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A ação norte-americana no Paquistão e a morte de Bin Laden

José Cretella Neto

O primeiro comentário a respeito da intervenção americana que culminou com a morte do líder terrorista é: temos poucas informações a respeito. E as que tivemos, nos primeiros dias, foram sendo desmentidas ou mudadas. Logo, nesse momento, qualquer analista sério deve ser extremamente cauteloso ao emitir opiniões, nem condenando nem defendendo tout court os EUA ou o Paquistão.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Atualizado às 07:40

A ação norte-americana no Paquistão e a morte de Bin Laden

José Cretella Neto*

O primeiro comentário a respeito da intervenção americana que culminou com a morte do líder terrorista é: temos poucas informações a respeito. E as que tivemos, nos primeiros dias, foram sendo desmentidas ou mudadas. Logo, nesse momento, qualquer analista sério deve ser extremamente cauteloso ao emitir opiniões, nem condenando nem defendendo tout court os EUA ou o Paquistão.

Sem dúvida, o sentimento antiamericano existente nos países do 3º Mundo leva alguns intelectuais mais afoitos a condenarem os EUA bem antes de uma análise serena dos fatos, em toda e qualquer ocasião. Nas primeiras semanas após a operação americana no Paquistão, inevitáveis "achismos" poluíram a mídia, não só a brasileira, mas a da maioria dos países.

É preciso não esquecer que, quando a Europa não conseguia pacificar a região do Kosovo, apelou para o concurso dos EUA (da OTAN, o que dá quase no mesmo, uma vez que a maioria das tropas é americana); e que, após o tsunami que atingiu a Indonésia e mais uma dezena de países dos oceanos Pacífico e Índico, os EUA foram, de longe, o país que mais contribuiu para o envio de medicamentos, pessoal médico, alimentos e especialistas para prestar auxílio humanitário.

Mas os EUA, até por sua formação histórica, apresentam um traço de exacerbada beligerância que, nos tempos atuais, vão de encontro aos princípios e normas de Direito Internacional.

À luz do Direito Internacional, com efeito, um Estado somente pode adotar ações bélicas contra outro em caso de legítima defesa e, tão logo seja possível, deve comunicar sua ação ao Conselho de Segurança. É o que diz o Artigo 51 da Carta da ONU, elaborada ao final da 2ª Guerra Mundial.

E, em especial a partir dos anos 1990, grupos de indivíduos fortemente armados e não ligados especificamente a nenhum Estado, passaram a atuar na arena internacional e, sobre ações de Estados contra esses grupos, a Carta da ONU é silente.

No entanto, alguns desses grupos dispõem de armamentos e tecnologias de destruição muitas vezes superiores aos de forças armadas governamentais regulares.

O Direito Internacional não fornece resposta segura à seguinte pergunta: Estados podem validamente reagir a ataques de grupos terroristas, perseguindo-os mundo afora e atravessando fronteiras, ilimitadamente e em prazo longo? (em Direito Internacional a legítima defesa e a ação armada devem obedecer a três princípios: da imediatidade, da necessidade e da proporcionalidade).

Foi precisamente o que ocorreu no caso que comentamos: ataque armado de um Estado no território de outro Estado (ainda que formalmente aliado) e eliminação de um alvo humano quase 10 anos depois da ação terrorista por ele ordenada.

Os EUA agiram unilateralmente, invadiram o Paquistão (sem comunicar o fato às autoridades desse país) e atacaram uma mansão (para os padrões locais) onde viviam Bin Laden, alguns familiares e seguidores.

O que se passou no interior da casa e o "enterro" de Bin Laden em algum ponto do oceano é matéria desconhecida de todos, excetuados certos integrantes dos mais altos escalões do governo dos EUA.

Talvez nunca saibamos ao certo o que efetivamente ocorreu.

O Paquistão abrigou Bin Laden provavelmente por vários anos, apesar de seu governo ter recebido US$ 20 bilhões dos EUA, destinados à segurança e ao combate ao terrorismo.

O paralelismo com o caso do traficante colombiano Abadia é inevitável. Escondido por três anos no Brasil em uma mansão em Aldeia da Serra, região nobre no entorno de São Paulo, só foi capturado depois que os EUA pressionaram e a Polícia Federal entrou em ação. Nossa Polícia Civil de nada desconfiava... No caso de Bin Laden, que ordenou o maior ataque terrorista da História, e que teve lugar em solo americano, este só foi apanhado depois que os EUA intervieram. Mas o Paquistão não é o Brasil. Pelo menos aqui, temos uma polícia eficaz e atuante, a Federal. Lá, um centro de treinamento militar era quase vizinho do esconderijo do terrorista e ninguém suspeitava que na casa de muros mais altos da cidade, morava Bin Laden. Acredite-se nisso, se quiser...

O Direito Internacional debate-se entre os princípios e normas consagrados, que visam à manutenção da paz e da segurança internacionais, e a realidade cambiante das relações internacionais. Nada há de preciso ou matemático nesse entrechoque e sim, um jogo de poder, de política e de conveniências que fluem e refluem a cada momento histórico.

Se com certeza a invasão do território paquistanês por tropas americanas representa violação às clássicas normas de Direito Internacional, por outro lado a moderna Realpolitik exige soluções mais drásticas. Não é possível tratar terroristas com leniência e mesmo deferência, como fazem alguns. Ou a polícia não pode entrar em qualquer casa, mesmo à noite, sem ordem judicial, se suspeitar que dentro dessa casa se esconde um criminoso?

A luta contra o terrorismo não terminou com a morte de Bin Laden - isso é certo. É uma luta de toda a Humanidade que pretende viver em paz, pois o terrorista é hostis humanis generis, um inimigo da espécie humana.

Claro que a grande maioria das pessoas preferiria que Bin Laden fosse capturado vivo (por qualquer país) e também julgado por um tribunal legalmente constituído, situado, também, em qualquer país. Aqui vale o chamado princípio da jurisdição universal, pelo qual a Justiça de qualquer Estado é competente para julgar os mais bárbaros crimes internacionais, como o genocídio, os crimes contra a Humanidade, os crimes de guerra, a pirataria em alto-mar e o terrorismo, pouco importando a nacionalidade do criminoso, ou se é agente do governo ou ainda, o local dos crimes.

A realidade atual é essa: os países desenvolvidos, tendo à frente os EUA, continuarão a praticar um Direito Internacional "para inglês ver". Não é agradável, por certo, mas não vejo possibilidade de mudanças nas próximas duas ou três décadas, em especial se os ataques terroristas se intensificarem. Não posso, no entanto, discordar da frase proferida por inúmeros analistas, inclusive funcionários da insuspeita ONG Human Rights Watch: "o mundo é um lugar melhor sem Osama Bin Laden". Apesar da violação ao Direito Internacional que circundou sua morte, isso não deixa de ser verdade.

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*Mestre, Doutor e Livre Docente em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da USP. Advogado internacional e autor de inúmeras obras de Direito Internacional, incluindo Terrorismo Internacional - Inimigo sem Rosto, Combatente sem Pátria e Curso de Direito Internacional Penal, além de mais de uma dezena de artigos sobre crimes internacionais e Direito Internacional Penal



 

 

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