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A eficácia da nova lei do e-commerce

Andrea Pereira

Fato é que o decreto pouco inovou e praticamente nada esclareceu sobre a normatização dirigida àqueles que atuam na seara do comércio eletrônico.

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Atualizado em 17 de dezembro de 2013 15:23

No aniversário de 23 anos do CDC, inúmeros são os PLs, medidas e regras implantados diariamente em prol dos consumidores pelo governo Federal, muitos deles, porém, com constitucionalidade e motivação duvidosas.

Como parte integrante do chamado PLANDEC - Plano Nacional de Consumo e Cidadania, anunciado no dia 15 de março deste ano pela presidente, o decreto Federal 7.962/13 com singelos nove artigos de lei, provocou alvoroço em meio aqueles que atuam no setor de comércio eletrônico, o chamado e-commerce. Neste sentido, foi aparentemente com este escopo que a nova lei do e-commerce, como é chamada, entrou em vigor no dia 14 de maio, de modo a regulamentar o comércio eletrônico, o qual, até então, cingia-se exclusivamente ao CDC.

Com efeito, se o principal objetivo do decreto resume-se a outorgar maior segurança aos consumidores quando das contratações de bens e serviços no âmbito do espaço virtual, as empresas que atuam no ramo não demonstram estar tão seguras assim com relação às medidas recentemente implantadas. Isto porque, diversos aspectos da nova lei do e-commerce, trazem em seu conteúdo certa obscuridade e generalidade, a exemplo da regra prevista no art. 4º, inciso V, do decreto, quiçá o mais polêmico dentre os publicados, cujo texto prevê a manutenção de "serviço adequado e eficaz de atendimento em meio eletrônico, que possibilite ao consumidor a resolução de demandas referentes a informação, dúvida, reclamação, suspensão ou cancelamento do contrato".

De tal sorte que, à luz do parágrafo único de vertente artigo de lei, "a manifestação do fornecedor às demandas previstas no inciso V do caput será encaminhada em até cinco dias ao consumidor".

Além de implicar em vultosos gastos com a implantação de novos canais de atendimento ao consumidor que se adequem às novas regras comerciais, as empresas questionam a qualidade legislativa do decreto no que diz respeito à incerteza quanto ao modo pelo qual deva ser feito este contato com o consumidor: poderia ser realizado por telefone ou somente virtualmente? Poderiam ser utilizadas mídias sociais como o Facebook ou Twitter?

Na mesma linha de dúvidas fundamentadas, cumpre ressaltar o questionamento dos empresários de e-commerce acerca do prazo para resolução das demandas de seus consumidores, uma vez que o decreto não é claro se o prazo de 5 dias para manifestação dos fornecedores seriam úteis ou corridos, inobstante o fato de que restam dúvidas se o início de sua contagem dar-se-á do envio da solicitação pelo consumidor ou quando de seu recebimento pelo fornecedor.

Outrossim, o exercício do direito de arrependimento pelo consumidor com fulcro na novel legislação, é outro ponto que merece destaque, mormente à luz do art. 5º, parágrafo terceiro, inciso II, do decreto, o qual preceitua que "seja efetivado o estorno do valor, caso o lançamento na fatura já tenha sido realizado".

Ocorre que, novamente, a lei do e-commerce "deixou a desejar", tendo em vista que não dispôs expressamente sobre o prazo para que seja efetivado o estorno do valor dispendido pelo consumidor com a compra outrora realizada e da qual houve arrependimento. Neste aspecto, a expectativa é de que os órgãos de proteção aos direitos dos consumidores e o Poder Judiciário, pautem-se no mais lídimo bom senso e razoabilidade quando da prolação de suas decisões, principalmente, em virtude da dependência das empresas de e-commerce com relação às instituições financeiras e administradoras de cartões de crédito para que seja efetivada qualquer sorte de estorno, o qual, atualmente, demora, em média, de 15 a 45 dias.

Além disso, o direito de arrependimento a ser exercido no prazo de sete dias pelo consumidor, nos casos em que a contratação de bens e serviços efetivarem-se à míngua do estabelecimento comercial, encontra relevantes óbices na seara do comércio eletrônico.

Vale dizer, como proceder nas hipóteses de contratação de conteúdos digitais, como filmes e músicas? E mais: muitos produtos adquiridos em meio eletrônico, tais como passagens áreas e ingressos para cinemas, teatros e outros eventos culturais, são disponibilizados da mesma maneira que o seriam em seus respectivos estabelecimentos comerciais, de modo que não se justificaria eventual exercício do direito de arrependimento por parte de seus consumidores.

Logo, nas hipóteses ventiladas, não haveria que se falar na surpresa do consumidor diante desta gama de produtos adquiridos eletronicamente, ao passo que suas características e propriedades essenciais não comportam derradeiros juízos de valor por parte de seus adquirentes.

Outro ponto relevante é que os estabelecimentos comerciais ditos virtuais, tais como são construídos hoje, em quase nada se diferenciariam dos estabelecimentos físicos, exceto pela questão de sua acessibilidade, a qual se daria eletronicamente.

Assim, de mais a mais, constata-se no setor de e-commerce a fragilidade de respaldo ao exercício do direito de arrependimento, sobretudo em função de consumidores muito bem informados e instruídos a respeito dos produtos e serviços ofertados eletronicamente, e, em virtude de bens, a exemplo dos mencionados, cuja devolução parece impossível e desarrazoada.

No mais, o setor de compras coletivas também mereceu regulamentação, desta vez, prevista no art. 3º do decreto, o qual versa acerca da obrigatoriedade de informações com relação à quantidade mínima de consumidores para a efetivação do contrato, prazo para utilização da oferta pelo consumidor e identificação do fornecedor responsável pelo sítio eletrônico e do fornecedor do produto ou serviço ofertado.

Entretanto, além de pouco inovar neste assunto, a lei do e-commerce não positivou o prazo para devolução dos valores pagos pelos consumidores nas hipóteses de não perfazimento de ofertas coletivas em razão de seu número de adesões, deixando, outra vez, os empresários do setor às cegas.

Fato é que o decreto pouco inovou e praticamente nada esclareceu sobre a normatização dirigida àqueles que atuam na seara do comércio eletrônico, os quais continuarão reféns do livre e temerário arbítrio dos órgãos de proteção aos direitos dos consumidores e do Poder Judiciário no que diz respeito à interpretação e aplicação do CDC e agora, da novel legislação.

Muito embora a Secretária Nacional do Consumidor, Juliana Pereira, garanta que as normas irão aumentar a confiança nesse mercado e estimular os negócios, pequenos e médios empresários temem por seus empreendimentos e pela instauração da era da proteção ao consumidor a qualquer custo.

A solução para esta celeuma não será fácil, de tal sorte que, caberá aos operadores do Direito harmonizar preceitos fundamentais elencados nos arts. 5º e 170º da CF, quais sejam: defesa do consumidor e da livre iniciativa, livre, inclusive, de autorização e infundadas intervenções de órgãos públicos.

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* Andrea Pereira é advogada do escritório De Vivo, Whitaker e Castro Advogados.






 

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