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O mind set da sociedade brasileira sobre a privacidade de dados

Dirceu Gardel

Não podemos, em nome da privacidade, criar a fantasia de que eventuais desvios da conduta normal exigida pela sociedade sejam protegidos por sigilo que a lei não dispõe.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Atualizado em 15 de junho de 2012 08:38

Em fevereiro deste ano o Ministro do TST - Renato de Lacerda Paiva foi o relator de uma decisão daquele Tribunal, cujo cerne da questão seria aferir se a prática da empresa ré ao eliminar os candidatos a serem admitidos que tivessem os nomes inscritos nos cadastros de proteção ao crédito, bem como os que possuem pendências judiciais ou perante a polícia, revelar-se-ia ou não forma de discriminação.

Inúmeras foram as manifestações a respeito do tema, inclusive em nosso congresso ingressaram projetos para regular a questão, sempre sob o manto da proteção aos direitos individuais.

Entendeu o Exmo. Ministro que "a discriminação vedada pelo legislador é aquela decorrente de condição pessoal (sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade), vale dizer - discriminação por preconceito, e não de conduta pessoal (maneira de procedimento do indivíduo em suas relações interpessoais no seio da sociedade)."

E ainda destacou: "é de se observar que qualquer processo seletivo, seja na administração pública ou privada, sustenta-se exatamente na discriminação (separação e escolha), método pelo qual se apura a diferenciação de qualificação (técnica ou científica) para o cargo e de conduta pessoal (vida pregressa), além das condições de saúde dos candidatos, sendo conveniente ressaltar que a variável conduta pessoal não tem, nem precisa ter qualquer correlação lógica com as atividades a serem desenvolvidas. Vale dizer - selecionar significa exatamente apurar diferenças, separar e escolher (discriminar). Logo, em um universo de pessoas ou coisas iguais não pode haver processo seletivo."

Tendo como pano de fundo essa decisão proponho uma reflexão importante para os nossos dias que é a da privacidade de dados, pois diariamente temos encontrado conceitos desalinhados a cerca desse tema.

Se por um lado a nossa Constituição Federal no artigo 5º inciso X prevê a inviolabilidade da intimidade e da vida privada, nesse mesmo artigo no inciso XIV é assegurado o acesso à informação.

Observamos aqui a primeira confusão que encontramos sobre a questão, pois o conteúdo dos bancos de dados sobre pessoas físicas ou jurídicas são dados e informações eminentemente cadastrais e de comportamento de consumo e crédito.

Desde logo é importante destacar que dados cadastrais que se resumem a nome, endereço, profissão, data de nascimento, naturalidade, nacionalidade, estado civil, nº do RG e CPF/MF, telefone, endereço, endereço eletrônico não fazem parte das informações que possam ser classificadas como íntimas, invioláveis ou mesmo privadas.

Afinal, basta o leitor verificar seu talão de cheques e em cada uma das cártulas constatará que ali estão grafados além do seu nome completo, o número do seu documento de identidade e de sua inscrição no CPF/MF, sem contar que na mesma cártula indica o nº da agência, Banco e número da conta corrente.

Vale lembrar que o cheque por se tratar de título de crédito, tem como um dos requisitos a circularização, e portanto estes dados circulam livremente pelo mercado em geral, não há portanto que se falar que os dados cadastrais estejam cobertos por qualquer restrição legal.

Destaque-se ainda que os números de identidade e de cadastro do CPF/MF são dados públicos, pois não são de propriedade da pessoa física, mas sim do ente público que os atribuiu àquela pessoa.

Vencida a questão dos dados cadastrais, seguimos agora analisando as informações de comportamento de crédito e consumo das pessoas físicas e jurídicas.

Atualmente o que os bancos de dados possuem além das informações cadastrais são informações a cerca de eventual inadimplência, valores, datas de vencimentos etc.

Com o advento da Lei 12.414/2011 que disciplina a formação e consulta a bancos de dados com informações para formação de histórico de crédito, após a autorização de cada um dos cadastrados, os bancos de dados passarão a ter um conjunto de informações capaz de demonstrar o comportamento de crédito, ou seja, quais os compromissos financeiros assumidos, se estão sendo pagos em dia, se em atraso, qual a média de atraso, comprometimento de renda, entre outras informações.

Destaque-se que embora previamente autorizado pelo próprio cadastrado, mais uma vez as informações não serão aquelas que possam ser equiparadas como íntimas ou pertinentes à vida privada.

Enfim, estamos diante de uma importante missão que é a de desmistificar a questão da privacidade, defendemos sim a privacidade e a intimidade, que se resume do que é íntimo, interior e profundo do próprio ser, mas não podemos em nome da privacidade criar a fantasia de que eventuais desvios da conduta normal exigida pela sociedade sejam protegidos por sigilo que a Lei não dispõe.

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* Dirceu Gardel é advogado, diretor jurídico da Boa Vista Serviços S/A

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