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O Comitê de Aquisições e Fusões - CAF

Thereza Valladares Souza Frauches e Flávia Figueiredo Franco Carmo

Em agosto, o Comitê passa a atuar na edição, aplicação e atualização do Código de Autorregulação de Aquisições e Fusões, bem como na fiscalização de todas as modalidades de ofertas públicas de aquisição de ações e das operações de incorporação.

terça-feira, 23 de julho de 2013

Atualizado em 22 de julho de 2013 15:17

A partir de agosto de 2013, o mercado de capitais brasileiro passará a contar com um novo órgão regulatório, destinado à regulamentação e fiscalização de OPAs - ofertas públicas de aquisição de ações e operações de reorganização societária que envolvam companhias abertas: o CAF - Comitê de Aquisições e Fusões. Trata-se de entidade de natureza privada, criada por representantes dos principais participantes do mercado de valores mobiliários brasileiro, por meio da ACAF - Associação dos Apoiadores do Comitê de Aquisições e Fusões (associação sem finalidade lucrativa constituída pela BM&FBOVESPA; Associação de Investidores no Mercado de Capitais - AMEC; Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais - ANBIMA e Instituto Brasileiro de Governança Corporativa- IBGC, com o objetivo de constituir, manter e administrar o CAF).

A instituição de um novo modelo regulatório, complementar à entidade estatutária já existente, a CVM - Comissão de Valores Mobiliários, vem em resposta aos constantes questionamentos levantados em operações de alteração de controle, relativos à equidade do tratamento dispensado aos minoritários, à qualidade das informações apresentadas aos demais investidores e à agilidade das decisões pertinentes ao processo.

A Inspiração do CAF - o Takeover Panel

A criação do CAF foi baseada no modelo britânico do Takeover Panel, órgão incumbido da fiscalização e normatização das operações de fusão e aquisição no Reino Unido. O Takeover Panel é uma entidade de caráter originalmente autorregulatório, criada em 1968 pelos representantes do mercado de capitais britânico, entre os quais estão o Bank of England e a London Stock Exchange. Seu papel inclui a edição, atualização e aplicação do City Code on Takeovers and Mergers - o "Takeover Code", código de regulação das operações de concentração empresarial, além da fiscalização e julgamento das operações de fusão e aquisição a ele submetidas, com o objetivo de garantir um tratamento justo aos acionistas e conferir transparência a tais operações.

Historicamente, as decisões emitidas pelo Takeover Panel inglês não possuíam força vinculante, tendo em vista a natureza do órgão, criado por uma associação de entes privados e não por lei. A partir de julho de 2007, o Takeover Panel passou a ser órgão estatutário previsto no Companies Act 2006, com poder de impor sanções e executar suas próprias decisões. De acordo com os poderes que lhe são conferidos pelo Companies Act, o Takeover Panel inglês pode intervir em qualquer operação ou ato de concentração empresarial, quando provocado por um acionista, investidor ou outros interessados ou, ainda, de ofício, quando entender que existe infração das normas de boa conduta comercial. O órgão exerce também função consultiva, podendo as partes submeter uma operação à consideração do Takeover Panel, prévia ou durante sua realização, ou efetuar consultas sobre pontos específicos.

Funções e Forma de Atuação do CAF

No Brasil, as funções do CAF consistirão na edição, aplicação e atualização do Código de Autorregulação de Aquisições e Fusões, bem como a fiscalização, mediante provocação, de todas as modalidades de ofertas públicas de aquisição de ações e das operações de incorporação, incorporação de ações, fusão e cisão com incorporação envolvendo companhias abertas.

Assim como a versão original do Takeover Panel, o CAF a princípio funcionará com base em um modelo de autorregulação voluntária, o que significa que sua jurisdição somente será imposta às companhias que voluntariamente a ela se submeterem. A adesão ao CAF será formalizada por meio da inclusão, no estatuto social, de cláusula prevendo que a companhia, seus acionistas e administradores estão obrigados a cumprir as regras do Código de Autorregulação e a respeitar as decisões do CAF. Ainda, os acionistas controladores, administradores, membros do conselho fiscal e demais órgãos criados por disposição estatutária deverão assinar termo de anuência, comprometendo-se expressamente com tais obrigações. Adicionalmente, os participantes em ofertas públicas de aquisição ou reorganizações societárias que não tenham aderido ao CAF previamente poderão submeter à sua análise tais operações, através de consultas específicas e não vinculantes, a fim de que o CAF avalie a regularidade da operação e o atendimento do Código de Autorregulação.

Por conta de sua natureza privada, o CAF não possuirá poder de executar suas próprias decisões ou as penalidades aplicadas por inobservância das normas previstas no Código de Autorregulação, salvo quando tratar-se de advertência, censura ou retirada do Selo CAF. Ao identificar o descumprimento a normas legais ou regulamentares, o CAF deverá comunicar o fato à CVM, que possui autoridade para tomar providências necessárias no âmbito legal. Assim, a atuação do CAF dependerá, em grande monta, do convênio de cooperação que será celebrado com a CVM, o qual disciplinará a atuação da CVM em relação às decisões do CAF. Esse documento será de grande relevância na delimitação do poder da CVM de revisar ou questionar o mérito das decisões do CAF. Para que a parceria tenha êxito, é imprescindível que o papel da CVM na implantação das decisões do CAF esteja bem definido, a fim de que a CVM não intervenha indevidamente na atuação do Comitê, prejudicando sua força como entidade reguladora do mercado financeiro.

