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Exemplos confirmam ideia-força do Prêmio Innovare

Maria Tereza Sadek e Raquel Khichfy

Nas últimas 10 edições, prêmio revelou práticas que rompiam com a inércia, adotando novas formas de resolver conflitos e garantir direitos.

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Atualizado em 21 de fevereiro de 2014 08:09

Em 1920, Rui Barbosa asseverava que "justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta". Passados mais de noventa anos de sua Oração aos Moços, suas advertências permanecem atuais. Nesse período, muitas mudanças ocorreram no país, nos mais variados aspectos, desde demográficos até de natureza institucional. Assim, ficaram no passado um sistema político oligárquico, uma sociedade predominantemente agrária, uma economia baseada na monocultura.

No que se refere à Justiça, contudo, apesar das significativas alterações no ordenamento jurídico, as críticas têm se repetido, como se nenhuma das transformações produzisse efeitos no cotidiano, como se o diagnóstico feito no passado não houvesse envelhecido, permanecendo válido para o presente. Daí a quase unissonância, no transcorrer dos anos, de uma percepção negativa sobre a Justiça. Queixas sobre a morosidade têm sido constantes, assim como a responsabilização do Judiciário e das demais instituições do sistema de Justiça por grande parte das mazelas do país.

Este quadro é igualmente marcado pelo constante anseio por reformas e por buscas de soluções. De fato, demandas por aprimoramentos na Justiça prosseguiram mesmo depois da CF/88, resultando na EC 45/04. O Prêmio Innovare nasce exatamente neste veio, com o propósito de buscar soluções inovadoras que prescindissem de alterações quer de natureza constitucional, quer legal.

O prêmio foi instituído a partir do suposto de que, a despeito das inegáveis deficiências na distribuição de justiça, havia práticas, espalhadas pelo país, que refletiam um não-conformismo, um compromisso com uma Justiça mais acessível, menos burocratizada, mais próxima dos anseios da cidadania. Tais iniciativas nasciam a partir de uma pró-atividade criativa e seus resultados tinham o potencial de alterar o status-quo.

Com efeito, nas últimas 10 edições, foram reveladas práticas lideradas por magistrados, por tribunais, por promotores, por procuradores, por defensores públicos, por advogados, que rompiam com a inércia, adotando novas formas de resolver conflitos e garantir direitos.

Desde sua criação, em 2004, o Prêmio Innovare recebeu 3.977 inscrições. Esse número fala por si só, revelando que são muitos os operadores do Direito que julgam que suas atividades inovadoras produzem resultados positivos na realização da Justiça.

Entre esses inscritos, 52 práticas foram premiadas e 84 homenageadas. O Prêmio Innovare não é, entretanto, apenas uma distinção, ou uma homenagem conferida àqueles que se destacaram na melhoria do sistema de Justiça, construindo experiências mais próximas dos ideais inscritos na CF/88. O que singulariza esta premiação é seu objetivo de tornar visíveis essas práticas e de buscar expandi-las para outras varas, tribunais, gabinetes, espaços públicos. Trata-se, primordialmente, de divulgar e incentivar a adoção de instrumentos, de mecanismos, de comportamentos, de ações com alto potencial de aprimorar a Justiça e, consequentemente, de fortalecer a autoridade da lei e atingir maiores graus de democracia.

Com o passar dos anos, e agora com a comemoração da décima edição do Prêmio Innovare, é possível afirmar que muitas práticas têm provocado impactos, tanto no alargamento do acesso à Justiça, como no tratamento dos processos, no esforço de se chegar a soluções mais rápidas e efetivas. A valorização do trabalho e sugestões de todos os comprometidos com o aprimoramento da Justiça, inclusive daqueles com formação em áreas distintas do Direito, abre novos caminhos e, por vezes, atalhos para se atingir os objetivos desejados.

O Prêmio, em suas seis categorias - Tribunal, Juiz, Ministério Público, Defensoria Pública, advocacia e Prêmio Especial - já destacou muitas práticas inovadoras. Para exemplificar, citamos algumas. O MP/RN teve sua iniciativa premiada em 2006, na terceira edição do Prêmio Innovare. Aquela ação possibilitou identificar crianças especiais que estivessem fora da escola nas cidades de Natal, Macaíba e Parnamirim. As promotoras Naide Pinheiro, Rebecca Nunes e Patrícia Albino tiveram a ideia de firmar um convênio com os Correios para que, por meio dos carteiros, cuja penetração social é imensa, se descobrisse onde moravam essas crianças e por que elas não frequentavam a escola. Essa parceira permitiu que o Ministério Público montasse uma estratégia de atendimento a essa população combatendo as causas de exclusão, e, consequentemente, se garantia a busca de vagas nas escolas mais próximas, transporte escolar adaptado e punição criminal aos diretores de escolas que não aceitassem as matrículas. Vários termos de ajustamento de conduta foram assinados para tornar as escolas fisicamente acessíveis.

O Nucap - Núcleo de Capacitação para a Paz, premiado na categoria juiz em 2012, surgiu da preocupação do juiz responsável pela execução das penas em um presídio feminino na cidade de Varginha, em Minas Gerais. A iniciativa tinha por objetivo retirar, do ambiente prisional, crianças e adolescentes que lá ingressavam para visitar suas mães, evitando danos sociais e psicológicos permanentes, haja vista que a cadeia passava a ser lugar de convivência familiar. O juiz realizou parceiras com a sociedade civil e construiu o Nucap, uma associação sem fins lucrativos, que em seu espaço físico, oferecia a oportunidade de mães presidiárias terem contato diário com seus filhos, em ambiente saudável e longe da penitenciária.

Na categoria advocacia, são vários os exemplos de práticas de transação extrajudicial com a administração pública e de aplicação da mediação e conciliação evitando ajuizamento de processos.

A categoria Tribunal também surpreendeu a todos com a inovação implementada no Tribunal de Justiça do Espírito Santo, denominada "Botão do Pânico". Essa iniciativa, que nada mais é do que um pequeno aparelho eletrônico com um botão que pode ser acionado por mulheres vítimas de violência doméstica, na iminência de sofrer nova agressão, tem efeitos de grande magnitude. O aparelho contém ainda um GPS e quando acionado permite a localização imediata da vítima pela Polícia. O atendimento mais rápido demorou três minutos, o mais lento, doze, explicou o presidente do Tribunal, demonstrando que se trata de uma prática simples, que pode ser facilmente replicada em outros estados.

Todos esses exemplos confirmam a ideia-força do prêmio: não esperar por mudanças na legislação, identificar inovações, divulga-las e reaplicá-las.

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* Maria Tereza Sadek é doutora em ciência política, professora do departamento de Ciência Política da USP e diretora de pesquisa do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais.





* Raquel Khichfy é coordenadora do Instituto Innovare.



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