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A nova S.A e o controle minoritário

Paula Andrade R. Chaves

Segundo a autora, "foi realizada reforma na lei das Sociedades Anônimas (lei 6.404/76), através da publicação da lei 10.303/01, que dentre as modificações realizadas, retornou com o direito dos não controladores de venderem suas ações juntamente com o controlador no caso de alienação de controle".

sábado, 17 de agosto de 2013

Atualizado em 16 de agosto de 2013 11:29

Historicamente, as companhias brasileiras apresentam uma estrutura de controle concentrado, na qual um grupo de acionistas ou grupo familiar detém mais de 50% das ações com direito a voto e exercem de forma permanente o controle da empresa. Tal fato se deu em decorrência, dentre outros fatores, do ambiente econômico e de certas deficiências na regulação jurídica.

Entretanto, a partir de 2000, referida realidade vem mudando. A conjuntura econômica brasileira tornou-se mais favorável para os investidores, em especial a partir da redução da inflação, estabilidade macroeconômica e abertura comercial.

Juntamente com a mudança do ambiente econômico brasileiro, foi realizada reforma na lei das Sociedades Anônimas (lei 6.404/76), através da publicação da lei 10.303/01, que dentre as modificações realizadas, retornou com o direito dos não controladores de venderem suas ações juntamente com o controlador no caso de alienação de controle, nos termos do artigo 254-A, denominado direito ao tag along. Atrelado às mudanças da lei societária, adveio o lançamentos dos níveis diferenciados de listagem na bolsa de SP - nível 1, nível 2 e novo mercado.

A criação dos níveis diferenciados foi uma alternativa de autorregulação encontrada pela bolsa de SP, que já havia constatado que as mudanças que seriam realizadas na legislação societária não seriam suficientes para atender aos interesses de investidores minoritários.

Dentre as normas a serem seguidas pelas empresas listadas no novo mercado e que geram um conforto maior para os minoritários e investidores, destacam-se as seguintes:

(i) O capital deve ser composto exclusivamente por ações ordinárias com direito a voto;

(ii) No caso de venda do controle, todos os acionistas têm direito a vender suas ações pelo mesmo preço (tag along de 100%);

(iii) Em caso de deslistagem ou cancelamento do contrato com a BM&FBOVESPA, a empresa deverá fazer oferta pública para recomprar as ações de todos os acionistas no mínimo pelo valor econômico;

(iv) O Conselho de administração deve ser composto por no mínimo cinco membros, sendo 20% dos conselheiros independentes e o mandato máximo de dois anos;

(v) A companhia se compromete a manter no mínimo 25% das ações em circulação (free float);

(vi) Divulgação de dados financeiros mais completos, incluindo relatórios trimestrais com demonstração de fluxo de caixa e relatórios consolidados revisados por um auditor independente;

(vii) A empresa deverá disponibilizar relatórios financeiros anuais em um padrão internacionalmente aceito;

(viii) Necessidade de divulgar mensalmente as negociações com valores mobiliários da companhia pelos diretores, executivos e acionistas controladores.

A partir de 2004, o mercado de capitais brasileiro experimentou um aumento significativo de suas operações. Entre 2007 até julho de 2013 ocorreram 105 ofertas públicas iniciais1 e o número de companhias listadas no novo mercado em março de 2013 era de 127.2
O mercado, antes pouco desenvolvido, passou a apresentar um crescimento expressivo. Junto com este desenvolvimento, verificou-se uma maior dispersão acionária, que passa a ser um aspecto extremamente relevante para a regulação societária.

Em 2005, a oferta pública de ações da Lojas Renner demonstrou de maneira inequívoca a mudança do cenário do mercado de capitais brasileiro, tendo em vista a pulverização de seu capital.

Segundo dados recentes da revista Capital Aberto, no novo mercado, 56 das 128 companhias - ou 44% das listadas no segmento informaram através dos formulários de referência entregues no fim de fevereiro/2013 que não possuíam um acionista titular da maioria absoluta dos votos.

A dispersão do mercado acionário brasileiro traz a figura de uma nova S/A, que não conta com um acionista majoritário (detentor de 50% das ações com direito a voto + uma) e acarreta reflexões, em especial a respeito da necessidade de alteração da Lei das S/A para regular duas realidades diversas: de um lado as companhias com controle concentrado e, de outro lado, as companhias com dispersão acionária.

Neste contexto de dispersão acionária, surgem controvérsias a respeito da existência no ordenamento jurídico brasileiro do controle minoritário, que seria o poder de controle exercido por um acionista ou um grupo de acionistas titulares de menos da metade das ações do capital votante, quando as ações da companhia estão dispersas e nenhum outro acionista ou grupo detém maior volume de ações ou quando o acionista majoritário não exerce seu poder de controle.3

A caracterização do controle minoritário ou a negativa de sua existência trazem impactos significativos, já que a lei das S/A dividiu de maneira clara os demais acionistas do acionista controlador, que se submete a um regime especial de deveres e responsabilidades, tendo deveres fiduciários para com os demais acionistas e uma função social de seu poder perante a sociedade e stakeholders e como consequência disso está sujeito à responsabilização no caso de exercício abusivo do poder de controle, nos termos dos artigos 117 e 246.4

A lei das S/A, no art. 116, definiu acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum que: (i) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e (ii) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.

