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Sociedades Limitadas e o Novo Código Civil

Manoel Ignácio Torres Monteiro

Entre as várias alterações que foram trazidas pelo NCC, temos algumas que merecem especial atenção, principalmente naquelas Sociedades Limitadas cujo capital social encontra-se distribuido entre vários sócios não pertencentes ao grupo de controle.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2003

Atualizado em 1 de abril de 2003 11:49

Sociedades Limitadas e o Novo Código Civil

Manoel Ignácio Torres Monteiro*

A entrada em vigor do Novo Código Civil (Lei Nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002 - "NCC") em 11 de Janeiro de 2003, trará várias e importantes alterações nas normas que regem a sociedade por quotas de responsabilidade limitada e designadas Sociedades Limitadas pelo NCC, até então regidas pelo Decreto Nº 3.708, de 10 de Janeiro de 1919.

As alterações trazidas pelo NCC afetarão tanto as empresas cujas quotas estão em poder de um mesmo grupo econômico, quanto àquelas cujo capital encontra-se dividido entre vários sócios, que podem ter interesses divergentes com relação à condução dos negócios sociais.

Entre as várias alterações que foram trazidas pelo NCC, temos algumas que merecem especial atenção, principalmente naquelas Sociedades Limitadas cujo capital social encontra-se distribuido entre vários sócios não pertencentes ao grupo de controle.

A primeira questão que deve ser analisada, diz respeito à administração da Sociedade Limitada, que no regime do Decreto Nº 3.708/19 pertencia, a todos os sócios ainda que houvesse disposição diversa no contrato social. O sócio automaticamente possuia poderes de administração.

O NCC expressamente determina que as disposições aplicáveis à administração devem ser reguladas no contrato social. Nesse sentido, o contrato social deve claramente indicar se a sociedade pode ser administrada por não-sócio, cuja nomeação dependerá (i) de deliberação unânime (se o capital não estiver integralizado) ou (ii) da aprovação de dois terços do capital se este já estiver integralizado. Além da questão da nomeação de não-sócios para exercer a administração, o NCC não permite que a posição de sócio que administre a sociedade seja extendida automaticamente aqueles que posteriormente venham a assumir essa condição no caso de a administração da sociedade caber a todos os sócios.

O administrador nomeado em ato separado (Ato de Nomeação de Gerente ou Ata de Reunião de Sócios para Nomeação de Gerente) deverá tomar posse através da assinatura de termo de posse no Livro de Atas da Administração, no prazo de dez dias a contar da posse. Assim sendo, é criado um livro de Atas da Administração no qual, além dos termos de posse, devem ser lavradas as atas de reunião ou deliberação dos administradores.

A destituição de um sócio que tenha sido nomeado administrador no contrato social, dependerá da aprovação de sócios representando no mínimo dois terços do capital social, exceto se houver disposição contratual diversa aumentando ou diminuindo esse quórum.

É importante mencionar que a regra geral hoje encontrada em muitos contratos sociais que estabelece que as deliberações serão tomadas pela maioria do capital social, podem não ser suficientes após a entrada em vigor do NCC, por serem muito genéricas.

O NCC também inova ao regular expressamente a renúncia, que passa a ser efetiva em relação à sociedade após comunicação escrita a esta e em relação a terceiros, após a averbação e publicação no órgão correspondente da imprensa oficial e em jornal de grande circulação.

Estabelece o artigo 1.071 do NCC que dependerá de deliberação dos sócios as seguintes matérias: (i) a aprovação das contas da administração; (ii) a designação dos administradores quando feita em ato em separado; (iii) a destituição dos administradores; (iv) o modo de remuneração, quando não estabelecido no contrato social.; (v) a modificação do contrato social; (vi) a incorporação, a fusão e a dissolução da sociedade, ou a cessação do estado de liquidação; (vii) a nomeação e destituição dos liquidantes e o julgamento de suas contas; e (viii) o pedido de concordata.

Exceto em relação ao quorum aplicável à nomeação e destituição de administrador através de instrumento em separado, a aprovação das matérias mencionadas nos itens (v) e (vi) acima, exigem a aprovação de sócios representando ¾ (três quartos) do capital social.

No caso de aprovação de contas, devemos lembrar que os administradores que também sejam sócios estão impedidos de aprovar as próprias contas. Desse modo, a responsabilidade pela aprovação de matéria tão importante pode ficar na mão dos sócios minoritários. A vedação ao voto dos administradores é expressamente previsto no artigo 134, parágrafo 1º da Lei das Sociedades Anônimas que é aplicável subsidiariamente às Sociedades Limitadas.

Com relação à alteração do contrato social que abrange várias situações que antes eram aprovadas pela maioria (mais de 50%), vale salientar que agora se exige a concordância de 75% do capital social para serem implementadas.

