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Constitucionalidade da vedação para aquisição de terras rurais por estrangeiros

Felipe Chagas Villasuso Lago

O Conselho Nacional de Justiça em recente parecer assegura que o parágrafo 1º do artigo 1º da lei 5.709 de 1971 não foi recepcionado pela nossa CF, dispensando as formalidades dispostas naquela legislação aos estrangeiros.

sábado, 18 de maio de 2013

Atualizado em 17 de maio de 2013 16:27

A limitação à aquisição de terras rurais por investidores estrangeiros é política mundialmente conhecida pelas polêmicas discussões e, seguindo essa tendência, o PL 2.289/07 vem provocando tanto a manifestação da advocacia, quanto do poder público mediante a emissão de novos pareceres da AGU, normativos das Prefeituras Municipais e decisões judiciais.

Como será demonstrado a seguir, infere-se que a legislação que deu origem ao PL 2.289, elaborada na década de 70, envolvia outra realidade em relação aos dias atuais, sem considerar que a própria receptividade da CF tem sido bastante questionada. Isto porque, por conta da EC 6 de 1995, foi o artigo 171 da CF, principal fundamento daqueles normativos que diferenciava a sociedade de capital brasileiro da sociedade brasileira com participação de estrangeiros.

A proibição sempre foi aplicada àquelas sociedades que possuam controle societário majoritário, direto ou indireto, detido por sócios ou acionistas estrangeiros. Dentre as justificativas apresentadas para este controle de investimento, destaca-se a defesa da soberania, aqui entendida como a proteção das faixas de fronteira, assim como a prevalência do direito agrário nacional em face do interesse do estrangeiro.

No afã de sanar esta questão da receptividade pela CF, busca o PL 2.289 restabelecer as duas modalidades de limitação presentes nos antigos normativos, sendo: (i) a aquisição propriamente dita, conforme a lei 5.709 de 1971; e (ii) aquisição, posse, superfície ou usufruto de terras em faixa de fronteira, conforme a lei 6.634 de 1979.

Seguindo a linha dos antigos normativos, o Projeto mantém os critérios quantitativos para a incidência da proibição, envolvendo certa quantidade1 de módulos fiscais por município, bem como determinando que determinada nacionalidade não deve ultrapassar 25% (vinte e cinco) por cento dos imóveis rurais de determinado município.

Enquanto ativa a discussão do PL 2.289, tivemos a publicação do parecer 01/2008-RVJ da CGU/AGU em agosto de 2010, em substituição ao parecer GQ-181, de 1998, oportunidade em que a AGU entendeu como vigente o parágrafo 1º do artigo 1º da lei 5.709 de 1971, muito embora tenha sido revogado o mencionado artigo 171 da CF.

Este normativo causou, e vem causando, muita burocracia para os negócios envolvendo estrangeiros, sobretudo dos cartórios de notas e de registro de imóveis. Exemplo disso, é a Instrução Normativa Conjunta 1/12, do Ministério de Desenvolvimento Agrário, que regulamenta um processo, extremamente burocrático e criterioso, para que investidores estrangeiros possam adquirir ou arrendar terras rurais.

Reflexos deste entendimento normativo podem ser verificados em diferentes contextos, dentre os quais se destaca maior relevância:

(i) A dificuldade que as instituições financeiras passaram a ter para executar dívidas com garantias lastreadas em terras rurais;

(ii) Companhias de capital aberto que em decorrência do controle pulverizado podem ser nacionais ou estrangeiras dependendo da negociação da Bolsa de Valores;

(iii) Bancos de Investimentos e demais investidores com atuação em capital de risco ("Private Equity") e financiamento de Projetos ("Project Finance") que, em decorrência da natureza de seus investimentos, necessitam deter a propriedade ou ao menos a posse de terras rurais.

Como se vê, não são poucas as dificuldades que estão sendo enfrentadas pelos estrangeiros que necessitam investir em terras rurais para exercer a sua atividade. O poder público não tem considerado que determinadas atividades, sobretudo as de infraestrutura, necessitam de alto grau de investimento para o desenvolvimento da economia Brasileira e a manutenção do grau de investimento a nós concedido.

Além do aspecto econômico e burocrático, indubitavelmente as medidas contrariam importantes princípios da nossa Constituição, quais sejam:

(i) Livre Iniciativa, ao tratar de forma desigual as companhias de capital nacional em face das de capital estrangeiro, especialmente por conta da revogação do artigo 171;

(ii) Segurança Jurídica e Razoabilidade, ao emitir pareceres vinculantes com base em fundamentos revogados, bem como regulamentar vedações sem analisar profundamente setores da economia que não poderiam ter esta vedação para o exercício de suas atividades; e

(iii) Ato Jurídico Perfeito e Direito Adquirido, ao permitir que cartórios de notas e de registro de imóveis e demais órgãos da administração pública, proíbam a aquisição ou arrendamento de terras rurais cujo investimento já tenha sido comprometido por investidores estrangeiros.

Em relação ao item "iii", vale frisar que foi proferida decisão pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo2 garantindo direito líquido e certo de averbação no registro de imóveis a incorporação de sociedade detentora de imóveis rurais tendo em conta que o negócio ocorreu anteriormente à publicação do parecer da AGU em 2010.

Vale dizer que este primeiro precedente seria somente um pequeno problema diante dos demais prejuízos acima destacados e que certamente deverão ser objeto de novas decisões judiciais.

Por outro lado, felizmente contrariando medidas legislativas acima destacadas, verifica-se que o Conselho Nacional de Justiça em recente parecer3 assegura que o parágrafo 1º do artigo 1º da lei 5.709 de 1971 não foi recepcionado pela nossa Constituição, dispensando as formalidades dispostas naquela legislação aos estrangeiros.

Espera-se, portanto, que, diante do mencionado conflito constitucional acima destacado, o parecer do Conselho Nacional de Justiça seja respeitado e, caso seja mantido o andamento do PL 2.289, sejam incluídas as exceções aqui sugeridas para que não haja expressa afronta à nossa CF, assim como o desenvolvimento da economia brasileira.

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1 3 módulos: liberado; e 3 a 50 módulos: autorização prévia do INCRA e elaboração de projeto.

2 TJ- SP MS 0058947-33.2012.8.26.0000, em 12.9.2012.

3 Processo nº 2010/23224, Parecer CNJ: 461/2012-E

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* Felipe Chagas Villasuso Lago é advogado e membro da comissão dos novos advogados do IASP.

 

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