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Direitos humanos e Estado

André Gonçalves Fernandes

A ética dos direitos humanos, mais precisamente no campo do direito à liberdade, também fundamenta proibições.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Atualizado em 3 de agosto de 2012 07:38

Atualmente, para muitas pessoas, existe uma certa dificuldade de entendimento de que a ética dos direitos humanos, mais precisamente no campo do direito à liberdade, também possa fundamentar algumas proibições. A esse propósito, já foi dito corretamente que a experiência política moderna migrou de uma compreensão dos direitos e liberdades fundamentais do indivíduo ante o Estado, para a busca de um sentido mais institucional de tais direitos.

Já não é somente um rol de liberdades que serve de anteparo contra a interferência arbitrária do Estado, mas expressa uma ordem de valores que a comunidade política há de cultivar e transmitir para as gerações sucessivas.

Os direitos fundamentais, entendidos dessa forma, não são mais liberdades ante o Estado, mas no próprio Estado.

Importantes estudos acadêmicos têm contribuído para estabelecer que os direitos fundamentais, especialmente o direto à vida, além de garantir a imunidade frente ao Estado, conferem também ao indivíduo o direito de ser protegido, por meio de leis, das ingerências ilegítimas de outras pessoas.

Nesse ponto, alguns poderiam argumentar que o direito poderia assumir um perfil repressivo. Por trás do verniz demagógico dessa afirmação, gostaria de saber, como magistrado e professor, como é possível reconhecer e tutelar qualquer direito humano, sem que seja preciso constranger juridicamente os cidadãos a se omitirem de certas ações danosas frente ao titular daquele direito ameaçado.

Se a liberdade do indivíduo não pode ser civil ou penalmente protegida contra a ameaça proveniente do abuso no exercício da liberdade pelos outros, não teria muito sentido em falar do significado da liberdade para a vida social como um todo: prevaleceria a lei do mais forte. E, como consequência, os efeitos sociais benéficos dos direitos humanos seriam postos em discussão, pois até mesmo a realização das liberdades individuais resultaria seriamente ameaçada.

Quando o Estado introduz no ordenamento jurídico o princípio da inviolabilidade absoluta da vida humana, não se está aceitando um princípio confessional ou um critério estranho à ideia moderna de política. Esse princípio responde a um dos valores substanciais-a vida-e a um dos princípios fundamentais- o da igualdade - sobre os quais se baseia a cultura política contemporânea.

Do contrário, o Estado atuaria segundo o laicismo, essa versão deturpada de laicidade e que refuta a presença do religioso na vida social, não o acolhendo com a mesma naturalidade do elemento ideológico, cultural ou social.

Evidente que, quem se fecha a uma visão transcendente da existência, tende a reduzir tudo ao argumento político e a avaliar, sob a ótica estrita do poder, todo o dinamismo social.

Dois dos grandes mestres do pensamento político, Aristóteles e Platão, chegaram à conclusão de que um Estado ideal seria aquele capaz de cumprir sua função de garantir a paz, a justiça e o bem-estar social, para o que demandaria um governo respeitado e justo, o qual saiba respeitar os direitos dos cidadãos e fazer observar os deveres por parte de todos.

Norberto Bobbio respondia acertadamente, a quem se valia do pacto social para relativizar as questões bioéticas, "que o primeiro grande escritor político que formulou a tese do contrato social, Thomas Hobbes, dizia que o único direito, ao qual os contratantes não haviam renunciado ao entrar na sociedade, era o direito à vida".

Respeito ao direito à vida foi, é e será sempre o distintivo fundamental de uma cultura política que a consciência humana pode sustentar sem ficar envergonhada.

Com respeito à divergência, é o que penso.

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*André Gonçalves Fernandes é juiz de Direito e professor do CEU-IICS Escola de Direito.

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