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Duração razoável do processo?

Ana Carolina Lessa

A redação final do novo CPC (PL 8.046/10) prevê no seu art. 4º que as partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Atualizado em 16 de abril de 2014 10:25

A Câmara concluiu no dia 26/3/14, a votação do novo CPC (PL 8.046/10) com a aprovação da sua redação final. Dentre as inúmeras inovações, o texto prevê no seu art. 4º (Das Normas Fundamentais do Processo Civil), "a obtenção, em prazo razoável, da solução integral do mérito processual, inclusive com a atividade satisfativa".

O novo texto inseriu em seu bojo, a garantia constitucional da duração razoável do processo, introduzida em nosso ordenamento pela EC 45/04 (art. 5º, LXXVIII).

No mesmo dia da aprovação do novo CPC, a Justiça pernambucana publicava sentença de mérito de caso de grande repercussão (uso de soro contaminado com endotoxina bacteriana), 15 anos após o ajuizamento da demanda.

Para as vítimas e familiares do caso acima mencionado, o processo não teve uma duração razoável. Muitos sequelados chegaram a falecer sem conhecer a efetividade da Justiça, in casu, a responsabilização civil decorrente do defeito na fabricação do produto (pelo laboratório) e na prestação do serviço (pelo hospital).

É cediço que o processo civil ultrapassou várias fases até chegar ao atual momento. Tido inicialmente como mero apêndice do Direito material (fase procedimentalista), ergueu-se como ciência autônoma em relação aos demais ramos do Direito na fase autonomista, que teve seu marco com o pensamento de Oskar Büllow em 1968, e hoje repousa na fase instrumentalista.

Pensar o processo como instrumento de realização prática do Direito material significa buscar e aprimorar técnicas de otimização do sistema processual. A necessidade de aproximação do processo ao Direito material faz com que o legislador desenvolva mecanismos mais efetivos de satisfação. Não basta ao Estado a entrega de uma tutela jurisdicional meramente formal. Ao revés, a tutela jurisdicional deve ser entendida como tutela efetiva de direitos ou de situações pelo processo, o que não ocorreu no caso do soro, como conhecido em Pernambuco. A Justiça chegou tarde demais!

A CF, em seu art. 5º, inciso LIV, garante que ninguém será privado do patrimônio e da liberdade sem o devido processo legal. De outro lado, a Carta Magna também, em seu art. 5°, XXXV e LXXVIII, consagra o acesso à ordem jurídica justa e a necessidade da entrega da tutela jurisdicional em prazo razoável.

Dessa consagração, surgem os termos celeridade e razoável duração do processo. O processo deve durar o tempo necessário para cumprir os seus fins, sem dilações indevidas ou diligências inúteis.

À semelhança de um coro de estudiosos do tempo, que invocam a secular proposição agostiniana para se protegerem perante a complexidade do tema, também nós o fazemos:

O que é o tempo? Quem o poderá explicar facilmente e com brevidade? Quem poderá apreendê-lo, mesmo com um pensamento, para proferir uma palavra acerca dele? Que realidade mais familiar e conhecida do que o tempo evocamos na nossa conversação? E quando falamos dele, sem dúvida compreendemos, e também compreendemos quando ouvimos alguém falar dele. O que é, pois, o tempo? Se ninguém me pergunta, sei o que é; mas se quero explicá-lo a quem me pergunta, não sei: no entanto, digo com segurança que sei que, se nada passasse, não existiria tempo passado, e se nada adviesse, não existiria tempo futuro, e, se nada existisse, não existiria o tempo presente (SANTO AGOSTINHO, 2001, p.298).

Enfim, o tempo não se define. E medir a sua duração também não é algo que se apresente como suscetível de realizar, de acordo com uma unidade de medida de agrado universal. Parece ser, pois, impossível medir o continuum de acordo com um só critério.

Com efeito, o tempo espacializado, o medido, o cronológico, o convencionado, o calendarizado, o da ampulheta, ou, o do nosso relógio de bolso parece ser universal. Mas corresponderá ele ao tempo real ou la durée?

