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No cafezinho do Senado

Cássio Roberto dos Santos Andrade

Até antes da lei que viabiliza o acesso aos vencimentos dos servidores públicos, era no cafezinho do Senado que se encontravam os bons aromas da democracia, onde os servidores, independentemente do cargo, se relacionavam no plano horizontal das igualdades humanas.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Atualizado em 26 de novembro de 2012 15:00

Regado pela delícia da informalidade, é no cafezinho do Senado que se encontram os bons aromas da democracia, onde os servidores, independentemente do cargo, se relacionam no plano horizontal das igualdades humanas.

São histórias e mais histórias de casais que se formam, famílias que se unem, alegrias que se compartilham. Veroca, por exemplo, está há mais de 20 anos no serviço público, desde que lá ingressou pela porta honesta do concurso, assumindo o cargo de taquígrafa. É bem relacionada e querida pelos colegas, sobretudo pela chefia com quem mantém um vínculo de respeito e intimidade, a ponto de retirar do bolso da chefe um cigarrinho filado todos os dias após o café da tarde.

Naturalmente que não raras vezes aparece um movimento de insatisfação monetária, contornado pelos mecanismos seguros da reposição constante, como se reivindicação e recomposição formassem um par indefectível na dança interminável da felicidade congressional. O fato é que não se tem lembrança de uma má notícia que conseguisse nublar esse céu de brigadeiro e caviar.

Como atrás dos bons tempos é que se escondem as piores tempestades, surge no cenário a lei que viabiliza o acesso aos vencimentos dos servidores públicos. No entanto, para checar os dados do Congresso Nacional, é preciso que o bisbilhoteiro se identifique com nome, CPF, endereço, IP e outros afins. Essa reciprocidade fez com que o repórter da ONG "Contas Abertas", Guilherme Oliveira, responsável em averiguar se a Lei de Acesso à Informação está sendo cumprida, fosse apelidado de Guilherme Canalhão, segundo nos revela a revista Piauí de novembro de 2012, o que lhe rendeu dezenas de e-mails e telefonemas nada cordiais.

Mas não é só Canalhão que vem tendo problemas. Na mesma magazine consta que um analista judiciário do TSE, cujo contracheque registra R$ 18.451,78 reais líquidos, não suportou conter o vício da curiosidade e consultou ao acaso o salário de uma taquígrafa do Legislativo, deparando-se com o valor líquido de R$ 22.268,90 reais. Obteve uma resposta que lhe afetou os nervos, levando-o a demandar em busca de justiça.

A transparência retira muito da maquiagem e expõe as rugas. Já no café seguinte à disponibilização dos dados o clima deixou de ser ameno. Primeiro veio a desgraça da comparação a retirar toda a graciosidade do ambiente. Depois, assomou-se o sentimento de injustiça. A revolta mais contundente emergiu quando a chefe descobriu que Veroca, pelos serviços de escrevente, recebe R$ 22.987,22 reais líquidos, ou seja, duas notas de cem a mais que ela. A dor maior calou-lhe mais fundo foi no encontro de contas que a madrugada costuma impor aos honestos, quando contabilizou perto de 2435 cigarrinhos filados.

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* Cássio Roberto dos Santos Andrade é advogado, professor de Direito e procurador do Estado de Minas Gerais






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