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Ação rescisória, impugnação recursal e defesa da coisa julgada

Julio Bernardo do Carmo

OJ 157, da SDI-2, diferencia a coisa julgada mencionada no inciso IV do art. 485 do CPC da coisa julgada retratada no artigo 5º inciso XXXVI da CF.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Atualizado em 21 de outubro de 2013 16:51

O presente estudo teve origem na análise do verbete contido na OJ 157, da SDI-2 do TST, assim vazado :

"AÇÃO RESCISÓRIA-DECISÕES PROFERIDAS EM FASES DISTINTAS DE UMA MESMA AÇÃO. COISA JULGADA. NÃO CONFIGURAÇÃO. A ofensa à coisa julgada de que trata o artigo 485, item IV, do CPC, refere-se apenas a relações processuais distintas. A invocação de desrespeito à coisa julgada formada no processo de conhecimento, na correspondente fase de execução, somente é possível com base na violação do art. 5º, item XXXVI, da Constituição da República."

Qual a razão de ser do precedente jurisprudencial referenciado ?

A OJ-SDI-2 de 157 diferencia a coisa julgada mencionada no inciso IV do artigo 485 do CPC da coisa julgada retratada no artigo 5º inciso XXXVI da Constituição Federal.

No artigo 485, item IV, do CPC a permissibilidade do corte rescisório com fulcro em ofensa à coisa julgada pressupõe que determinada lide solucionada pelo Estado-Juiz, com emissão de sentença transitada em julgado venha a ser novamente solucionada pelo Estado-Juiz, com envolvimento da tríplice identidade da ação anteriormente proposta, ou seja, emitida pelo Poder Judiciário em face das mesmas partes, tendo o mesmo pedido e causa de pedir.

O artigo 485, item IV, do CPC pressupõe para o sucesso do manejo da ação rescisória que tenha havido explícita violação literal do comando emergente do art. 301, parágrafos primeiro, segundo e terceiro, do mesmo digesto processual.

Ou seja, a coisa julgada retratada no inciso IV do art. 485 do CPC pressupõe a reprodução de ação anteriormente ajuizada.

Ora, se há reprodução de uma ação anteriormente ajuizada, existe entre elas uma inequívoca relação de identidade.

E, de fato, essa identidade necessária, posta como requisito inafastável da coisa julgada vem retratada no parágrafo segundo do art. 301 do CPC.

Ou seja, uma ação é idêntica à outra quando tem as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido.

Com base em tais elementos essenciais, ou seja, a reprodução de uma ação anteriormente ajuizada contendo as mesmas partes, causa de pedir e pedido, define o parágrafo terceiro do art. 301 do CPC o instituto jurídico da coisa julgada.

Ou seja, há coisa julgada quando se repete ação que já foi decidida por sentença de que não caiba recurso.

Ora, como ao definir a coisa julgada o legislador processual faz uso necessariamente do termo "reprodução de ações" com as mesmas partes, pedido e causa de pedir, mostra-se racionalmente lógico concluir que só existirá afronta à soberania da coisa julgada quando houver dualidade de processos idênticos envolvendo as mesmas partes e a mesma situação jurídica.

Todavia, mesmo não havendo a dualidade de processos idênticos, pode ocorrer que em determinado litígio, o comando emergente da coisa julgada venha a ser vulnerado, com prejuízo para as partes.

Isto sói acontecer quando, terminada a fase de conhecimento e uma vez esgotadas todas as vias recursais a ela inerentes, sobrevém o trânsito em julgado da sentença.

Com o desdobramento sincrético dessa mesma relação juridica processual, sobrevem a fase de liquidação da sentença e de sua ulterior execução.

Se na fase de execução de sentença sobrevier ofensa ao comando da coisa julgada aflorada no processo cognitivo, resta vulnerado o artigo 5º, item XXXVI, da Constituição da República.

O artigo 5º, item XXXVI da Lex Legum assegura que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, sendo que dentre os direitos fundamentais, o de segurança e de estabilidade das relações jurídicas vem protegido no inciso XXXVI da mesma Carta Constitucional, ao dispor que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada".

Deve vir à mente, como consequência lógica dos dispositivos processuais atrás citados em confronto com o comando emergente do artigo 5º, item XXXVI da Constituição da República a seguinte e inafastável indagação.