Na verdade, como medir quanto tempo realmente passa enquanto se está à espera de algo bom ou mau, já que os momentos da duração real não são estáticos, nem se conservam para poderem ser comparáveis e medíveis? Mas, isso não será possível senão seguindo a lógica do tempo psicológico. Na realidade, ao contrário do tempo físico, que flui sempre de forma uniforme, parece existir um tempo da consciência que é radicalmente diferente daquele que indicam os relógios, podendo variar conforme as circunstâncias, dando a impressão de estagnar, ou, pelo contrário, acelerar.

Na nossa consciência, o presente reveste-se de um remanescente instante precedente e de uma antecipação do momento seguinte. Neste contexto, como se poderá contabilizar o tempo de espera de uma sentença que decidirá sobre um direito de alguém, ou, como se poderá apurar se a duração de certo processo que correu no Tribunal excedeu ou não a duração razoável. Cumpre, pois, perceber que as questões que normalmente se colocam em torno do tempo ganham particularidades no contexto do universo jurídico.

Com efeito, o tempo não é apenas um objeto caro ao pensamento dos filósofos, nem é apenas algo sobre o qual os sociólogos e cientistas meditam. O tempo tem uma dimensão eminentemente social e jurídica. E o tempo jurídico revela-se em diversas dimensões, tanto cronológicas como de normatividade.

Cumpre notar, contudo, que o tempo é um elemento integrante da atuação dos diversos poderes estaduais, do legislativo, do executivo e do jurisdicional, sendo que se revela como condicionante da atuação do sujeito jurisdicional.

E assim, revelando-se o tempo presente como uma dimensão de tempo assaz instantânea, incompatível com a proteção de certas situações carentes de tutela jurisdicional, cumpre perceber a função excepcional que a Lei Fundamental vem atribuir a um sujeito jurisdicional especial. Assim, autorizado a agir contra tempo e legitimado a antecipar-se no tempo, o sujeito jurisdicional vem colocar-se na dimensão do presente - de um presente que é simultaneamente passado muito recente e futuro muito próximo - e vem realizar a proteção das pretensões jurídicas que só existem nessa mesma dimensão do presente, as pretensões jurídicas urgentes, assegurando assim a tutela jurisdicional efetiva.

A função excepcional deste especial juiz da urgência só se compreende bem no contexto de uma sociedade que passa por um processo de transformação séria também ao nível cultural, id est, de uma comunidade que radicaliza a sua relação com o tempo, em termos que a preferência pelo presente surge à custa da desvalorização do futuro.

Por outras palavras, o que se colima é a efetividade do processo, conceito indeterminado, mas cujo perfil foi desenhado por BARBOSA MOREIRA (1986, p.27) nestes termos:

"O processo deve dispor de instrumentos de tutela adequados, na medida do possível a todos os direitos contemplados no ordenamento jurídico, que resultam de expressa previsão normativa, que possam inferir no sistema (a); Esses instrumentos devem ser praticamente utilizáveis, ao menos em princípio, sejam quais forem os supostos titulares dos direitos de cuja preservação ou reintegração se cogita, inclusive quando indeterminado ou indeterminável o círculo dos eventuais sujeitos (b); Impende assegurar condições propícias à exata e completa reconstituição dos fatos relevantes, a fim de que o convencimento do julgador corresponda, tanto quanto puder, à realidade (c); Em toda a extensão da possibilidade prática, o resultado do processo há de ser tal que assegure à parte vitoriosa o gozo pleno da específica utilidade a que faz jus segundo o ordenamento (d); Cumpre que se possa atingir semelhante resultado com o mínimo dispêndio de tempo e de energias (e)."

Ao lado dos imperativos constitucionais acima transcritos, desde 1994, com a entrada em vigor da lei 8.952, que incorporou ao CPC brasileiro a antecipação dos efeitos da tutela, se busca uma maior efetividade do processo civil, já que possibilita ao juiz aplicar tal instituto no âmbito do procedimento comum ordinário e sumário.

Essa alteração legislativa noticia a quebra do paradigma liberal do processo e a necessidade de o operador do Direito, máxime o juiz, assumir uma nova postura menos passiva e mais atuante na luta pela realização efetiva do Direito material. Que assim seja. Como diria o poeta: "o tempo não para, não para não, não para!!".

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* Ana Carolina Lessa é advogada do escritório Martorelli Advogados, mestre em Direito Processual Civil e professora universitária.

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