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Direita e esquerda, ou a hemiplegia política

A contraposição absoluta entre direita e esquerda foi atenuada no momento em que as classes dominantes perceberam que não podem sobreviver sem acordo com as dominadas.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Atualizado em 31 de maio de 2012 14:38

A grande imprensa é engraçada. Quer ser moderna, ultra-atualizada, até mesmo pós-moderna, mas vive repisando posições de há muito ultrapassadas.

Certo jornal paulistano, de grande circulação, acaba de publicar extensa matéria sob o título bobeira "Sem medo de ser de esquerda ou de direita" (26-05-2012). Convocou três intelectuais que assinam colunas nos principais periódicos da capital paulista para discutirem dois livros lançados recentemente sobre aquela "ancestral polêmica", no dizer do apresentador do texto.

O Zaratustra de Nietzsche proclamava que "Deus morreu". Para mim Deus está bem vivo, inclusive no coração dos que batem no peito anunciando que são ateus. Será que ainda não se reparou como essa palavra "ateu" é feia, quase um palavrão?

Em nossos dias seria adequado dizer, com todos os ss e rr, que "a ideologia morreu", e só os intelectuais com viseiras nos olhos ainda não sabem, ou se recusam a saber.

Eu, por exemplo, sou destro. Utilizo de preferência a mão direita. Mas o que reparo é que minhas duas mãos são amigas e colaboradoras permanentes uma com a outra. Há muitas tarefas que só posso executar com o concurso da mão direita com a mão esquerda, como guiar carro, manejar talheres, escrever no computador, abrir uma dessas invioláveis embalagens adquiridas em lojas ou super-mercados, etc.

O que ocorreu historicamente foi a simbiose entre esquerda e direita. No século XIX, até a metade do século XX, esquerda e direita se confrontavam em luta épica, guerra de morte, porque outras eram as condições sociais, próprias a exacerbar a luta de classes às últimas conseqüências. As classes sociais eram irredutíveis em sua verticalidade e impermeáveis entre si. Hoje em dia aquela contraposição absoluta entre esquerda e direita foi muita atenuada porque as classes dominantes perceberam que não podem sobreviver sem acordo com as classes dominadas.

A esquerda tinha sua tônica no social e na justiça social, ignorando os direitos individuais. A direita fazia o contrário, defendia com unhas e dentes o direitos do indivíduo e dava de ombros para os direitos da sociedade como um todo. Hoje tudo mudou.

O único socialismo possível e em vigência apressa-se a reconhecer direitos individuais, como a liberdade de pensamento, a propriedade e a privacidade. Por sua vez, o antigo e malsinado "liberalismo individualista", típico do século XIX, deu lugar ao liberalismo social. Porque se é verdade que se a vida individual constitui a realidade radical, o conteúdo ou a substância do indivíduo é toda ela social, como a língua, usos e costumes, expectativas de futuro, como o direitos humanos e o equilíbrio ecológico, etc.

Acabou a oposição que alguém chamou de "hemiplegia política". Hoje em dia, esquerda e direita podem se entender tão civilizadamente como a mão esquerda e a direita.

A nova ordem é somar os contrários para que não sejam contrários.

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* Gilberto de Mello Kujawski é procurador de Justiça aposentado, escritor e jornalista



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