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O governo Federal e suas parcerias

O aumento das parcerias que o governo Federal tem feito com os municípios amplia muito o benefício introduzido pelo Bolsa Família.

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Atualizado em 13 de janeiro de 2014 14:57

O Partido dos Trabalhadores, fundado em 1980, já conta com uma longa história. A composição de suas lideranças está passando para outra geração. A velha geração dos José Dirceu, Rui Falcão, Tarso Genro, Cândido Vaccarezza, José Mentor, Luiz Marinho, Ricardo Berzoini, e outros companheiros e amigos de Lula, começa a ser substituída por geração mais jovem, entre 30 e 40 anos. Aquela primeira geração, de índole "maquiavélica", velhas raposas da esquerda, embora ainda no comando, contam agora com a colaboração de grupos de estudiosos, de formação acadêmica, professores de tendência humanista, bastante formais, mas despidos de ambição pessoal pelo poder.

Curiosamente, aproximam-se de alguns dos ancestrais do PT, idealistas puros, a exemplo de Antonio Candido, Plínio de Arruda Sampaio, ou mesmo Marina Silva.

A ideologia petista poderia até se renovar na medida em que fosse repensada por simpatizantes de outra geração. Mas não é bem o que acontece.

Victor Marchetti, 35, professor da Universidade Federal do ABC, é um desses jovens elementos que estuda novas avaliações sobre a contribuição social do governo petista, a começar pela extensão do programa Bolsa Família que hoje beneficia mais de 13 milhões de famílias. Em entrevista publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo (25/12/13), Marchetti se explica com a maior desenvoltura. Chama a atenção para certo fenômeno político ao qual não se presta a devida atenção: o gigantesco aumento das parcerias que o governo Federal tem feito com os municípios, iniciativa que amplia muito o benefício introduzido pelo Bolsa Família.

A tese central do entrevistado se resume na ideia de que a multiplicação das parcerias do governo com as prefeituras tem maior peso eleitoral do que o Bolsa Família. Verdade ou mentira? Verdade, sem a menor dúvida. O Bolsa Família por si só não teria fôlego para explicar sozinho a mudança de escala do prestígio do governo em todo o país, principalmente no Norte e Nordeste. E não se esqueça de que existe também o projeto Luz Para Todos. Sim, insiste Marchetti, mas o fenômeno político a ser analisado agora é o "gigantesco aumento das parcerias do governo federal feitas diretamente com os municípios."

As parcerias começaram - diz o entrevistado -no primeiro mandato do governo Lula e prosseguiram com Dilma Rousseff, "e estão sendo intensificadas com vistas a 2014" (grifo meu). E mais: "A presidente tem ido a pequenos municípios de diferentes regiões do País até para distribuir tratores e caminhões-pipa" (grifo meu).

Bolsa Família, creches, tratores, carros-pipas, etc. Esta é a revolução econômica e social do governo petista? O deslumbrado professor, movido pela maior boa-fé, nega que esta política possa ser comparada ao "toma lá, dá cá", ou como ele diz "o equivalente a uma compra de voto, um tipo de coronelismo adequado à nossa época." Acredite quem quiser. Mesmo admitindo-se que atrás desse coronelismo disfarçado, com sua política miúda, de varejo, que fornece o peixe mas não ensina a pescar, mesmo assim a ânsia pela reeleição em 2014, demonstrada por cada gesto, cada palavra da presidente, é muito ostensiva demais para que se acredite na pureza e idoneidade de suas "parcerias".

Vamos falar sério. De que adianta proteger a agricultura com tratores, sementes, adubo, sem a infraestrutura adequada para o escoamento da produção por estradas transitáveis, portos e aeroportos adequados? De que servem as creches garantirem o abc da sobrevivência sem apoio material e educacional depois que o menor deixa a creche? Como admitir que o programa grandioso Luz Para Todos conviva com os apagões e as falhas na distribuição da energia tão frequentes? E a má iluminação das grandes cidades ameaçando a segurança dos moradores e facilitando a difusão dos crimes?

Por mais boa vontade que demonstremos, não é possível enxergar atrás das medidas triviais e pontuais, de curto alcance, nenhuma política maior, de grande alcance, com base na realidade do país em sua configuração global, despojada de preconceitos ideológicos, que leve em conta o interesse integrado de todas as classes, o trabalhador, o empresário, o funcionário público, o estudante, o militar, o intelectual, o artista, etc etc., além de equacionar, equitativamente, os interesses do mercado com o interesse público.

As parcerias municipais do governo Federal estão filiadas ainda à mentalidade clientelista (do ut des) do antigo regime republicano, e vinculadas à tradição patrimonialista da indiferença entre o público e o privado, segundo a qual o voto deixa de ser uma opção pessoal intransferível e degenera numa questão de preço fixado pelo governo. Note-se como Lula só começou a se impor com toda força no Nordeste desde que começou a exagerar em sua postura, em sua fala e em sua entonação de coronel sertanejo.

Para provar suas boas intenções não basta o discurso do governo. É preciso a prática, adotando-se o critério da "parceria" não somente com o município, onde o Estado é a parte mais forte e está sempre confortável, como com outros setores, a iniciativa privada, a educação, a saúde, a cultura, a segurança. Por que razão as parcerias com o capital privado costumam falhar neste governo da presidente Dilma? Porque ela cultiva uma desconfiança ancestral do mercado. Procura sua cooperação, pede seu investimento, ao mesmo tempo que restringe sovinamente suas taxas de retorno.

A parceria é boa, desde que as partes guardem entre si relação de coordenação e não de subordinação, e se generalizam incluindo outras esferas além do município.

Mesmo porque a receptividade dos municípios às seduções do PT vai durar enquanto a harmonia e o bom entendimento entre o PT e o PMDB durarem. Ao que parece as relações entre ambos os partidos estão estremecidas. Todos sabem que o PMDB é uma agremiação de base municipalista. É o PMDB que manda nos municípios. Se o PMDB se afastar ou se romper com o PT, adeus parcerias municipais. O partido de Dilma e de Lula vai deixar de cantar de galo entre os senhores prefeitos e vereadores. Eduardo Campos vai comemorar.

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* Gilberto de Mello Kujawski é procurador de Justiça aposentado, escritor e jornalista.

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