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Um juiz

Gilberto Ferreira

Na antiga Roma um juiz chamado Eleuterius se destacou por seu senso de justiça, coragem e bondade.

sábado, 18 de janeiro de 2014

Atualizado em 17 de janeiro de 2014 13:38

Na antiga Roma um juiz chamado Eleuterius se destacou por seu senso de Justiça, coragem e bondade. Era ele um homem culto e dedicara toda a sua vida às causas de justiça. Agora estava velho, enxergava pouco, tinha a saúde combalida, caminhava lentamente.

Certo dia recebeu uma correspondência do Imperador. No documento régio, em poucas linhas, Sua Alteza lhe concedia o "decreto de jubilamento", "por motivo de idade avançada" e assinalava o prazo de três dias para conclusão dos processos e entrega das chaves de sua modesta sala de trabalho. No texto, porém, nenhuma palavra de reconhecimento, nenhuma condecoração, nenhum muito obrigado.

Dentre os processos que tinha para julgar, um se destacava. Era o de Nicanor. Nicanor estava preso por assassinato. Segundo se sabia à boca pequena, Nicanor fazia parte de uma organização criminosa poderosa.

O juiz Eleuterius estudou atentamente os autos. Com seu costumeiro zelo, examinou as provas e concluiu que elas não eram suficientes para a condenação. Havia dúvida e, na dúvida, não poderia condenar.

Bateu-lhe à porta, o chefe da guarda policial.

- Preciso conversar com urgência com Vossa Excelência.

- Pode falar.

- Tenho más notícias. Nosso serviço de inteligência acaba de descobrir que estão tramando a sua morte. Segundo foi apurado, Nicanor foi designado para matá-lo tão logo saia da prisão, se for absolvido.

- Obrigado, pela informação. Ser-lhe-ei sempre grato.

O policial foi embora. Era tarde. Hora de dormir. Eleuterius deitou, mas não conseguiu pegar no sono. As provas não permitiam uma condenação. Entretanto, se absolvesse, certamente estaria cavando o buraco de seu próprio túmulo por libertar o assinado que iria matá-lo. Se condenasse, a morte seria de sua consciência e significaria uma mancha negra na sua alva carreira de juiz. Se deixasse de julgar, seria um covarde, um indigno de si próprio.

Na manhã seguinte, Eleuterius compareceu ao tribunal e ditou o veredictum: "O Império Romano declara não haver provas para condenar Nicanor. Que seja imediatamente posto em liberdade!"

Nicanor agradeceu ao juiz por seu senso de Justiça e se afastou.

À tarde, Eleuterius foi vítima de uma emboscada e foi assassinado. O assassino foi preso em flagrante, ainda com a arma do crime. Era Nicanor.

No bolso de Eleuterius foi encontrado o decreto de jubilamento, manchado de sangue.

O sangue de Eleuterius!

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* Gilberto Ferreira é desembargador do TJ/PR.




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