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A solução de divergência 9 - COSIT e o princípio da legalidade

Ruan Vítor Lemos Guerra

Norma uniformiza o entendimento da RF acerca da possibilidade de aproveitamento de créditos de PIS e Cofins nas operações de importação de bens usados, destinados ao ativo imobilizado das empresas.

sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Atualizado em 21 de agosto de 2014 13:04

No último dia 6/8, quarta-feira, foi publicada no DOU a solução de divergência 9/14, da Coordenação-Geral de Tributação, uniformizando o entendimento da Receita Federal acerca da possibilidade de aproveitamento de créditos de PIS e Cofins nas operações de importação de bens usados, destinados ao ativo imobilizado das empresas. Para o Fisco, essas operações não geram o direito de crédito.

 

Entendendo o caso.

 

A Solução de Divergência é o nome técnico dado ao pronunciamento definitivo, pelo qual a RFB uniformiza o seu entendimento acerca de determinada matéria contida na legislação tributária federal. A COSIT, especificamente, é o órgão que, dentro da estrutura da RFB, fica a cargo de proferir esse tipo de pronunciamento.

 

Essa espécie de "parecer definitivo" só é proferida quando duas Regiões Fiscais, após serem provocadas pelos contribuintes a analisar certo(s) dispositivo(s) legal(is), a ele(s) dão entendimento divergente.

 

No caso concreto, uma empresa de São Paulo interpelou a 8ª região Fiscal da RFB para se pronunciar acerca da possibilidade, ou não, de aproveitamento de créditos de PIS e Cofins incidentes na importação de bens usados, destinados ao seu ativo imobilizado. Em resposta, foi proferida a solução de consulta 32/11, afirmando que o contribuinte não teria direito ao aproveitamento dos créditos relativos a essas operações.

 

Todavia, tendo notícia de que a 9ª região fiscal (PR e SC) havia se pronunciado em sentido diverso (na Solução de Consulta 134/05), a empresa paulista entrou com o Recurso de Divergência, a fim de que a COSIT uniformizasse o entendimento sobre a matéria.

 

Assim foi que veio a Solução de Divergência COSIT 9/214, unificando o posicionamento do Fisco sobre o aproveitamento dos créditos de PIS/Cofins nas operações de importações de bens usados, destinados ao ativo fixo e, como adiantado, não foi seguida a tese favorável aos contribuintes.

 

Pois bem. Embora a lei 10.865/04 (que trata do PIS e Cofins incidentes nas importações) traga, em seu art. 15, V, a possibilidade de as empresas se creditarem do PIS/Cofins incidentes nas importações de bens destinados ao ativo imobilizado, segundo o pronunciamento da COSIT, a instrução normativa 457/04, ao regulamentar a lei acima, vedou o aproveitamento dos créditos, se os bens importados forem usados.

 

E é aí que surgem algumas dúvidas: será que uma Instrução Normativa pode restringir o aproveitamento de um crédito previsto em lei? Essa instrução normativa possui tão somente o caráter regulamentar que lhe é permitido, ou ela extrapola essa competência, inovando no ordenamento jurídico?

 

A nosso ver, a Solução de Divergência em estudo contraria o mais basilar princípio do sistema constitucional tributário brasileiro, o da Legalidade. Explico.

 

De acordo com o art. 150, I, da Carta Política de 1988, é vedado aos entes federados, qualquer que seja a esfera (municipal, estadual, distrital ou federal), instituir ou aumentar tributos sem lei que o estabeleça.

 

Façamos, então, a seguinte análise: a lei 10.865/04 excetuou o aproveitamento dos créditos nas operações de importação de bens destinados ao ativo fixo? Não. Qual a função do aproveitamento de créditos de PIS/Cofins? Evitar a tributação "em cascata", permitindo a redução da carga tributária. No momento em que uma instrução normativa restringe o aproveitamento de créditos, qual o seu efeito prático? Aumentar a carga tributária da empresa. E poderia essa espécie de "ato normativo" assim dispor? Obviamente que não.

 

Ora, como vimos, o Princípio da Legalidade obsta que seja majorado tributo sem lei prévia que assim disponha.

 

Ademais, se olharmos para a hierarquia das normas, veremos que a função da instrução normativa é a de, tão somente, regular os procedimentos, de modo a permitir a efetivação dos preceitos contidos na lei a que se refere.

 

Norma secundária que é, a instrução normativa busca seu fundamento de validade na própria lei, de modo que não lhe é dado extrapolar os ditames desta; muito menos subvertê-los, criando restrições que, a priori, não existem e, principalmente, acarretam prejuízos ao contribuinte, como é o caso.

 

Se a lei 10.865/04 previu, indistintamente, que os contribuintes poderiam se creditar do PIS/Cofins pagos na importação de bens destinados ao ativo imobilizado, não faz sentido nem sequer imaginar que uma mera instrução normativa poderia limitar esse direito do contribuinte, vedando o aproveitamento dos créditos tão somente pelo fato de o bem importado ser usado.

 

É por isso que entendemos que a Solução de Divergência COSIT 9/14 é, sim, discutível, já que se baseia em um ato normativo ilegal, por impor restrição ao direito de crédito dos contribuintes, inexistente na lei 10.865/04, e inconstitucional, por violar o mais elementar princípio do sistema jurídico-tributário.

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*Ruan Vítor Lemos Guerra é advogado da banca Martorelli Advogados.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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