava relação com o prazo para a decretação do divórcio direto que, doravante, prescinde de prévia separação fática ou legal. Não há mais, pois, base para a manutenção do referido prazo, razão pela qual a controvérsia se estabeleceu.

Chego à ilação no sentido de que a EC 66/2010 não suprimiu a separação legal do ordenamento jurídico, passando apenas a admitir que os casais que pretendam rompam diretamente o vínculo matrimonial por meio do divórcio direto, afastando, como alguns sustentam, a inadvertida e indireta intervenção do Estado no seio familiar, remanescendo, porém, a faculdade de se lançar mão da separação legal caso o casal considere o referido instituto como meio mais interessante.

Sugiro, feitas estas despretensiosas considerações, a manifestação da sociedade jurídica para que estas questões sejam dirimidas e para que outras polêmicas possam delas advir para que, juntos, alcancemos soluções para este embrionário assunto.

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*Advogado sócio do escritório Cruz e Maia - Advocacia e Consultoria Jurídica





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