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A força executiva da sentença de improcedência em demanda declaratória de negativa de relação obrigacional e o CPC/15

César Cipriano de Fazio

No regime instituído pelo CPC/15, a sentença de improcedência de demanda de inexistência ou de inexigibilidade de débito não configura título executivo a autorizar a cobrança da dívida por cumprimento de sentença.

sábado, 22 de agosto de 2015

Atualizado em 21 de agosto de 2015 15:08

A força executiva da sentença de improcedência proferida em demanda declaratória de inexistência de relação obrigacional, reconhecida pela jurisprudência do STJ, em julgamento pelo regime do art. 543-C, do CPC/73 (REsp 1.261.888/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, 1ª seção, julgado em 9/11/11, DJe 18/11/11 - recurso repetitivo - Tema 509) e em decisões sucessivas da mesma corte, já não era imune a críticas e é tema merecedor de renovada reflexão, inclusive diante do CPC/15.

Autorizada doutrina, capitaneada por Teori Abino Zavascki (Executividade das sentenças de improcedência em ações declaratórias negativas, Revista de Processo. São Paulo: RT, 2012, vol. 208, p. 13/20), defende a possibilidade de execução da sentença de improcedência da demanda declaratória negativa de existência de relação jurídica obrigacional, sob dois argumentos principais: a) a tutela jurídica do demando é decorrência natural da sentença de improcedência, independentemente de reconvenção, à qual careceria interesse processual, pois "o julgamento de mérito importará necessariamente um juízo de certeza sobre a existência ou sobre a inexistência da obrigação" (p. 19), exaurindo, com isso, a atividade cognitiva; b) se o sistema admite como título executivo o documento particular assinado pelas partes e por duas testemunhas, não poderia negar força executiva a essa sentença, sob pena de atentar contra a lógica do sistema processual (p. 16).

Nota-se que a substituição da expressão "declarar a existência" por "reconhecer a exigibilidade", na comparação do art. 475-N, I, do CPC/73, com o art. 515, I, do CPC/15, não opera efeitos no plano prático, pelo menos para a questão ora em análise, conquanto no plano teórico nos pareça que a exigibilidade tenha passado de elemento extrínseco do título executivo (SHIMURA, Sérgio Seiji. Título Executivo, São Paulo: Saraiva, 1997, p. 143), para elemento intrínseco, isto é, antes de vencida a dívida representada pelo documento, por exemplo, não haveria título executivo.

As sentenças declaratórias, voltadas precipuamente à superação de crises de certeza, em regra não autorizam o cumprimento de sentença, porquanto não reconhecem a exigibilidade obrigação por parte do demandado, na forma do art. 515, I, CPC/15 (correspondente ao art. 475-N, I, CPC/73) ou o condenam, na dicção do art. 509, do CPC/15.

Não se pode negar, todavia, que há sentenças declaratórias as quais, ao reconhecerem a existência de obrigação ou sua exigibilidade, teriam caráter condenatório, mesmo que potencial, e renderiam ensejo a cumprimento de sentença, por exemplo, ao revogar tutela antecipada já efetivada pelo autor (obrigando-o, por força de lei, a indenizar pelos danos daí advindos), ou ao reconhecer a existência de dívida na pendência do termo de vencimento (sentença acidentalmente prospectiva). Esse não é o caso, porém, das sentenças de improcedência de demanda declaratória de inexistência ou inexigibilidade de débito.

O primeiro obstáculo a ser superado pelos defensores da teoria encampada pela jurisprudência do STJ é aquele atinente ao próprio conteúdo dessa sentença, pois o provimento de mérito que nega a pretensão declaratória de inexistência ou de inexigibilidade, fundada em determinada causa de pedir, não pode ser identificado com aquele que reconhece a pretensão de existência ou exigibilidade, sob pena de ofensa aos princípios da demanda e da congruência (arts. 2º e 492, CPC/15 e arts. 2º e 460, caput, CPC/73), conforme advertem a respeito Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015). Analogicamente, negar a declaração de inexistência de discos voadores porque o interlocutor jamais os vira não se traduz na admissão de sua existência, mas única e exclusivamente na negativa de sua inexistência sob aquele fundamento (ou causa de pedir).

