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Indenização por danos sociais fere regras do CPC

André Sonehara

Ao proferir uma sentença com parte da condenação em danos morais em favor da vítima e parte em danos sociais em favor de uma instituição, o julgador estará concedendo um benefício que sequer foi pedido pelo autor.

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Atualizado em 25 de setembro de 2014 13:55

O conceito de responsabilidade está intimamente ligado ao "senso de justiça" da sociedade. Sob a ótica jurídica do termo, traduz a ideia de que aquele que praticou um ato e, com isso, causou um dano a outrem, deve responder por aquela conduta danosa.

Quando analisado sob o prisma do Direito Civil, a forma de responsabilização mais aplicada é a indenização, que consiste na reparação do dano causado a outrem, por meio do pagamento de uma quantia em dinheiro.

Se o dano sofrido pela vítima se dá na esfera patrimonial, a indenização é chamada de danos materiais. Ela consiste na reparação no valor da quantia perdida ou do que a vítima deixou de ganhar.

Todavia, o Direito brasileiro prevê ainda a possibilidade de que a pessoa seja financeiramente reparada por um dano sofrido na esfera dos sentimentos. Trata-se da indenização por danos morais. Ela serve para reparar a pessoa que, em razão da conduta antijurídica de outrem, passa por intensa dor sentimental ou é submetida a uma situação vexatória e constrangedora.

Considerando que as indenizações por danos morais passaram a ser tema frequente no Judiciário brasileiro, e tendo em vista a subjetividade do dano sofrido de forma sentimental, a doutrina jurídica e os Tribunais Superiores estabeleceram critérios que devem ser obedecidos quando da apreciação de uma demanda.

Dentre os critérios estabelecidos, chegou-se ao entendimento de que, nas ações indenizatórias em que for reconhecida a obrigação de indenizar a vítima por danos morais, a sentença deverá servir para reparar a vítima, levando-se em conta a intensidade do dano, e para punir o ofensor, de modo a coibi-lo de cometer aquela conduta novamente. Essas duas funções da decisão indenizatória foram chamadas de efeitos da sentença. O primeiro é o efeito reparatório e o segundo, o punitivo.

Para que se atinja o efeito reparatório, a sentença deverá ser arbitrada em valor suficiente para compensar a vítima pelo dano moral sofrido, que não poderá ser tão grande, a ponto de lhe causar um enriquecimento ilícito, nem tão pequeno que não permita que o lesado sinta-se minimamente reparado.

Para atingir o efeito punitivo, a sentença indenizatória deverá ser arbitrada em valor que efetivamente sirva como punição ao agente da conduta ilícita, para que se sinta desestimulado a cometer aquele ato novamente.

Contudo, tem se mostrado uma tarefa sensivelmente complicada atingir concomitantemente os efeitos punitivo e reparatório da sentença de danos morais, especialmente quando a vítima possui uma condição financeira muito inferior à condição do causador do dano.

Nesta situação, o julgador se vê em um impasse porque se a indenização for arbitrada em valor módico, a não enriquecer ilicitamente a vítima, o causador do dano, que tem uma condição financeira muito melhor, não sentiria a perda pecuniária, o que poderia o estimular a continuar a praticar a conduta ilícita. Por outro lado, se a condenação for alta suficiente para punir o agente, a vítima que possui módicas condições financeiras, se verá ilicitamente enriquecida.

A solução encontrada por alguns magistrados para o impasse apresentado seria de se observar primeiramente o efeito punitivo. Assim, a indenização deveria ser arbitrada em valor suficiente para punir o agente e desestimulá-lo a praticar novamente aquele ato.

Se acaso aquele valor fosse alto demais, a ponto de causar um enriquecimento ilícito à vítima, somente parte da indenização seria destinada ao Autor, até o limite suficiente para repará-lo sem enriquecê-lo. O valor remanescente seria destinado a uma instituição de caridade.

Esta condenação arbitrada em favor de uma entidade filantrópica com objetivo de atingir o efeito punitivo da sentença, quando aplicada em face de grandes empresas, tem sido chamada de Danos Sociais, ao argumento de que a conduta ilícita reiterada da referida empresa causaria danos à sociedade. Todavia, esta aplicação tem se mostrado extremamente polêmica. Isso porque, com a pretensão de punir e desestimular o causador dos danos, tais condenações têm ignorado diversas disposições do Código de Processo Civil. Ao proferir uma sentença com parte da condenação em danos morais em favor da vítima e parte em danos sociais em favor de uma instituição, o julgador estará concedendo um benefício que sequer foi pedido pelo Autor. Ou seja, vai proferir uma sentença extra petita.

Além do mais, o CPC veda que uma sentença confira benefícios a terceiros estranhos à lide (art. 472), bem como determina que o juiz não pode prestar tutela ex officio (art. 2º), nem conhecer de questões não suscitadas (art. 128), tampouco condenar o réu em objeto diverso do demandado (art. 460).

Assim, atento a estas afrontas ao CPC, em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça recebeu Recurso Especial interposto por um grande banco, que foi condenado por ter efetuado uma cobrança referente a um cartão de crédito não solicitado por uma cliente. A condenação recorrida determinou que o banco efetuasse o pagamento de cinco mil reais a título de danos morais em favor da Autora, e dez mil reais a título de danos sociais em favor de uma instituição de caridade.  O STJ tomou o caso como representativo de controvérsia repetitiva e determinou a suspensão de todas as demandas em trâmite nos Juizados Especiais, que, sem pedido, tenham condenado as instituições financeiras ao pagamento de indenizações a título de danos sociais em favor de terceiros estranhos à lide.

Diante de tal contexto, num futuro próximo a comunidade jurídica terá um posicionamento do STJ sobre as condenações em Danos Sociais em favor de instituições de caridade. É certo que se espera que sejam reconhecidas as sérias ofensas aos dispositivos do Código de Processo Civil, vícios estes que definitivamente não podem ser ignorados em prol de se atingir o efeito punitivo da sentença indenizatória.

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*André Sonehara é advogado do setor Cível do escritório Marcelo Tostes Advogados, pós-graduado em Direito Processual pela Universidade Fumec.

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