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Reflexão: a extradição no Brasil após o caso Batistti.

Sérgio Antunes

Um assunto que tomou conta do mundo jurídico e da mídia, especializada ou não, foi a sequência de fatos correspondentes ao pedido proferido pela Itália ao Brasil, com a intenção de extraditar o mencionado cidadão italiano. Resumidamente, podemos destacar uma sequência cronológica dos fatos, a saber:

terça-feira, 5 de julho de 2011

Atualizado em 4 de julho de 2011 12:20


Reflexão:

A extradição no Brasil após o Caso Battisti

Sérgio Antunes*

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Um assunto que tomou conta do mundo jurídico e da mídia, especializada ou não, foi a sequência de fatos correspondentes ao pedido proferido pela Itália ao Brasil, com a intenção de extraditar o mencionado cidadão italiano. Resumidamente, podemos destacar uma sequência cronológica dos fatos, a saber:

1) Decisão do STF verificando dois pressupostos de suma importância, para a análise do pedido de extradição: se os crimes cometidos pelo citado cidadão italiano seriam crimes de natureza política ou comum; se no processo italiano foi observado o devido processo legal, determinado em nossa Carta Magna (clique aqui), e se o ato do Presidente da República, previsto em nossa Constituição e no Tratado Brasil-Itália seria vinculado à decisão do STF ou se seria discricionário, detalhe levantado na reunião do Pleno como Questão de Ordem.

2) Decisão do Presidente da República de então pela negativa do pedido de extradição, com base no parecer Consultor Jurídico da AGU, que tratou do assunto como se fosse extradição por motivos políticos, em total desacordo com o entendimento já consagrado pelo nosso Pretório Excelso.

3) Decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o consequente pedido de habeas corpus impetrado em favor do cidadão italiano, para que ele pudesse levar no Brasil, uma vida normal, já que o pedido de extradição fora negado.

Como todo e qualquer profissional do direito e pela repercussão que o caso tomou, passei a comentar sobre o assunto não apenas com os colegas de profissão mas também com pessoas de minhas relações de amizade e que atuam em outras atividades, tais como contadores, economistas, médicos e outros. Devo registrar, a bem da verdade, que a perplexidade e a revolta são patentes.

Entretanto, o fato que me levou a escrever o presente artigo, foi a consulta que concedi à uma cidadã brasileira, que me fez, em resumo, a seguinte pergunta:

"Doutor, meu filho é brasileiro nato e está preso cumprindo pena, por ter assassinado um ex-namorado de minha neta, filha dele, que estava sendo explorada financeiramente, mas não conseguimos comprovar o fato. Como este italiano pode ficar solto e meu filho que cometeu o mesmo crime tem que cumprir pena?"

Infelizmente, não estou autorizado a revelar os detalhes da consulente.

Imediatamente, veio à minha mente o texto da parte inicial do artigo 5º da Constituição (Todos são iguais perante a lei...), mas confesso que não consegui dar uma explicação lógica para esta mãe em desespero, pois ela conseguiu colocar, em linguagem simples, um efeito prático e real dos fatos que foram acima enumerados. A partir desse momento, procurei fazer um pequeno estudo do assunto, até mesmo para explicação em sala de aula, que passo a apresentar, como fruto da reflexão que fiz do assunto. Para os que se derem o trabalho de ler o artigo e discordarem do desenvolvimento do tema, solicito encarecidamente que me ajudem e apresentem fundamentos de natureza técnico-jurídica que apontem para outras soluções. Afinal, o aprendizado não tem limite de idade ou tema. Estamos sempre aprendendo...

DETALHES TECNICO-JURÍDICOS

Fato que tenho notado nas pessoas que militam no mundo jurídico em nosso país, refere-se à uma certa resistência em entender que a partir do dia 05 de outubro de 1988, um novo ordenamento jurídico passou a vigorar em nosso país e que trouxe certas mudanças no entendimento que as pessoas possam ter nas relações sociais, que, por sua vez, refletem a realidade do mundo de hoje e não mais certos conceitos que eram até tradicionais nas relações humanas, mas que não condizem com o mundo atual. Nós, que atuamos no mundo jurídico e os legisladores, não podemos continuar a tentar entender um dispositivo normativo com o raciocínio voltado para os princípios e normas que foram adotadas no país em décadas passadas, pois estaríamos, fatalmente, forçando um raciocínio dentro de um sistema diferente do sistema antigo.

