MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Empréstimo "sem consulta aos serviços de proteção ao crédito"

Empréstimo "sem consulta aos serviços de proteção ao crédito"

Fernando Sacco Neto

Esse tipo de anúncio de concessão de crédito deveria ser expressamente proibido.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Atualizado em 17 de agosto de 2012 12:41

Alguns fornecedores, em suas ofertas publicitárias, destacam que as transações são efetuadas "sem consulta aos serviços de proteção ao crédito", tais como o SCPC.

Sem rodeios, um dos principais recados que esse ofertante pretende dar é o seguinte: "consumidor, o fato de você estar inadimplente não nos impede de fazermos negócios, portanto venha ao meu estabelecimento e tenha acesso tranquilo e irrestrito ao crédito, pois sua situação cadastral/creditícia não será consultada, ou seja, eu desconsidero o fato de você ser ou não inadimplente".

Esses estímulos publicitários devem ter sido elaborados pressupondo-se que, ao final, o lucro compensará a inadimplência. O fornecedor que assim procede muito provavelmente já estimou e precificou seu risco e seu faturamento, aplicando taxas e preços iguais tanto para os bons como para os maus pagadores.

Dessa forma, se o perfil cadastral/creditício do consumidor não interessa ao fornecedor, e se o tratamento para adimplentes e inadimplentes é exatamente o mesmo, conclui-se, de pronto, que o princípio da igualdade previsto no caput do art. 5º da Constituição Federal está sendo desrespeitado, pois pessoas desiguais estão sendo tratadas igualmente.

E os consumidores que tiveram contratado junto a esses estabelecimentos, e quitado integralmente seus compromissos, provavelmente terão pagado, ao final, taxas e juros acima daquilo que seria o justo e razoável.

O fornecedor que pratica esse tipo de publicidade estimula a procura e a obtenção - irresponsável - de crédito, contribuindo para o aumento do superendividamento e, nesse aspecto, prejudicando os consumidores e toda a sociedade. Ao assim proceder, esse fornecedor desrespeita ao dever de informação previsto no artigo 4º, inciso IV, e no artigo 6º, inciso III, todos do Código de Defesa do Consumidor.

Justamente na sociedade em que a informação transita em alta intensidade e figura como bem extremamente valioso, muitos fornecedores ainda se valem da carência do consumidor vulnerável para exploração de suas fragilidades, estimulando, por vezes, um consumo irrefreado, e embriagando o consumidor com oferecimento de crédito supostamente "fácil".

A temática adquire contornos de maior destaque ao considerarmos que segmentos mais frágeis, tais como aposentados, idosos, analfabetos e desempregados, também podem atingir situações de superendividamento, porém com maiores dificuldades para superação.

Lembremos que a educação financeira começou, há pouco, a ser assunto no Brasil. Assim, o desconhecimento dos postulados básicos do mundo das finanças por grande parte da população acaba gerando oportunidades de lucros individuais aos fornecedores, porém com potencial de sequelas sociais.

Analisando sob outro ponto de vista, esse fornecedor - que anuncia concessão de crédito sem consulta aos cadastros pertinentes - também em nada contribui sob o aspecto concorrencial, pois ao assumir elevados níveis de risco de inadimplência - vez que aceita endividados como clientes com tranquilidade e naturalidade -, acaba estimulando e pressionando outras empresas do gênero a fazer o mesmo.

Ao contrário, o fornecedor que, responsavelmente, consulta as informações dos serviços de proteção ao crédito antes de celebrar seus negócios está a proteger não apenas a si próprio, mas também ao consumidor solicitante do crédito e à estabilidade das relações sociais, creditícias e econômicas, minimizando o risco de inadimplência e maximizando as chances de que as transações efetuadas sejam mais justas e com mais chances de sucesso para as partes envolvidas.

Nesse prisma, entendemos que deveria ser expressamente proibido o anúncio de concessão de crédito sem consulta aos cadastros de proteção ao crédito (cujas atividades estão normatizadas principalmente pelo artigo 43 do CDC). E a instituição que assim proceder deve poder ser, inclusive, responsabilizada pela concessão negligente do crédito, mormente pelo risco de deterioração e agravamento da situação financeira do consumidor (independentemente da materialização da situação de inadimplência e de superendividamento). O tema precisa ser abordado como questão social que é.

A Comissão de Juristas responsável pela elaboração do Anteprojeto de atualização do CDC andou bem ao inserir, no art. 54-B, § 4º, inciso III do referido Anteprojeto, dispositivo que proíbe a indicação, publicitária ou não, de que uma operação de crédito poderá ser concluída sem consulta a serviços de proteção ao crédito ou sem avaliação da situação financeira do consumidor.

O pujante crescimento da economia brasileira e o aumento do acesso ao crédito exige, dos atores participantes das relações de consumo, uma sintonia plena para com a função social dos contratos e a boa-fé, esperando-se nada menos do que comportamentos cooperativos dos envolvidos.

E ainda que tenha demorado, a aprovação do Cadastro Positivo por meio da lei 12.414/2011 é um dos maiores indicativos de que o consumidor bom pagador, que honra seus compromissos creditícios em dia, deve ser tratado diferentemente, com possibilidade de acesso a condições negociais mais favoráveis.

__________

* Fernando Sacco Neto é superintendente jurídico da Boa Vista Serviços S/A, mestre e doutor em direito das relações sociais pela PUC/SP e professor de pós-graduação da PUC/SP-Cogeae

__________

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca