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Entra em vigor a lei 12.403/11 -A falsa sensação que uma lei pode mudar os fatos sociais

Eduardo Antonio da Silva

A grande maioria das pessoas - mesmo advogados - confunde a prisão por decisão definitiva com prisão provisória (temporária, preventiva, e em flagrante). A definitiva é aquela sobre a qual não cabe mais recurso, e o réu foi considerado criminoso e terá de cumprir a pena, se for o caso, de aprisionamento. A temporária é aquela decretada para se evitar a destruição de provas, a coação de testemunhas, ou por que a pessoa estava cometendo o crime no momento da prisão, entre outros motivos.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Atualizado em 15 de julho de 2011 12:33


Entra em vigor a lei 12.403/11 -
a falsa sensação que uma lei pode mudar os fatos sociais

Eduardo Antonio da Silva*

A grande maioria das pessoas - mesmo advogados - confunde a prisão por decisão definitiva com prisão provisória (temporária, preventiva, e em flagrante). A definitiva é aquela sobre a qual não cabe mais recurso, e o réu foi considerado criminoso e terá de cumprir a pena, se for o caso, de aprisionamento. A temporária é aquela decretada para se evitar a destruição de provas, a coação de testemunhas, ou por que a pessoa estava cometendo o crime no momento da prisão, entre outros motivos. A CF/88 (clique aqui) prevê como uma regra geral, que ninguém pode ser considerado culpado antes de o caso não estar encerrado, ou seja, depois, que o réu seja condenado definitivamente. Isso pode demorar anos, dependendo das técnicas utilizadas pelo advogado de defesa, o que invariavelmente está ligado ao poder financeiro do réu, em poder contratar uma boa defesa. Quanto mais demorar o andamento de um processo, mais provável será a ocorrência da prescrição (que faz com que o crime desapareça mesmo a pessoa tendo cometido o crime, com provas sobre isto). Há várias causas que propiciam isto, e são complexas, nem sempre perceptíveis pela população leiga. Não se pode adotar um discurso reducionista e simples como "a culpa é do sistema recursal e formas de prescrição". Há muito mais por detrás disto.

Não vejo como "lei da impunidade" a 12.403/11 (clique aqui), mesmo porque o que se constata na nossa lamentável realidade, e isto não é exclusividade brasileira: milhares de pessoas que estão cumprindo uma pena que lá na frente pode não se confirmar... Antecipa-se a prisão para depois julgar. Pessoas presas esperam por um julgamento de primeiro grau por anos. Isso é ilógico e desumano. E se ela for declarada inocente depois? Na prática, em muitos casos, o próprio aprisionamento é estigmatizante, e por si, transforma inocentes em culpados. É mais confortável e menos arriscado para o juiz condená-los.

De outro lado - não podemos que a técnica jurídica nos torne ingênuos ou retóricos (no mal sentido do termo) - e por isto, temos de reconhecer que há criminosos que efetivamente representam ameaça à sociedade (reincidentes, assassinos em série, sonegadores contumazes, traficantes de drogas, etc.). Em relação a eles o juiz poderá lançar mão da prisão preventiva. A possibilidade de fundamentar uma decisão com base na mesma lei em comento existe e certamente será utilizada. Com a nova lei o juiz ganhou poderes mais amplos e adequados uma vez que terá a possibilidade de utilizar medidas cautelares como suspensão de atividades empresariais, etc... Parece lei da impunidade, mas conferiu poderes amplos ("super poderes") ao magistrados. Se estas medidas não derem resultado, o juiz poderá decretar a prisão. Haverá maiores possibilidades de acerto do que de erros. Prisão tem de ser exceção, e não regra.

O que não se pode admitir é uma prisão de anos, sem decisão de mérito, de uma pessoa, sem antecedentes, que tenha furtado um vidro de ervilhas, um frasco de shampoo, uma caixa de leite, ou melancias, como já vi ocorrer pelos noticiários de jurisprudência. Isso é inadmissível. Não consigo imaginar a justificativa para prender provisoriamente pessoas primárias que não representam perigo à sociedade. Não podemos justificar uma atrocidade que é a prisão, desprovida de motivos legais, seja contra quem for - um pobre coitado ou um bilionário - por questões de impunidade. Esse discurso é temerário, manipulador, e gera mais violência. Lembremos: um remédio, só o é assim, na sua dose e medida correta, se for em demasia se transformará em veneno.

A impunidade é gerada pela morosidade nos julgamentos e, principalmente, pelo despreparo estrutural da máquina pública (a polícia Federal, por exemplo, não tem pessoal suficiente para dar conta da demanda, um juiz julga milhares de processos por ano, e não tem auxiliares suficientes, etc.) e também, de certa forma pelo nosso sistema de direito escrito, diferente dos países anglo-saxões, onde vemos a morosidade dar lugar à efetividade das regras. Lá há maior flexibilidade em se julgar. Aqui o juiz está acorrentado a leis que pelo tempo se tornam obsoletas. Todavia, o grande cancro é a corrupção e a falta de políticas sociais sérias, desprovidas de viés eleitoreiro. Isso gera o abismo social entre as classes, a miséria, a falta de dignidade do ser humano, e lá no fim como efeito geral, o crime, em suas várias espécies, seja o de roubo, o de violência doméstica ou de corrupção. Mas como disse, isto não é peculiar ao Brasil, mas a uma série de países.

Às vezes, temos a falsa sensação que uma lei pode mudar os fatos sociais. E isso não ocorre. Lei não muda muita coisa, o que muda é a concretização de efetivas políticas públicas de educação. Isto não se empreende do dia para a noite.

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*Coordenador da área Penal Empresarial do escritório Martinelli Advocacia Empresarial

 

 

 

 

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