Há diversidade de sentido entre a coisa julgada protegida pela ação rescisória (artigo 485, item IV, do CPC) e a coisa julgada protegida constitucionalmente? (art. 5º, item XXXVI).

Possuem ambas a mesma densidade conceitual com idênticos instrumentos processuais de proteção ou existe entre elas uma proposital diferenciação valorativa de eficácia protetiva a uma delas na exata medida de sua violação integral ou apenas parcial ou interpretativa?

Considerando-se o conceito de coisa julgada armado no Código de Processo Civil e o de sua menção não conceitual no inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição da República, a conclusão a que se chega, inapelavelmente, é a de que existe sim um diferencial de densidade e de proteção outorgados à coisa julgada, conforme sua vulneração venha a ocorrer seja pela repetição de ações idênticas ou pelo desrespeito interpretativo de seu comando quando verificado no mesmo processo, ainda que em fase procedimental distinta.

Vem daí a diferenciação posta no nosso direito positivo, ou seja, quando há vulneração total e irrestrita da soberania da coisa julgada, mediante a repetição de ação idêntica, o grau de agressão à coisa julgada é de tal ordem e tão desestabilizador do Estado Democrático de Direito que a legislação de pronto oferece o remédio excepcional da ação rescisória para desconstituir e anular a sentença sobrevinda no segundo processo, com o propósito de restabelecer em sua plenitude a soberania e intangibilidade da coisa julgada.

Lado outro, quando em curso determinado processo judicial há em uma de suas fases procedimentais não a vulneração total e nihilista da coisa julgada e sim mera ofensa ao comando ou carga de eficácia dela emergente, fruto de sua irreal interpretação, advindo daí prejuízo às partes, poderá quaisquer delas tentar restaurar a higidez da coisa julgada valendo-se, não da ação rescisória (porque não está em jogo aqui a violência ao artigo 301 e parágrafos do CPC c/c o art. 485, item IV, do mesmo Código Processual) mas necessariamente da via recursal específica porque há mera ofensa pontual ao comando da coisa julgada que deve ser respeitada como condição estabilizadora da segurança das relações jurídicas, conforme vem constitucionalmente assegurado no inciso XXXVI do art. 5º, da Constituição da República.

A tese jurídica supraexposta leva à conclusão de que a coisa julgada pode ter sua vulneração modulada pela intensidade de seu ato agressor, sendo que é esta mesma intensidade agressiva que irá mostrar o remédio jurídico adequado à sua proteção.

Se no caso concreto verifica-se agressão de maior intensidade suscetível de colocar em xeque a soberania e existência da coisa julgada, extirpando-a do mundo jurídico, o que acontece quando há vilipêndio ao artigo 301 e parágrafos (primeiro, segundo e terceiro) do CPC c/c o art. 485, item IV, do CPC, o que só é possível de ocorrer quando há indevida repetição de ações, o remédio jurídico adequado para restabelecer a soberania da coisa julgada encontra-se estampado no inciso IV, do art. 485 do CPC, devendo a parte interessada valer-se da ação rescisória ; se por outro lado, no caso concreto, constata-se agressão de menor intensidade à coisa julgada, porque não está em xeque a sua própria sobrevivência e sim a mera distorção interpretativa de seu comando ou de sua carga de eficácia, o que sói acontecer na fase de execução, quando ao liquidar-se a sentença os cálculos liquidatórios importam em modificação ou inovação da sentença liquidanda ou em mera discussão de matéria pertinente à fase cognitiva, terá a parte prejudicada à sua disposição o meio recursal específico para restabelecer o fiel comando da coisa julgada, sendo desavisado nessa hipótese o manejo da ação rescisória.

Surge agora a última indagação : como o verbete da OJ-SDI-2 N. 157-TST explicitamente, ao afastar o manejo da ação rescisória, com fulcro no inciso IV do art. 485 do CPC, deixa patente que a invocação de desrespeito à coisa julgada formada no processo de conhecimento na correspondente fase de execução somente é possível com base na violação do artigo 5º, item XXXVI da Constituição da República, surge de imediato a dúvida a respeito da via processual adequada onde possa ser explorada a vulneração à coisa julgada ocorrida na fase de execução.

