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A proteção do trabalho da mulher

Leandro Thomaz da Silva Souto Maior e Sarah Cecília Raulino Coly

A construção percorrida pela legislação representa a evolução da própria sociedade, que ao reconhecer nas mulheres suas particularidades, oferece-lhes o tratamento correspondente.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Atualizado às 07:51

A CLT contempla desde sua promulgação, em 1943, um capítulo próprio para a proteção do trabalho da mulher. Neste capítulo, estão dispostas diferentes garantias às mulheres, tendentes a promover sua inserção no mercado de trabalho, protegendo-as de discriminação ou, ainda, para lhes conferir condições especiais considerando suas características próprias, principalmente relativas à maternidade.

É certo que a atual CF/88, muito mais jovem que a CLT, prevê em seu artigo 5º que homens e mulheres são iguais perante a lei. Teria assim revogado as disposições da CLT que conferem tratamento diferenciado ao trabalho das mulheres?

Desde muito pequenos nos despertamos a observar as diferenças entre homens e mulheres, nesse momento ainda livre, ou quase livre, de conteúdo social, restando a observação concentrada apenas nas diferenças físicas existentes entre os dois gêneros. Com o amadurecimento, no entanto, passamos a verificar as diferenças sociais entre homens e mulheres - diferenças essas que somos compelidos diariamente a aceitar inconscientemente -, notadamente em razão da forte carga histórica de opressão à mulher que nos antecede.

Em recente artigo publicado em nossa página, apresentamos a evolução histórica da legislação brasileira relacionada à mulher, constatando o machismo ainda persistente na sociedade moderna, além da gradual evolução social, desde a vedação legal ao castigo físico do marido contra a esposa, passando pelos direitos ao voto e ao trabalho, até as garantias mais modernas tendentes à proteção do trabalho da mulher e sua promoção.

A despeito dos avanços inegavelmente alcançados pela sociedade e não menos pela legislação pátria, questões de cunho social, religiosas e históricas ainda exercem grande influência na diferenciação entre homens e mulheres. A criação dos filhos e as tarefas domésticas ainda são comumente tidas como obrigações femininas, sendo apenas exemplos de paradigmas que ainda precisam ser enfrentados pela sociedade.

Diante desse cenário, a discriminação perpetrada historicamente em relação à mulher, continua a ensejar a necessidade de políticas públicas e proteção legislativa que coíbam a discriminação entre gêneros. Não é por outra razão que a própria CF/88 prevê em seu artigo 7º, inciso XX, a garantia de "proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei".

Com efeito, não há que se falar em contradição entre as previsões constantes nos artigos 5º, I e 7º, XX da CF. Ao revés, a proteção específica do trabalho da mulher representa a concretização da máxima do Princípio da Igualdade, segundo o qual os desiguais devem ser tratados na medida de sua desigualdade. Em outras palavras, as questões sócio-culturais que pesam sobre a mulher são as maiores responsáveis pela necessidade de normas especiais, destinadas a reverter as opressões sociais, mais até do qualquer eventual limitação física.

Portanto, é nesse contexto que se encontra a justificativa para normas legais tendentes a compensar a desigualdade entre os gêneros, tal qual ocorre com a obrigatoriedade de concessão de intervalo de 15 minutos às mulheres antes da prorrogação da jornada normal, bem como as "medidas concernentes à higienização dos métodos e locais de trabalho, tais como ventilação e iluminação e outros que se fizerem necessários à segurança e ao conforto das mulheres", a instalação nas empresas de "bebedouros, lavatórios, aparelhos sanitários, cadeiras ou bancos, em número suficiente, que permitam às mulheres trabalhar sem grande esgotamento físico" (artigos 384 e 389 da CLT).

Mais uma proteção ao trabalho da mulher está prevista no artigo 390 da CLT que proíbe a contratação de mulheres para "serviço que demande o emprego de força muscular superior 20 quilos para o trabalho contínuo". Aos homens, nos termos do artigo 198 da CLT, é possível exigir o carregamento de até 60 quilos.