Observa-se na referida definição que não há fixação da titularidade de um percentual mínimo de ações para a caracterização do acionista controlador, ou seja, a lei não estipula que o acionista controlador é aquele detentor da titularidade da maioria do capital social. Ela o definiu como aquele que tem o poder de preponderar nas deliberações sociais e de eleger a maioria dos administradores, sendo que este poder, segundo preceitua a lei, deve ser permanente.

A respeito da permanência do poder Eduardo Munhos preconiza que:

"A expressão 'de modo permanente', constante dos arts. 116 e 243, § 2o, indica que o poder de controle deve ser dotado de estabilidade, ou seja, basear-se em uma posição estrutural, de modo a não confundi-lo com situações conjunturais, esporádicas, fortuitas de prevalência em eventual deliberação da assembleia geral. Não se exige que o poder de controle seja eterno, incontrastável, ou imune a qualquer ameaça. É, sim, requisito da definição o fato de o poder não ser conjuntural ou esporádico, caso em que o poder não se cuidaria. O poder exige estabilidade, mas não imutabilidade."5

Considerando que a lei das S/A não fixa um percentual mínimo de ações para a caracterização do controle e estabelece, nos termos dos arts. 125 e 129, o quórum de instalação da assembleia geral em primeira convocação de 1/4 do capital social com direito de voto e em segunda convocação com qualquer número e o quórum de deliberação, ressalvadas as exceções previstas em lei, da maioria absoluta de votos e, além disso, faculta à CVM reduzir o quórum qualificado em caso de dispersão acionária, conforme art. 136, §2º da lei das S/A, torna-se imperativo o reconhecimento da existência do controle minoritário sob a ótica da legislação brasileira.6

A esse respeito Nelson Eizirik que o fato do art. 116 não exigir um percentual mínimo de ações para identificação do acionista controlador comprova que a lei das S/A reconhece implicitamente o controle minoritário.7

No entanto, apesar do reconhecimento da existência do controle minoritário no Brasil, a questão não é simples e nem de fácil interpretação, sendo que parte da doutrina se posiciona em sentido contrário, entendendo que a "permanência" só se caracteriza caso o acionista seja detentor de 50% das ações com direito a voto mais uma.

É evidente que a estabilidade e permanência do poder de controle variam de companhia para companhia e depende da atuação dos acionistas titulares de participações minoritárias. Em uma companhia aberta em que os acionistas são signatários de um acordo de votos, pode-se inferir que o grau de permanência e estabilidade do poder de controle é maior. Entretanto, a existência do acordo de votos não é imprescindível para a caracterização do poder de controle minoritário, bastando para tanto que os votos de acionistas, titulares de menos da metade da maioria das ações votantes, prevalecem nas assembleias gerais e direcionem os negócios da companhia.
Resta demonstrado, assim, que a existência do controle minoritário em companhias brasileiras é uma realidade e negá-la seria um retrocesso, considerando que o acionista controlador se submete a um regime diferenciado de deveres e obrigações para com a companhia e para com os demais acionistas, nos termos do paragrafo único do art. 116 da lei das S/A.

Concluiu-se, portanto, que se fazem necessárias mudanças na nossa legislação societária para tornar induvidosa a caracterização do controle minoritário, dando um tratamento a este controlador e resolvendo as controvérsias atualmente existentes relacionadas ao assunto, como, por exemplo, a aplicação do tag along no caso de alienação do controle minoritário.

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1 ANBIMA. Boletim Mercado de Capitais, Tabela de Registro Julho de 2013. Disponível em https://portal.anbima.com.br/informacoes-tecnicas/boletins/mercado-de-capitais/Pages/default.aspx. Acesso em: ago. 2013.

2 BM&FBovespa. Boletim empresa, ano 12, número 191, abril 2013. Disponível em https://www.bmfbovespa.com.br/empresas/UltimasEdicoes.asp. Aceso em: ago. 2013.

3 EIZIRIK, Nelson. Aquisição de controle minoritário e inexigibilidade de oferta pública. In: CASTRO, Rodrigo R. Monteiro de; MOURA AZEVEDO, Luís André N. de 9 (Coord). Poder de Controle e Outros Temas de Direito Societário e Mercado de Capitais. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 180.

4 MUNHOZ, Eduardo Secchi. Aquisição de controle na sociedade anônima. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 303.

5 Op. Cit. p. 304.

6 Op. cit. p. 305.

7 Op. cit. p. 180.

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* Paula Andrade R. Chaves é sócia do escritório Coimbra & Chaves Advogados e mestranda em Direito Empresarial na Faculdade de Direito Milton Campos.



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