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Qual a relação entre registro de medicamentos e patentes?

Igor Simões

É evidente a preocupação governamental com relação ao setor farmacêutico, tanto no que diz respeito ao registro de medicamentos quanto às patentes. Com freqüência, nos defrontamos com ameaças do governo de licenciar compulsoriamente patentes de determinados medicamentos, medida conhecida como "quebra de patentes". Porém, o problema reside muito mais na falta de investimentos e de políticas públicas sérias na área da saúde do que na concessão de patentes. Na verdade, quem perde com o debate escasso sobre o tema é a população.

terça-feira, 18 de abril de 2006

Atualizado em 17 de abril de 2006 12:45


Qual a relação entre registro de medicamentos e patentes?


Igor Simões*


É evidente a preocupação governamental com relação ao setor farmacêutico, tanto no que diz respeito ao registro de medicamentos quanto às patentes. Com freqüência, nos defrontamos com ameaças do governo de licenciar compulsoriamente patentes de determinados medicamentos, medida conhecida como "quebra de patentes". Porém, o problema reside muito mais na falta de investimentos e de políticas públicas sérias na área da saúde do que na concessão de patentes. Na verdade, quem perde com o debate escasso sobre o tema é a população.


No Brasil, apenas a Anvisa possui competência para conceder o registro para a comercialização de um determinado medicamento. De posse deste registro, a empresa está autorizada pelo órgão a comercializar seu produto em território nacional, ressalvados os direitos de terceiros.


Uma forma importante que o governo possui para aumentar o acesso da população aos fármacos é o incentivo à indústria de medicamentos genéricos, cujo setor é formado por laboratórios nacionais e estrangeiros. Não é por acaso que o mercado mundial de medicamentos genéricos tem crescido a uma média de 11% ao ano, e que o consumo desses medicamentos, no Brasil, cresceu quase 220%, desde que chegaram às farmácias, em 2000. Este crescimento se deve ao fato de que quando o medicamento genérico entra no mercado, sem os mesmos custos de pesquisa e de propaganda do medicamento de referência, acaba sendo vendido a um preço até 40% menor.


Com relação ao medicamento genérico, conforme a própria definição legal, este só pode ser fabricado caso o medicamento de referência não possua proteção de patente ou outros direitos de exclusividade. Partindo-se desse princípio, é sensato dizer que, tendo a Lei nº 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial) instituído a possibilidade de se obter patentes para produtos e processos farmacêuticos no Brasil, o apoio do governo federal à fabricação de medicamentos genéricos pode ser considerado como uma forma de tentar fortalecer a indústria farmacêutica nacional, que, com exceção de poucas empresas, não tem tradição em pesquisa de medicamentos inovadores.


No que diz respeito à patente de um medicamento, esta pode ser definida como o monopólio de exploração do mesmo, por tempo limitado, que é conferido pelo Estado, na forma do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), com prévia anuência da Anvisa. Diferente do registro de comercialização concedido pela Anvisa, a concessão da patente não autoriza a empresa titular do monopólio a comercializar o medicamento no Brasil, apenas lhe dá direitos exclusivos de exploração. Ou seja, se uma empresa possui exclusividade patentária de um medicamento e não possui registro de comercialização, o produto não pode ser vendido nem por ela nem por mais ninguém.


Em nosso país, percebemos que não existe qualquer relação entre os processos de obtenção do registro de comercialização e o de obtenção de uma patente para um mesmo medicamento. O motivo é a falta de interesse e sintonia entre as duas instituições nacionais envolvidas, que são a Anvisa e o INPI. Esse vácuo é prejudicial, pois o registro de comercialização e a patente de um medicamento deveriam estar diretamente ligados. Infelizmente, com isso, não raro, ocorrem casos de concessão de registros de comercialização a terceiros de medicamentos protegidos por patentes, cujos prazos de vigência ainda estão longe de terminar.


Um bom exemplo de interação entre instituições responsáveis pela concessão de registros de medicamentos e patentes, é o trabalho realizado em conjunto entre a repartição Norte-americana de Marcas e Patentes (sigla, em inglês, USPTO) e o FDA (U.S. Food and Drug Administration). Por exemplo, informações complementares sobre as datas de expiração de patentes de medicamentos podem ser obtidas no "Orange Book" (fonte - FDA, Center for Drug Evaluation and Research). Com a cooperação entre o FDA e o USPTO, uma empresa interessada em fabricar um determinado medicamento que ainda esteja protegido por patente nos EUA, pode saber quando tal patente vai se extinguir e pode se preparar para colocar o medicamento genérico no mercado norte-americano assim que a patente deixar de ser válida. Trata-se de um modelo de sucesso de cooperação e que poderia ser seguido por nossas instituições envolvidas. Se isso ocorresse no Brasil, provavelmente, o número de medicamentos genéricos comercializados iria aumentar, ocasionando crescimento da oferta de medicamentos de qualidade, com preço menor ao consumidor.


As sugestões para a solução do problema são: formulação de uma política pública séria na área da saúde, com controle de preços que reconheça a relevância das pesquisas, respeito à propriedade industrial, incluindo reestruturação do INPI, e uma política regulatória estável. Talvez tenhamos, assim, um maior número de parcerias entre iniciativa privada e instituições acadêmicas com aumento de investimentos em P&D por parte da indústria farmacêutica, com frutos a serem colhidos para o povo, objetivando, verdadeiramente, o seu bem-estar.
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*Agente da Propriedade Industrial do escritório Daniel Advogados









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