Na lição do mestre José Afonso da Silva, em seu Curso de Direito Constitucional Positivo, aprendemos o conceito sintético de Constituição como sendo "o conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos de um Estado." Nada mais simples e completo do que este conceito. Se queremos saber como deve funcionar um Estado como o nosso, que adotou uma constituição escrita e rígida, nada mais simples do que proceder à leitura e ao estudo dos seus princípios e normas.

Nossa Carta Magna adotou vários princípios que determinaram o conteúdo técnico-jurídico das normas que a materializam. Sobre os princípios, basta que adotemos a lição do grande mestre Celso Antonio Bandeira de Mello, transcrita de textos encontrados facilmente nos sites jurídicos, como se segue:

Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, dispositivo fundamental que se irradia sobre diferentes normas, (...) servindo de critério para sua exata compreensão. (...). Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comando.

Desta lição podemos concluir que a violação de qualquer princípio, irá atacar, por via de consequência, as bases de todo o ordenamento jurídico, não afetando apenas aquele princípio diretamente, pois ao ofender um determinado princípio que é a viga mestra do ordenamento, todo ele ficará atingido.

No assunto princípio, cabe-nos destacar:

1) No Título I, que trata dos Princípios Fundamentais, Artigo 2º da Carta Magna: que faz a previsão do sistema de separação das funções do Poder, Legislativo, Executivo e Judiciário, independentes e harmônicos. É pacífico na doutrina e jurisprudência pátrias, a existência do sistema de freios e contrapesos. Como intérprete oficial da Constituição, podemos resumir em dois julgados a posição do Pretório Excelso sobre a citada norma, a saber:

"Os atos administrativos que envolvem a aplicação de 'conceitos indeterminados' estão sujeitos ao exame e controle do Poder Judiciário. O controle jurisdicional pode e deve incidir sobre os elementos do ato, à luz dos princípios que regem a atuação da Administração. (...) A capitulação do ilícito administrativo não pode ser aberta a ponto de impossibilitar o direito de defesa." (RMS 24.699, Rel. Min. Eros Grau, DJ 01/07/05).

"Suspensão dos efeitos e da eficácia da Medida Provisória nº 375, de 23.11.93, que, a pretexto de regular a concessão de medidas cautelares inominadas (CPC, art. 798) e de liminares em mandado de segurança (Lei 1.533/51, art. 7º, II) e em ações civis públicas (Lei 7.347/85, art. 12), acaba por vedar a concessão de tais medidas, além de obstruir o serviço da Justiça, criando obstáculos à obtenção da prestação jurisdicional e atentando contra a separação dos poderes, porque sujeita o Judiciário ao Poder Executivo." (ADI 975-MC, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 20/06/97). (grifo nosso)

2) No mesmo Título em seu artigo 4º, inciso X, está determinada a posição do Estado brasileiro no que se refere ao pedido de asilo em questões de natureza política. É evidente que nesses assuntos não podemos falar em discricionariedade, pois reconhecido por quem de direito que o assunto é político, não há como negar que o ato expedido pela autoridade prevista em Lei, no caso o Presidente da República, é ato vinculado negando a extradição e concedendo o asilo.

3) O caput do artigo 37, deixa claro que o legislador constituinte adotou o sistema presidencialista mitigado, ou seja, não dotou o presidencialismo puro, pois fora dos casos previamente determinados pela Carta Magna, que não são muitos, não existe interferência do executivo nos assuntos pertinentes ao judiciário. Nesta mesma norma, já existe a determinação da presença de 05 princípios, que os colegas professores sintetizam na expressão "LIMPE", para facilitar a memorização, conhecidos por boa parte da doutrina como os princípios básicos ou explícitos da administração pública.

4) Ainda no que se refere à administração pública, a doutrina e jurisprudência brasileiras afirmam a presença de certos princípios, que são chamados de implícitos, por não estarem explicitamente mencionados no texto constitucional, mas que têm existência própria e a sua observância por parte das autoridades dos 3 Poderes na condução dos assuntos públicos é obrigatória e não facultativa. Tais princípios são enumerados como motivação, segurança jurídica, finalidade, controle judicial dos atos administrativos, razoabilidade, proporcionalidade e economicidade, entre outros.

5) Como consequência do sistema adotado, verificamos que cabe ao Chefe do Poder Executivo da União, ou seja, o Presidente da República, o relacionamento com os outros Estados, compreendendo nesta competência manter relações com Estados Estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos, celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do congresso Nacional.