O Colegiado da CVM já deliberou, contudo, que o convênio de cooperação a ser celebrado com o CAF outorgará presunção de regularidade às OPAs e às operações de reorganização societária entre partes relacionadas que sigam os procedimentos estabelecidos no Código de Autorregulação. Desse modo, a adesão ao CAF será pressuposto de que a companhia aderente resguarda os direitos de seus investidores e acionistas minoritários, bem como observa as melhores práticas de governança corporativa. Os defensores do CAF preveem que, em função das garantias de transparência e segurança que o Selo CAF representará, o mercado passará a preferir as companhias aderentes às demais, facilitando a atração de investimentos e a captação de recursos por estas sociedades. A tendência do mercado a preferir alocar seus recursos em sociedades que se sujeitem voluntariamente a regras mais rígidas de governança corporativa já foi observada em outros mercados com modelos regulatórios similares, como Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia.

O Código de Autorregulação do CAF

Seguindo o modelo do Takeover Code, o Código de Autorregulação brasileiro constitui um conjunto de princípios e regras, os quais visam, em última instância, garantir tratamento justo e igualitário a acionistas detentores de ações de uma mesma classe e tratamento equitativo, em caso de acionistas detentores de ações de classes diferentes, em operações de reorganização societária.

O Código traz regras adicionais aos dispositivos legais e regulamentares aplicáveis às operações em relação às quais o CAF tenha competência, disciplinando todas as modalidades de OPA obrigatórias e voluntárias, assim como as operações de reestruturação societária - fusões, incorporações de companhias e de ações, particularmente quando envolverem partes relacionadas. Os princípios e regras de governança corporativa previstos no código procuram garantir maior proteção aos minoritários, assegurando que a decisão final a respeito de uma OPA ou reorganização societária seja sempre dos acionistas e não da administração. Alguns dos princípios elencados no Código de Autorregulação são: o amplo acesso dos minoritários às informações relativas às operações de alteração de controle e reorganização societária a que for submetida a companhia; a obrigatoriedade de o conselho de administração se manifestar expressamente sobre os efeitos da operação sobre a companhia; que a companhia e o mercado de valores mobiliários não tenham seus negócios afetados injustificadamente pela OPA ou pela operação de reorganização societária, evitando que sejam divulgadas ofertas ou operações temerárias ou meramente especulativas; e que as partes envolvidas em operações dessa natureza se abstenham de praticar atos com abuso de direito ou realizar operações que possam criar condições artificiais para a negociação das ações, bem como utilizar informações confidenciais em proveito próprio ou de terceiros.

Ademais, o código cria uma nova modalidade de OPA obrigatória, a oferta pública por atingimento de participação acionária relevante, que objetiva regular os casos de aquisição de posição acionária relevante que não caracterize aquisição de controle e aquisição originária de poder de controle. O ordenamento do mercado de capitais atual não traz qualquer tipo de regulamentação sobre esse tipo de operação, que pode impactar de forma contundente no valor das ações, afetando investidores e o mercado em geral. Em diversos casos, a transferência de determinada participação minoritária ou a aquisição fracionada de vários blocos minoritários de ações garante ao adquirente um potencial ou eventual controle da companhia, que nem sempre está sujeito à realização de OPA por não preencher todos os requisitos que esta exige. As regras do novo Código de Autorregulação mudam esse cenário, assegurando ao mercado a possibilidade de se beneficiar do instituto da oferta pública em qualquer cenário de aquisição de participação acionária relevante.

No exercício de seus poderes regulamentador e fiscalizatório, o CAF privilegiará o atendimento aos princípios em relação às regras específicas contidas no Código de Autorregulação. Assim, o Comitê poderá excepcionar a aplicação de alguma regra, caso entenda que, na situação concreta, o princípio será atendido por outro meio menos oneroso para as partes. O CAF poderá, ainda, determinar a adoção de medidas não expressamente previstas nas regras do Código de Autorregulação, com vistas ao atendimento aos princípios. Tal prerrogativa visa conferir flexibilidade à ação do CAF, a fim de que este tenha liberdade suficiente para emitir a decisão mais apropriada ao caso concreto, haja vista as peculiaridades diversas que envolvem cada operação, bem como as mutações constantes das demandas regulatórias do mercado, que tornam impossível uma regulamentação rígida.

Efetividade do CAF como Órgão Regulatório

No modelo britânico, a ausência de normatividade legal ao poder do Takeover Panel não ensejou obstáculo à efetividade de sua jurisdição, mesmo em sua primeira fase, autorregulatória. A preferência do mercado pelas companhias que escolheram adotar o Takeover Code ensejou a valorização das ações de tais empresas em detrimento das demais, criando uma quase "obrigatoriedade" de adesão ao órgão. Se o mercado brasileiro seguir a tendência britânica, o fato de a sujeição ao Comitê de Fusões e Aquisições ser facultativa não trará qualquer problema à sua eficiência. De qualquer modo, é evidente que a força do CAF dependerá do crédito e autoridade que lhe conferirem os participantes do mercado em geral. A composição inicial do Comitê parece ser um indício de que o mercado está reconhecendo a importância do órgão, havendo sido escolhidos alguns grandes nomes de juristas e membros do mercado de capitais.

Para evitar o risco de colisão entre a regulação exercida pela CVM e autorregulação exercida pelo CAF, é de suma importância que o convênio de apoio a ser assinado entre os dois órgãos delimite a extensão de suas funções, a fim de evitar conflito. O Código de Autorregulação não pretende substituir os dispositivos legais, nem a atuação do Comitê substitui a da CVM, mas visa a estabelecer princípios e regras adicionais aos já existentes, provenientes da lei e da regulamentação editada pela CVM. Deve ficar claro para o mercado a existência de um dualismo regulatório, em que o novo marco regulatório deve coexistir com o antigo, funcionando paralelamente a ele, em caráter complementar.

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* Thereza Valladares Souza Frauches e Flávia Figueiredo Franco Carmo são advogadas do escritório Azevedo Sette Advogados.

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