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Entre duas Europas

A Ucrânia está, nesses últimos tempos, "dividida" entre duas Europas: a Europa Russa, que quer mantê-la como sua, e a União Europeia, que a receberia de bom grado.

sexta-feira, 21 de março de 2014

Atualizado em 20 de março de 2014 11:39

"Ucrânia" quer dizer fronteira. Na verdade, a Ucrânia está, nesses últimos tempos, "dividida" entre duas Europas: a Europa Russa, que quer mantê-la como sua, e a União Europeia, que a receberia de bom grado. Na teoria do Estado, ensina-se corretamente que os termos país, nação e Estado, embora intimamente ligados, não são sinônimos, como na literatura comum. O país é a geografia, é o território. A nação é sentimento coletivo, uníssono (nem sempre unânime), é alma, é o espírito que sustenta o Estado. Daí, o princípio de que a uma nação deve corresponder um só Estado. Desaconselhável é, também, uma nação ser dividida em dois Estados.

Dos três termos, resta falar-se sobre Estado, entidade complexa a envolver vários elementos. Segundo Oreste Ranelletti, o Estado "é um povo fixado em um território (país) e organizado sob um poder de império (governo), supremo e originário (legítimo), para realizar, com ação unitária, os seus próprios fins coletivos (espírito de nação)."

E o que tem acontecido recentemente na Ucrânia? O território ucraniano tem mais de 600 mil quilômetros quadrados, sendo o segundo em extensão na Europa, só perdendo para a Rússia. É um país imensamente rico em terras férteis e produtivas (foi o "celeiro" da ex-União Soviética), e em carvão, ferro, manganês e outros minerais. Esse território é, pois, olhado com simpatia pela União Europeia e com cobiça pela Rússia.

A imprensa tem publicado mapas da Ucrânia dividida em duas porções coloridas diferentemente, como se já houvesse dois países naquele território. Não é bem isso. O problema, difícil, está na sua população, de mais de 45 milhões de habitantes, dos quais 73% são ucranianos de nascimento e de origem, enquanto 23% são russos de nascimento ou origem. Russos que ali foram propositadamente introduzidos pela antiga União Soviética, da qual a Ucrânia fazia parte. Isso gera uma perigosa heterogeneidade de espírito nacional. Acresçam-se dois outros graves complicativos: a fronteira ameaçadora da Rússia, e a Crimeia, grande península banhada pelo Mar Negro, ao Sul do país, que é, por infeliz tratado de 1992, a base na qual se ancora parte da potente frota militar da Rússia. O comentado referendo, que é um instrumento da democracia semidireta, indagou do povo local se queria continuar na Ucrânia ou se preferia a anexação à Rússia. Não se perguntou sobre independência. E o resultado foi o esperado: 96% votaram pela anexação à Rússia.

Vê-se aí que elementos essenciais à soberania da Ucrânia (uma geografia bem delimitada e um espírito nacional bem definido) estão em situação adversa. Passando por grandes sofrimentos em várias guerras e em verdadeiros holocaustos, a Ucrânia conquistou sua "incompleta" independência com o desfazimento da URSS, em 1991.

Organizou-se, então, em um Estado unitário (semelhante, nesse aspecto, a Portugal e à França), que se caracteriza pela existência de um só plano de governo, central, nacional, por sobre os municípios. Sua capital é Kiev e seu território é dividido em 24 regiões administrativas. Há desconcentração administrativa e não política, como acontece, por exemplo, na Federação. Caso especial é o da Crimeia, chamada "república autônoma". Melhor chamar-se-ia "região autônoma", dotada de poder local, político-administrativo: Executivo e Legislativo eleitos localmente. É o mesmo caso dos Açores e da Madeira, em relação a Portugal. E é por isso que a Assembleia Legislativa crimeiense, extrapolando sua competência, convocou o referendo, que a meu ver foi mais um plebiscito (consulta popular prévia). E inconstitucional, eis que a península é submetida à soberania ucraniana.

A forma de governo da Ucrânia, conforme a Constituição de 2004, é a República Democrática Indireta, isto é, o exercício do poder de governo é delegado pelo povo (parcela politicamente ativa da população), por meio de eleição, a seus representantes, mormente no Legislativo e no Executivo.

O sistema de Governo ucraniano é o semipresidencialismo (como em Portugal) com um Executivo dualista: o Presidente da República, eleito pelo povo diretamente, sendo o chefe do Estado, e o primeiro-ministro, escolhido pelo Parlamento, como chefe de Governo. Seu Legislativo, o Parlamento, é unicameral. Todas essas estruturas do Estado ucraniano e todos esses órgãos de seu governo estão, no momento, e não sei até quando, em grave crise. Oxalá se encontre uma solução diplomática (e não armada) que resolva essa situação dramática.

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Artigo publicado no jornal "Estado de Minas" - Internacional - 18/3/14.

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* Ricardo Arnaldo Malheiros Fiuza é professor convidado de teoria do Estado da Faculdade Milton Campos. Membro da Comissão de Seleção do IAMG. Editor Adjunto da Editora Del Rey.

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