Uma das principais vantagens de utilizar-se das sociedades por quotas de responsabilidade limitada é o fato de ser uma forma societária sem muitas exigências formais, se comparada com uma sociedade anônima. Não é incomum encontrarmos tais sociedades que há muitos anos não têm documentos societários arquivados na Junta Comercial. A informalidade de procedimentos em uma limitada pode ser vista como um atrativo para os sócios quotistas, mas para administradores profissionais, não sócios, representam uma desvantagem. Para esses administradores a realização periódica de reuniões de Diretoria, Conselho ou mesmo acionistas funcionam como um forum de debates e registro dos acontecimentos relevantes da administração.

O NCC introduz diversas inovações nessa área, principalmente, com relação a realização de reuniões e assembléias de sócios. Nesse sentido, todas as matérias constantes do artigo 1071 e relacionadas acima, devem ser objeto de deliberação e/ou aprovação em reunião ou assembléia de sócios. Além do mais, deve ser convocada reunião ou assembléia de sócios, nos quatro primeiros meses do ano, para: (i) tomar as contas dos administradores e deliberar sobre o balanço e demonstrações financeiras; (ii) designar administradores, quando for o caso; (iii) tratar de qualquer outro assunto constante da ordem do dia.

A exemplo das sociedades anônimas, as reuniões ou assembléias (as sociedades com mais de dez sócios realizam assembléias e as demais realizam reuniões) serão convocadas através de publicação por três vezes no mínimo, na imprensa oficial (do Estado ou União) e em jornal de grande circulação, sendo respeitada a antecedência mínima de oito dias para a primeira convocação e cinco dias para as posteriores. A convocação pode ser dispensada se houver o comparecimento de todos os sócios ou a declaração dos mesmos, por escrito, de que estão cientes do local, data, hora e ordem do dia. O procedimento de convocação deve ser observado quer se trate de assembléia ou de reunião de sócios.

A deliberação de matérias através de assembléias ou reuniões de sócios tem uma implicação prática, no que se refere a necessidade da limitada de manter livro de presença de sócios, livro de atas de reunião de diretoria e de sócios, mas também tem uma implicação política, pela qual todos os sócios podem se manifestar sobre os diversos assuntos enviados a deliberação em tais reuniões/assembléias ou, ainda, questionar qualquer membro da administração da sociedade. Além do mais, as matérias a serem discutidas devem ser previamente informadas através da ordem do dia, a qual deve abordar os principais assuntos a serem tratados.

A exclusão de sócio também passa a ser regulamentada, expressamente, no NCC. No regima atual, salvo disposição contratual específica, pode o sócio representando a maioria do capital social, promover alteração do contrato social, através do qual o sócio minoritário é excluído por motivo de quebra da chamada "affecio societates". A "affectio societates" pode ser entendida como o relacionamento especial que liga diversas pessoas que desejam formar uma sociedade. Na maioria das vezes, o sócio minoritário somente toma conhecimento do ocorrido após o arquivamento do ato de exclusão na Junta Comercial.

No regime do NCC, a exclusão continua sendo possível, mas dependerá, além da manifestação favorável da maioria do capital social, da possibilidade de exclusão estar expressamente no contrato social e de motivo que coloque em risco a continuidade do negócio e da realização de assembléia ou reunião especialmente convocada para esse fim na qual deve ser permitida ampla oportunidade de defesa ao sócio afetado. Dessa forma, a possibilidade de exclusão de sócio foi drasticamente reduzida.

O NCC reflete, expressamente, regra que já existe hoje no sentido de que o herdeiro do sócio somente será aceito na sociedade, se houver previsão expressa nesse sentido no contrato social ou houver acordo com os demais sócios. Considerando-se que o pagamento pela quota-parte do sócio falecido nem sempre ocorre de maneira expedita e que o falecido bem pode ser o sócio majoritário, especial atenção deve ser dada ao planejamento sucessório.

Finalmente, convém ser mencionado que o NCC criou para as Sociedades Limitadas um Conselho Fiscal muito semelhante ao conselho fiscal das sociedades anônimas, exceto pelo fato de que nessas últimas, o conselho fiscal tem caráter permanente, sendo instalado por simples solicitação de acionista representando 10% do capital votante ou 5% do capital total. No NCC a existência do Conselho Fiscal deve ser prevista no contrato social, podendo sócio com 20% do capital eleger um conselheiro. É razoável assumir que ainda que não previsto no contrato social, e podendo a sociedade suportar os custos relativos ao funcionamento do Conselho Fiscal, pode o sócio representando no mínimo 20% do capital social requerer a instalação e funcionamento do conselho fiscal, ainda qu enão expressamente previsto no contrato social, por se o direito de fiscalização um direito próprio dos sócios ao qual não pode ser opor o sócio controlador.

Concluindo, muitas alterações foram trazidas pelo NCC ao regime das Sociedades Limitadas e especial atenção deve ser dispensada pelos sócios a redação do contrato social, principalmente naquelas sociedades em que há mais de um sócio e há sempre presente a possibilidade de conflito.

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*sócio do escritório Amaro, Stuber e Advogados Associados, pós Graduado em Direito Comercial e Econômico (LLM) University of London.

 

 

 

 

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