6) A Questão de Ordem levantada pelo ex-Ministro Eros Grau, e acompanhada, infelizmente por outros de seus pares à época, está em rota de coalizão, data máxima vênia, com a Lei de Regência (clique aqui), que assim determina:

Art. 83. Nenhuma extradição será concedida sem prévio pronunciamento do Plenário do Supremo Tribunal Federal sobre sua legalidade e procedência, não cabendo recurso da decisão. (grifos nosso)

Verificamos que a Lei determina, desde 1981, que o aspecto de legalidade e se o pedido vai ser julgado procedente ou improcedente é tarefa do nosso Pretório Excelso, não cabendo recurso da decisão.

Analisando os pontos acima indicados, percebemos dois destaques que se fazem presentes, automaticamente. O primeiro é que cabe ao Poder Executivo da União, que tem em seu cargo máximo o do Presidente da República, negociar os tratados com os estados Estrangeiros, mas sob referendo do Congresso Nacional, o que implica necessariamente que tais tratados terão obrigatoriamente seus institutos e textos compatíveis com a Carta Magna e a legislação infraconstitucional de regência sobre os assuntos pertinentes ao tratado. Não precisa ser nenhum gênio para concluir que tratado cujo texto seja contrário ao ordenamento jurídico brasileiro, este determinado pela Carta Magna, não será objeto de referendo do Congresso Nacional, e não poderá ser firmado pelo Presidente da República. O segundo é que a Lei de regência já determinava, desde 1981, que a legalidade do pedido e se seria julgado procedente ou não, são tarefas que cabem ao Plenário do Supremo Tribunal Federal. É válido registrar que tal norma é considerada como recepcionada pela novel Constituição.

No que diz respeito aos princípios implícitos e sua aplicabilidade nos atos dos agentes públicos, passamos a fazer alguns destaques para a necessária análise.

DOS PRINICÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE

Recorrendo aos textos que encontramos em vários sites da internet, destacamos:

"Os princípios da proporcionalidade e razoabilidade estão implícitos na Constituição Federal, mas podem ser vistos como decorrentes da legalidade, uma vez que se a decisão é manifestamente inadequada para alcançar a finalidade legal, a Administração terá exorbitado dos limites da discricionariedade". (grifos nossos)

"A lei de regência sobre o assunto indica que os princípios da proporcionalidade e razoabilidade devem ser observados pela Administração Pública para fins de adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquela estritamente necessária ao atendimento do interesse público." A adequação referida diz respeito à razoabilidade, enquanto a proibição de excessos refere-se à proporcionalidade.

Assim como o agente público não pode afastar a proporcionalidade e razoabilidade exigidas pelo caso concreto sob o pretexto de aplicar a lei, também não deve lançar mão destes princípios para justificar um ato ilegal. Muitas vezes, os administradores extrapolam na utilização da razoabilidade e proporcionalidade sob o pretexto de estar atuando de acordo com a prerrogativa da discricionariedade. (grifos nossos)

"Já Luís Roberto Barroso, um dos defensores do citado cidadão italiano, acredita que não há a necessidade de uma diferenciação conceitual entre ambos os métodos, porque um e outro abrigam os mesmos valores subjacentes: racionalidade, justiça, medida adequada, senso comum, rejeição aos atos arbitrários ou caprichosos". (grifos nossos)

DO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE

Tembém nesta análise particularizada, recorremos aos seguintes textos:

"No Brasil, entende-se que o princípio da razoabilidade está inserido na constituição, quando esta assegura o direito ao devido processo legal, chamado também de due process of law. Hoje a sua utilização ainda é menor do que a merecida, podendo ser aplicado em diversas áreas do direito. Em sua análise deve-se levar em conta, a adequação, a menos ingerência possível e a proporcionalidade estrita. Nota-se que a razoabilidade está intimamente ligada ao princípio da proporcionalidade, que será estudado em momento oportuno."

"Esse princípio se funda nos princípios constitucionais da legalidade e da finalidade."

Sobre o Princípio da Razoabilidade merece destaque a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello in "Curso de Direito Administrativo", Malheiros, 2002, 14ª ed., p. 91-93:

Princípio da razoabilidade.

"Enuncia-se com este princípio que a Administração, ao atuar no exercício de discrição, terá de obedecer a critérios aceitáveis do ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas e respeitosa das finalidades que presidiram a outorga da competência exercida.

Vale dizer: pretende-se colocar em claro que não serão apenas inconvenientes, mas também ilegítimas - e, portanto, jurisdicionalmente invalidáveis - as condutas desarrazoadas e bizarras, incoerentes ou praticadas com desconsideração às situações e circunstâncias que seriam atendidas por quem tivesse atributos normais de prudência, sensatez e disposição de acatamento às finalidades da lei atributiva da discrição manejada.