Como a parte não dispõe, nessa hipótese, do uso da ação rescisória com lastro no item IV do art. 485 do CPC, por incabível na espécie, de que remédio processual deve então utilizar-se, preferencialmente do recurso específico ?

Sim, a rigor, ocorrendo violação ao comando da sentença condenatória durante a fase de execução, após homologados os cálculos, a parte interessada poderá ou impugnar a sentença de liquidação ou interpor embargos à execução, tudo nos termos do artigo 884, da CLT.

Julgados os embargos ou a impugnação ao cálculo liquidatório, uma vez persistindo a ofensa ao comando exequendo, a parte poderá valer-se do uso do agravo de petição, sendo prequestionada a violação ao comando da coisa julgada.

Persistindo a violação à coisa julgada, resta o uso do recurso de revista para o Colendo Tribunal Superior do Trabalho, invocando-se em seu bojo violação constitucional ao art. 5o, item XXXVI.

Verificando o erro de liquidação e a flagrante ofensa ao comando da coisa julgada (art. 5º, item XXXVI), o Colendo TST dando provimento à revista restabelecerá a higidez dos parâmetros emergentes da coisa julgada.

A última dúvida crucial seria a de que, como a OJ-SDI-2, 157, afasta a rescisória com lastro no inciso IV do art. 485 do CPC (ofensa à coisa julgada), seria a ação rescisória admissível com lastro no inciso V do artigo 485, do CPC, já que é ponto pacífico ter ocorrido suposta violação ao artigo 5o, item XXXVI, da Constituição da República ?

Se for flagrante a ofensa ao comando da coisa julgada exsurgida na fase de cognição, constatável de plano e sem necessidade de dilações probatórias, penso inexistir óbice ao manejo da ação rescisória com espeque no item V do art. 485 do CPC (violação a literal disposição de lei).

Todavia, como a ação rescisória não tem natureza jurídica de recurso e sim de ação autônoma especial que gesta uma relação jurídica processual diferenciada daquela ocorrida na lide originária, não se admite sejam discutidos em seu bojo fatos e provas, peculiaridade que tornaria praticamente impossível o seu uso para discutir imperfeições fáticas do cálculo liquidatório, já que pela dicção da OJ-SDI-2-TST de 123 : "o acolhimento de ação rescisória calcada em ofensa à coisa julgada supõe dissonância patente entre as decisões exequenda e rescindenda, o que não se verifica quando se faz necessária a interpretação do título executivo judicial para se concluir pela lesão à coisa julgada" mesmo porque na ação rescisória calcada em violação de lei não se admite o reexame de fatos e provas do processo que originou a decisão rescindenda. (OJ-SDI-2-TST 109).

Resta uma observação pontual de extrema relevância : a) quando a violação ao comando da coisa julgada, ocorrida na fase de execução, é patente e incontornável, mostra-se desnecessário o exaurimento da instância recursal, já que nesta hipótese, como visto alhures, cabe sim de imediato a ação rescisória por ofensa aos artigos 878-A, parágrafo primeiro da CLT e artigo 5o, item XXXVI da Constituição Federal; b) se a ofensa ao comando da coisa julgada perpetrada na fase de execução demandar a interpretação do título judicial exequendo, com possível desdobramento de dilação probatória, a ação rescisória não tem cabimento (OJ-SDI-2-TST 123), recomendando-se para a tutela da higidez da coisa julgada sejam exauridos todos os meios recursais possíveis.

Se esgotada e esmiuçada a instância recursal, com persistência da ofensa ao comando da coisa julgada, uma vez transitada em julgado a derradeira decisão judicial, nada mais pode ser feito, porque aí a res judicata imperfeita já terá feito do preto branco e do quadrado redondo, quando a parte prejudicada ressentirá amargamente os efeitos deploráveis da injustiça de uma decisão judicial.

Feita a diferenciação jurídica proposta neste modesto artigo doutrinário, afigura-se mais fácil a meu juízo saber quando se deve utilizar uma via de impugnação recursal ou uma ação rescisória, tudo com o propósito de resguardar a higidez, o comando ou a soberania coisa julgada.

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* Julio Bernardo do Carmo é desembargador do TRT da 3ª região.




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