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Crepúsculo do império americano?

Não se pode confundir crise com decadência e saber diferenciar uma da outra é o que garante uma análise mais realista da atual situação dos EUA frente ao cenário mundial.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Atualizado em 16 de agosto de 2011 09:54

Crepúsculo do império americano?

Gilberto de Mello Kujawski*

O festival de equívocos na imprensa todo dia gera vacilação nas melhores cabeças: será que chegou ao fim a liderança dos Estados Unidos no mundo? Será verdade que a crise financeira ameaça transformar o país mais rico e poderoso da atualidade numa vergonhosa república de bananas? Será possível que o poderio econômico e político ianque vai abrir falência?

Algumas pessoas mais bem informadas, com um mínimo de formação histórica não pensam assim. É claro que o mundo vai acabar um dia, mas não é para já. Segundo os astrônomos, que erram bem menos do que os economistas, o fim do universo está marcado para daqui a uns 13 bilhões de anos. Os Estados Unidos também vão acabar. Mas não amanhã nem depois de amanhã. Roma levou três séculos para se arruinar. E na verdade não acabou, mas se transformou. Está na raiz da Igreja Católica, dos países europeus surgidos após a Idade Média, de suas línguas, e de certas instituições como o direito romano, o município, etc.

Não que sejamos obrigados a admirar e a dizer amém a tudo o que venha dos USA. Não se trata de subserviência aos modelos importados. Muita gente não suporta o estilo gótico em arquitetura. Mas o fato é que as catedrais na Europa estão ali de pé faz séculos, e só um terremoto vai destruí-las. Inconcebível visitar Paris e ignorar Notre-Dame. Temos que contar com ela, para o bem ou para o mal.

Os Estados Unidos podem não figurar entre as maravilhas do universo, mas sua presença se impõe e será assim durante muito tempo.

Em primeiro lugar, não se confunda crise com decadência. Esta última decorre dos fundamentos do país, da civilização, etc. e é irreversível. Já a crise não passa de um acidente de percurso e sempre tem volta (crise da adolescência, do abastecimento, da política, etc.). Os Estados Unidos não se resumem a nenhum acidente da história. Pelo contrário, constituem uma construção assentada em sólidos fundamentos, como a tradição puritana da moral e do trabalho, e a primazia da liberdade individual contra as pressões do Estado, uma realidade forte e consistente à prova das piores intempéries econômicas e políticas.

O artigo do jornalista Moisés Naim, editor-chefe da revista Foreign Policy, aqui publicado no Estadão (05/08/2011), com máximo brilho, solidez e honestidade, responde categoricamente a essa basbaquice, tão difundida, da "decadência do império americano".

Em meio aos rumores insistentes de que o sistema americano está a ponto de deixar de ser uma economia de mercado, anunciando a liquidação final do capitalismo, esquece-se de que as fontes das quais emana o poder americano continuam sólidas como sempre: Wall Street, o Pentágono, o Vale do Silício, as universidades, apesar dos abalos sofridos, brilham no primeiro lugar sobre as rivais de outros países.

"O poder absoluto - assinala Naím - não importa. O que importa é o poder relativo aos rivais. Embora os EUA possam estar se enfraquecendo e declinando em poder absoluto seus competidores também estão passando por problemas e enfrentam desafios difíceis e ameaças externas e internas, políticas e econômicas."

Quanto à influência de ideias radicais e debilitantes e a ascensão de minorias virulentas à semelhança do Tea Party, costumam evaporar-se rapidamente, bastando lembrar o macarthismo e movimentos populistas como o de Ross Perot. Historicamente, têm vida curta nos EUA.

Em suma, finaliza Moisés Naím: "Os EUA enfrentam problemas enormes? Sim. Estão enfraquecidos? Sim. Mais que outros países? Não."

Naím não está só. Todos os analistas dotados de perspectiva histórica pensam da mesma forma. Marcos Guterman cita alguns nomes: Joseph Nye, de Harvard, teórico do "poder brando" americano, traduzido não no campo militar, mas no econômico cultural. O historiador Antonio Pedro Tota esclarece que a hegemonia mundial vai, aos poucos, sendo compartilhada entre novos atores, o que não significa a aposentadoria dos EUA à frente dos demais países. E o nosso Rubens Ricupero, ex-embaixador do Brasil nos EUA, é enfático em afirmar que a grande potência americana não pode ser desafiada em sua liderança global mesmo estando em crise. Os chineses? Eles podem entrar na competição pela liderança mundial, não há dúvida. Com a diferença de que "os EUA têm a fábrica dos sonhos. Qual é o sonho que os chineses fabricam?" (Marcos Guterman, no artigo "Suspendam o obituário", Estadão em 14/8/2011).

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*Ex-promotor de Justiça. Escritor e jornalista



 

 

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