Com efeito, o fato de a lei conferir ao administrador certa liberdade (margem de discrição) significa que lhe deferiu o encargo de adotar, ante a diversidade de situações a serem enfrentadas, a providência mais adequada a cada qual delas. Não significa, como é evidente, que lhe haja outorgado o poder de agir ao sabor exclusivo de seu libito, de seus humores, paixões pessoais, excentricidades ou critérios personalíssimos, e muito menos significa que liberou a Administração para manipular a regra de Direito de maneira a sacar dela efeitos não pretendidos nem assumidos pela lei aplicanda." (grifos nossos).

"Fácil é ver-se, pois, que o princípio da razoabilidade fundamenta-se nos mesmos preceitos que arrimam constitucionalmente os princípios da legalidade (arts. 5º, II, 37 e 84) e da finalidade (os mesmos e mais o art. 5º, LXIX, nos termos já apontados).

Não se imagine que a correção judicial baseada na violação do princípio da razoabilidade invade o "mérito" do ato administrativo, isto é, o campo de "liberdade" conferido pela lei à Administração para decidir-se segundo uma estimativa da situação e critérios de conveniência e oportunidade. Tal não ocorre porque a sobredita "liberdade" é liberdade dentro da lei, vale dizer, segundo as possibilidades nela comportadas. Uma providência desarrazoada, consoante dito, não pode ser havida como comportada pela lei. Logo, é ilegal: é desbordante dos limites nela admitidos." (grifos nosso)

O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

Intimamente ligado com o princípio da razoabilidade, e com frequência tratado por doutrinadores com sendo equivalentes, também é chamado de princípio da proibição de excessos, funciona como controle dos atos estatais, com a inclusão e manutenção desses atos dentro do limite da lei e adequado a seus fins. Seu verdadeiro sentido, é de que, a proporcionalidade deverá pautar a extensão e intensidade dos atos praticados levando em conta o fim a ser atingido.

Assim, no entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello:

a rigor, o princípio da proporcionalidade não é senão faceta do princípio da razoabilidade. (...) Posto que se trata de um aspecto específico do princípio da razoabilidade, compreende-se que sua matriz constitucional seja a mesma. Isto é, assiste nos próprios dispositivos que consagram a submissão da Administração ao cânone da legalidade.

Resumidamente, podemos afirmar que os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade visam compatibilizar os meios aos fins desejados, entre as medidas utilizadas e a sua finalidade, limitando a discricionariedade administrativa.

OS PRESSUPOSTOS FÁTICOS DO CASO BATISTTI.

Como divulgado pela imprensa nacional e internacional, Battisti, foi membro do grupo Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), um braço das Brigadas Vermelhas, o grupo armado mais ativo durante a onda de violência política que sacudiu à Itália há quatro décadas. Em 1993, foi julgado à revelia por um tribunal italiano que considerou culpado dos assassinatos de dois policiais, um joalheiro e um açougueiro, cometidos entre 1977 e 1979. Quando de seu julgamento na Itália, o mesmo se encontrava na França onde havia obtido a condição de refugiado político mas diante da decisão que o condenou a prisão perpétua, havia claros indícios de que essa condição seria revogada o que levou Battisti a fugir da França em 2004.

Verificamos claramente que tal cidadão conseguiu primeiramente o asilo político na França, o que gerou, a princípio, a negativa do pedido de extradição feito pelo governo italiano ao governo francês, detalhe que foi alvo de pertinente destaque na condução da tese de defesa pelo Ilustre Advogado e Professor Luís Roberto Barroso.

Entretanto, após o seu julgamento na Itália e a consequente condenação à prisão perpétua por crime comum, no caso homicídio, percebeu, orientado por seus constituintes naquele país, de que a concessão do asilo político seria revogada e, por via de consequência, novo pedido de extradição do governo italiano ao francês por outro motivo, seria fatalmente aceito.

