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A questão do ônus da prova em casos de fraude em contratos bancários

Gabriela de Mello Possiede

A inversão do ônus da prova surgiu para efetivar o princípio da isonomia, não para retirar toda e qualquer obrigação processual de uma das partes.

terça-feira, 1 de setembro de 2015

Atualizado às 11:33

Não é raro que muitos mutuários de contratos bancários entrem com uma ação judicial imputando ao banco réu o ônus da prova.

Sabe-se que o ônus da prova é a incumbência de provar determinado fato ou determinada afirmação. O CPC adota a Teoria Estática de Distribuição do Ônus da Prova, em que a prova é distribuída de maneira imutável entre as partes, ou seja, a prova é de quem alega. Na redação do artigo 333, o código determina que:

Art. 333. O ônus da prova incumbe:

I - ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

Sendo assim, o Código especificou situações em que caberia o onus probandi ao autor da ação e outras em que este caberia ao réu. Isto é dado como regra. Sendo assim, a tendência é que o ônus da prova seja do autor, pois é este sempre alegará os fatos que constituem seu direito, cabendo ao réu apenas provar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor.

Porém, em 1990, foi implantado o CDC (lei 8.078/90), que trouxe um novo instituto em seu artigo 6º, inciso VIII: a inversão do ônus da prova.

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

Isto se dá porque o consumidor tende a ser a parte hipossuficiente das relações jurídicas de consumo. Então, inverte-se o ônus da prova para a empresa ré, que seria o polo forte da relação e que teria melhores condições de provar sua tese.

Quanto às situações de relações de consumo provenientes de contratos bancários em que o mutuário ajuíza uma ação alegando fraude, a jurisprudência mais atualizada tem entendido que: "A inversão do ônus da prova, decorrente da incidência do Código de Defesa do Consumidor, não possui o condão de eximir a parte demandante de constituir prova mínima das alegações vertidas na inicial."1

Quando a relação entre as partes se encaixa no perfil de relação de consumo, é de comum que se inverta o ônus de provar o alegado, cabendo este ao banco réu, pois o mutuário seria a parte hipossuficiente da relação.

Pois bem, temos que o banco réu, ao apresentar junto à contestação os documentos que comprovem sua tese de defesa, devidamente cumpre com sua incumbência de provar o que expôs (por meio de prova documental apresentada juntamente com a contestação). Então, com tais documentos, o banco não se faz obrigado a produzir nenhuma outra prova, a não ser que o queira.

Apesar de ser parte hipossuficiente, o consumidor não se desincumbe totalmente do ônus da prova. Sobre isto, temos a decisão proferida pelo TJ/MS, no sentido de que: "(...)mesmo o consumidor sendo a parte economicamente mais fraca na relação contratual, isso não significa, automaticamente, que os fatos por ele alegados devam ser presumidos verdadeiros, até que a parte contrária comprove o contrário (inversão do ônus da prova). Para tanto, necessário se faz a demonstração da sua hipossuficiência quanto à produção da referida prova, caso contrário, ficará a seu cargo o ônus probatório do direito alegado."2

Ainda, tem-se o entendimento de Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero:

A norma que atribui o ônus da prova tem uma dupla finalidade no processo civil brasileiro contemporâneo. Serve como guia para as partes, funcionando assim como uma regra de instrução, com o que visa estimular as partes à prova de suas alegações e adverti-las do risco que correm ao não prova-las. Serve ainda como um guia para o juiz, no que aparece como uma regra de julgamento, a fim de que o órgão jurisdicional, diante de uma situação de dívida invencível sobre as alegações de fato da causa, passa decidi-la sem arbitrariedade, formalizando o seu julgamento com a aplicação do art. 333, CPC3

Com isso, cabe ao autor impugnar o provado pelo banco réu, pois como o ônus se esgotou pelo banco, o ônus é seu de provar suas alegações. Até porque, além do fato de que este estaria satisfeito com as provas que produziu, não desejando produzir mais nenhuma, não há sentido em pedir ao banco que produza provas para ir contra seus próprios argumentos.

Temos a respeito disso a redação do art. 368. do CC que afirma:

Art. 368. As declarações constantes do documento particular, escrito e assinado, ou somente assinado, presumem-se verdadeiras em relação ao signatário.

Parágrafo único. Quando, todavia, contiver declaração de ciência, relativa a determinado fato, o documento particular prova a declaração, mas não o fato declarado, competindo ao interessado em sua veracidade o ônus de provar o fato.

Nesta ótica, incumbiria ao consumidor o ônus de produzir novas provas, visto que o réu satisfez seu encargo de provar a legitimidade do contrato.

Ainda, caso o juízo ou o próprio consumidor entenderem que se faz necessária a produção de prova pericial, o ônus para custear ela não deverá recair sobre o réu, como entende o STJ, em precedente onde se afirma que "(...) quanto à inversão do ônus da prova e das despesas para custeá-la quando verificada a relação de consumo, é no sentido de que os efeitos da inversão do ônus da prova não possuem a força de 'obrigar a parte contrária a arcar com as custas da prova requerida pelo consumidor'."4

Portanto, caberá ao consumidor desconstituir o fato extintivo e impeditivo trazido aos autos pelo banco réu. Logo, caso haja necessidade da prova pericial, caberá ao consumidor efetuar o pagamento dos honorários periciais, se tiver interesse na presente prova.

É certo que é preciso proteger a parte hipossuficiente da relação jurídica, porém, é preciso lembrar que a inversão do ônus da prova surgiu para efetivar o princípio da isonomia, não para retirar toda e qualquer obrigação processual de uma das partes.

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1 TJ/RS - Apelação Cível: AC 70061937140 RS
2 Apelação Cível Ordinária 2012.020285-2
3 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil Comentado artigo por artigo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 336
4 REsp 1.445.161 - SC (2014/0068679-8)


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*Gabriela de Mello Possiede é colaboradora do escritório Küster Machado - Advogados Associados.

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