Em outras palavras, negar a inexistência de relação obrigacional por determinada causa de pedir não corresponde a negá-la por todas possíveis, mercê da substanciação adotada pelo sistema processual brasileiro (art. 319, III, CPC/15, e art. 282, III, CPC/73).

Não se pode considerar, ademais, por força de imperativo lógico da mesma ordem, que a exigibilidade ou mesmo a existência seria consequência automática da declaração negativa de inexistência, na forma do que ocorre, por exemplo, com a restituição da coisa em sentenças de resolução de contrato de compra e venda.

A questão crucial neste caso, portanto, é verificar a verdadeira amplitude objetiva da demanda, cujo alargamento não prescinde de reconvenção, muito menos pode ser realizado inadvertidamente pela sentença de improcedência.

Também se nega a incidência a essas sentenças, da regra do art. 515, I, do CPC/15, em virtude da inexistência de norma que imponha a concentração, na petição inicial, de todas as causas de pedir relacionadas ao mesmo pedido (inexigibilidade ou inexistência), pois adotada pelo CPC/73 e pelo CPC/15 a regra da substanciação, atinente à causa de pedir, ao avesso do que ocorre com a matéria de defesa, a qual deve se concentrar na contestação (art. 336, CPC/15, e art. 300, CPC/73).

Aliás, os limites da eficácia preclusiva da coisa julgada (art. 508, CPC/15 e art. 474, CPC/73) se restringem aos argumentos relacionados à mesma "ação", isto é, à mesma causa de pedir e pedido versados entre aquelas mesmas partes, não atingindo todas as possíveis causas de pedir, vale dizer, não há exaurimento da cognição a esse ponto, que seria necessário para render ensejo à cobrança da dívida via cumprimento de sentença.

Por isso, a sentença de improcedência da demanda declaratória de inexistência por ausência de objeto lícito não poderia afastar a possibilidade de alegação de inexistência fundada em incapacidade do devedor, o que se daria caso se admitido o cumprimento da sentença, diante do estreito limite às matérias de impugnação (art. 525, §1º, VII, CPC/15, e art. 475-L, VI, CPC/73).

Para o reconhecimento da exigibilidade ou mesmo da existência da dívida, a autorizar o cumprimento de sentença, o sistema do CPC/15, assim como o do CPC/73, reclama a propositura de reconvenção, demanda na qual fica o autor-reconvindo sujeito à concentração da defesa (arts. 336, CPC/15, e 300, CPC/73), cujos argumentos ficam totalmente abarcados pela eficácia preclusiva da coisa julgada.

A inovação a respeito dos limites objetivos da coisa julgada, havida pelo art. 503, §1º, CPC/15, tampouco é capaz de abalar essas conclusões, mercê da sua limitação às questões efetivamente debatidas e decididas nos autos. No exemplo acima apresentado, a existência de agente capaz, ou outras causas de pedir declaração de inexistência da obrigação, não poderia ser atingida pela coisa julgada se as partes debateram apenas a questão da licitude do objeto da relação obrigacional, portanto, não se poderia considerar a questão da existência ou da exigibilidade, a tal ponto superada, com a aptidão de formar título executivo judicial, na forma do art. 515, I, do CPC/15.

Por fim, o argumento de que o mero instrumento particular assinado por duas testemunhas é título executivo e, por isso, a sentença de improcedência da demanda de inexigibilidade da dívida também o deveria ser, encontra óbice na severa distinção dos procedimentos, sobretudo quanto à amplitude da matéria de defesa (arts. 525, §1º, VII, e 917, VI, ambos do CPC/15), para execução de títulos judiciais e extrajudiciais.

Conclui-se, por tais razões, que no regime instituído pelo CPC/15, assim como no vigente, a despeito de respeitável doutrina e jurisprudência em sentido contrário, a sentença de improcedência de demanda de inexistência ou de inexigibilidade de débito não configura título executivo a autorizar a cobrança da dívida por cumprimento de sentença.

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*César Cipriano de Fazio é doutorando em direito processual civil na PUC/SP e advogado.

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