Nesta época, e convicto de que seus delitos seriam de natureza política, poderia, perfeitamente, ter se apresentado na embaixada do Brasil em França, ou fugir daquele país, como realmente aconteceu, e solicitar asilo político no Brasil pela prática de delitos de natureza política. Ocorre que não foi este o procedimento adotado pelo cidadão italiano, preferindo ingressar no Brasil por via ilícita, utilizar documento falso, somente vindo a pedir o asilo político, após sua prisão por força do pedido de extradição do governo italiano. Sem querer entrar no mérito do assunto ou traçar críticas às decisões do STF de forma gratuita, não consegui entender porque tal pessoa permaneceu em nosso país por quase dois anos de forma ilícita, somente vindo a tentar uma regularização após a prisão por força do pedido de extradição.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No estudo do assunto, um detalhe chama a atenção dos estudiosos: nenhum tratado pode, data máxima vênia, suplantar ou superar as normas que determinam os direitos e garantias individuais. Do conjunto dessas normas, destaca-se conforme já indicado no inicio do estudo, a parte inicial do caput do artigo 5º da Carta Magna. As consequências jurídicas do assunto assumirão determinados contornos que, a meu ver, são inevitáveis e irão trazer um desconforto muito grande ao sistema das relações sociais determinado por nossa Carta Magna. E não foi outra sensação que eu senti, ao tentar responder à consulta que me foi feita por uma mãe em desespero, que apenas roga pela igualdade de tratamento entre um ente querido seu, cidadão brasileiro, e um cidadão italiano, que cometeu não apenas um mas vários homicídios e que conseguiu uma forma de perdão do governo brasileiro, criando um antecedente jurídico sensível em nosso país.

Como serão julgados os próximos pedidos de extradição em nosso país pelo mesmo fato? Se o STF deferir e o Presidente da República negar? E se o STF indeferir e o Presidente deferir? Tanto o parecer do consultor da AGU quanto a divergência inaugurada pelo ex-Ministro Eros Grau, tiveram com base uma posição adotada pelo também ex-Ministro Victor Nunes Leal, sobre a vinculação ou não do Presdente da República do julgamento do STF sobre extradição. Victor Nunes Leal foi Ministro da Corte no período de 1960 a 1969, época em que o ordenamento jurídico brasileiro não tinha regência dos princípios e normas que atualmente balizam todas as atividades do setor público brasileiro e não estava em vigor o atual Estatuto dos Estrangeiros.

O pior de tudo, a meu ver, é que o próprio Consultor reconhece que os crimes cometidos pelo cidadão italiano são crimes comuns, "porém políticas são as dimensões do fato." Considerando que o Direito Penal regula as condutas humanas reprováveis pela sociedade, principalmente em se tratando de crime hediondo, gostaria que Sua Excelência me apontesse qual é a conduta criminosa que não tem dimensão política, genericamente considerada em suas consequências?

Finalmente, outro detalhe veio à lembrança. O ministro Tarso Genro, defensor das razões humanitárias, negou asilo a dois boxeadores cubanos que, em 2007, após o Panamericano, no Rio, pediram para refugiar-se neste país, já que receava perseguições em Cuba. Todavia, inexplicavelmente, o governo brasileiro, devolveu-os a Fidel Castro, que os encarcerou. Ou seja, o Estado brasileiro ignorou as regras internacionais necessárias à concessão de asilo político, pois tratou os cubanos como se não fossem titulares de direitos internacionais. Caso os cubanos representassem o Brasil na Corte Internacional de Justiça ou na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, se em Cuba eles tivessem liberdade suficiente para questionar a decisão do Brasil, possivelmente o país seria condenado.

Permito-me ratificar que a situação criada vai gerar, forçosamente, um antecedente jurisprudencial que poderá dar muita discussão no futuro quanto aos assuntos da mesma natureza.

Da minha parte, não consigo vislumbrar no atual ordenamento jurídico, uma análise feita pelo STF quanto à natureza do delito e a presença dos pressupostos legais para a concessão de um pedido por um órgão jurisdicional, ficar ao talante de uma decisão de natureza político-ideológica de uma autoridade de outro Poder. Até neste mesmo particular, foi criado um perigoso antecedente ao sistema, que vai gerar, se já não o estiver fazendo, uma quantidade infinita de tentativas de mudanças ao texto constitucional, submetendo as decisões do Poder Judiciário ao capricho de certas posições de natureza puramente políticas.

Dentro dos meus limites de análise como advogado, professor de direito e cidadão brasileiro, não vejo possibilidade técnica do Poder Judiciário negar um pedido de habeas corpus para pessoas presas pelo cometimento de homicídio, arguido o princípio da isonomia. O cidadão italiano está livre, terá o seu pedido de permanência no Brasil deferido e será considerado pelo sistema como cidadão de bem, com todos os direitos, garantias e prerrogativas de qualquer cidadão brasileiro que se classifique como "cidadão de bem". Não poderá ser tratado de forma diferenciada em comparação à outra pessoa que tenha cometido o mesmo tipo de delito, pois nosso ordenamento jurídico não admite tal forma de discriminação, sob pena de promovermos um privilégio.

Quem viver verá.

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*Professor e advogado





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