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A espada que não corta para os dois lados

Rubens Lobato Pinheiro Neto

Verificamos que o Brasil adota uma postura facilitadora de asilos políticos em casos onde haja iminência de risco de vida ao perseguido e/ou ainda em casos onde haja perseguição política.

sábado, 31 de agosto de 2013

Atualizado em 30 de agosto de 2013 11:48

No último dia 26/8/13, o ministro das Relações Exteriores Antonio Patriota foi desligado de seu cargo, após conversa com a presidente Dilma Rousseff. Referido desligamento ocorreu após o senador boliviano Roger Pinto Molina ser trazido ao Brasil por meio da embaixada brasileira na Bolívia comandada pelo até então diplomata Eduardo Saboia que foi afastado de seu cargo após o episódio.

O senador boliviano morou na embaixada brasileira da Bolívia por mais de um ano e afirmava ser perseguido político naquele país, pois havia denunciado esquemas de corrupção do governo Morales.

O até então diplomata brasileiro na Bolívia, Eduardo Saboia afirmou que havia risco iminente à vida do senador boliviano e também de sua dignidade já que o mesmo morava em um cubículo na sala da embaixada brasileira, sofrendo por conseqüência, quadro forte de depressão.

Pois bem. A CF em seu art. 4º, X afirma que:

"Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: X - concessão de asilo político".

Seguindo esta mesma linha o Brasil assinou a Convenção de Caracas sobre Asilo Territorial e também faz parte da Declaração Universal dos Direitos do Homem que em seu art. 14, §1º e §2º determinam:

"Art. 14. § 1° todo homem, vitima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países. § 2° Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimadamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos objetivos e princípios das nações unidas".

Faz parte ainda da Convenção Americana de Direitos Humanos que em seu art. 22, incisos 7 e 8 definem:

"Art. 22 - 7. Toda pessoa tem o direito de buscar e receber asilo em território estrangeiro, em caso de perseguição por delitos políticos ou comuns conexos com delitos políticos e de acordo com a legislação de cada Estado e com as convenções internacionais. 8. Em nenhum caso o estrangeiro pode ser expulso ou entregue a outro país, seja ou não de origem, onde seu direito à vida ou à liberdade pessoal esteja em risco de violação por causa da sua raça, nacionalidade, religião, condição social ou de suas opiniões políticas".

Verificamos que o Brasil adota uma postura facilitadora de asilos políticos em casos onde haja iminência de risco de vida ao perseguido e/ou ainda em casos onde haja perseguição política. Porém não costuma asilar quem age de maneira terrorista e ou praticando tortura, pois são atos violadores do estado democrático de direito (art. 5º, XLIII e XLIV da CF).

Um episódio não tão longe conhecido pelos brasileiros foi a do caso "Cesare Battisti", condenado pela Justiça Italiana à prisão perpétua por atos terroristas e pela morte de quatro pessoas entre 1977 e 1979.

Cesare Battisti requereu asilo político, afirmando ser perseguido em seu país, tendo sido concedido tal asilo, pelo então presidente Lula em 2010, exatamente pela iminência de risco de vida e pela perseguição política.

Ora, se naquela ocasião a concessão do asilo político foi deferida mesmo diante da decisão da Justiça Italiana afirmando ser Battisti um terrorista, por que razões o senador boliviano que foi condenado por um ano de prisão por "abandono do dever" e "dano econômico" ao Estado não pode ter seu asilo político?

Conforme já se mencionou, o senador boliviano se adéqua a todos os artigos mencionados das Convenções e Tratados internacionais assinados pelo Brasil e até mesmo pela CF em seu art. 4º, X.

Além disso, é sabido que o diplomata é um representante do país em outros Estados. Ora, se o representante da nação brasileira afirmou que o senador boliviano era tratado como perseguido político e havia risco iminente de vida, evidente que o asilo político seria o caminho único para a solução da integridade e dignidade do cidadão boliviano. Se a via de concessão de Battisti fosse seguida, o senador boliviano deveria também ser asilado.

Ao que parece o governo brasileiro não quer perder a parceria e a força que possui junto ao país vizinho e tenta de diversas formas remediar a situação, afastando os responsáveis pela "fuga do senador ao Brasil". Um grande erro!

Punir quem protege a vida e a dignidade humana é punir exatamente a CF.

No mais, o Estado Brasileiro não pode por meio do Poder Executivo conceder asilos políticos por mera conveniência. Se, utiliza a regra para um cidadão estrangeiro, deve a utilizar para todos os outros, independente da nacionalidade do mesmo. Independente se tenha parcerias fortes com o país do cidadão perseguido. Independente se este país é mais "amigo" do que o outro.

Ainda há tempo de se consertar o grande erro e de se utilizar a espada para os dois lados, como deve ser!
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* Rubens Lobato Pinheiro Neto é advogado.

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