A legislação deveria caminhar para estabelecimento de critérios considerando o trabalhador individualmente, independentemente de sexo. Isso porque, em regra, é sabido que a mulher consegue carregar menos peso que o homem, porém, a imensa diversidade genética da população, nos demonstra que tal regra comporta inúmeras exceções, não havendo justificativa de a proteção se dar unicamente pelo critério de gênero do trabalhador.

Não é por isso, entretanto, que se deve entender pela inconstitucionalidade da referida norma, mas ao contrário, devemos caminhar para ampliação de sua aplicação a todos que necessitem de tal proteção, independentemente de sexo.

Ainda no que se refere à proteção, caso semelhante é o da proibição de revista íntima nas mulheres empregadas, que já tratamos em outro artigo específico, que de igual forma, antes de inconstitucional, trata-se de importante garantia trabalhista das mulheres a ser ampliada a todos os trabalhadores.

Com o advento da Constituição Federal de 1988 passou-se a buscar, mais do que a proteção da mulher em si, a promoção do trabalho feminino em igualdade ao trabalho masculino. Para que isso se alcance, tornou necessário minimizar as diferenças relacionadas à maternidade.

Para começar, a CLT expressamente proíbe que se exija atestado ou exame de gravidez ou de esterilidade, seja na admissão ou para permanência no emprego.

A maternidade não pode ser utilizada para discriminação da mulher, motivo pelo qual a CLT prevê mecanismos para garantir plenamente tal direito sem prejuízo de sua carreira, de igualdade de oportunidade com os homens, de ocorrência de dispensa arbitrária ou redução salarial.

Para isso é que a CLT garante dois intervalos diários de 30 minutos para amamentação do filho até seis meses de idade, o oferecimento de creche, licença maternidade, com possibilidade de dilação por necessidade médica, o direito de transferência de função durante a gestação, licença maternidade em caso de adoção e possibilidade de rescisão contratual em caso de trabalho prejudicial à gestação, sem cumprimento de aviso prévio.

Para promover a eliminação da discriminação do trabalho por gênero, também se retirou do empresariado a obrigação pelo pagamento do salário maternidade, repassando-a ao poder público.

Como retorno da mulher após a gestação, é necessário garantir a ela as mesmas condições de trabalho, sem redução salarial ou de função, garantindo ainda estabilidade desde a confirmação da gravidez até o quinto mês posterior ao parto, além de garantir condições para que não precise renunciar aos cuidados necessários ao filho.

Algumas outras medidas tendentes a coibir a discriminação e a promover o trabalho da mulher são a vedação do oferecimento de emprego com referencia a sexo e situação familiar. Assim como a proibição de recusa de emprego, promoção, dispensa ou qualquer tipo de diferenciação de remuneração por esses mesmos critérios.

Visando a aplicação isonômica, a CLT permite, ainda, a "adoção de medidas temporárias que visem ao estabelecimento das políticas de igualdade entre homens e mulheres, em particular as que se destinam a corrigir as distorções que afetam a formação profissional, o acesso ao emprego e as condições gerais de trabalho da mulher" (parágrafo único do artigo 373-A).

Infelizmente, parte dos empregadores ignora a existência de referidas garantias, e quando não ignoram às descumprem intencionalmente, sob a alegação de não ter sido tal artigo recepcionado pela CF/88, por afronta ao princípio da isonomia.

Diante do arcabouço legal aqui compilado, é necessário que se combata o discurso habitual de que a proteção legal das mulheres ensejará a preferência patronal pela contratação de homens, com consequente exclusão das mulheres do mercado de trabalho. Longe disso, a construção percorrida pela legislação representa a evolução da própria sociedade, que ao reconhecer nas mulheres suas particularidades, oferece-lhes o tratamento correspondente com vistas à construção de uma sociedade cada vez mais justa.

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* Leandro Thomaz da Silva Souto Maior é advogado do escritório Loguercio, Beiro e Surian Sociedade de Advogados.




* Sarah Cecília Raulino Coly é advogada do escritório Loguercio, Beiro e Surian Sociedade de Advogados.

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