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Distinções entre membros da Defensoria Pública e advogados e suas implicações

Eduardo Silveira Ladeia

Considero juridicamente possível a desvinculação dos Defensores Públicos à Ordem dos Advogados do Brasil.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Atualizado em 22 de fevereiro de 2016 15:11

Com certa frequência sou abordado por leigos pretendendo a orientação e o acompanhamento de advogado. No Gabinete, durante a entrevista com o assistido, tento esclarecer o papel institucional da Defensoria Pública, quando, então, o cidadão passa a compreender - ainda que superficialmente - a função do Defensor Público. Até aqui tudo bem.

O que me surpreende é, na condição de Defensor Público, ser chamado de advogado por magistrados, membros do Ministério Público e outros profissionais do Direito. Não que seja ofensivo ser equiparado a advogado, pelo contrário, ante a bela e importantíssima função. O que se objetiva é ser reconhecido como Defensor Público, com características, atribuições, prerrogativas e deveres inerentes a um membro da Instituição Defensoria Pública.

Interessa registrar que, apesar de haver semelhança sob certo olhar, o que será tratado oportunamente, há outros e mais relevantes aspectos que tornam distintos tais profissionais.

Como gênero profissional do Direito poderiam ser citados os magistrados, os membros do Ministério Público, os Advogados Públicos, os Delegados, os Defensores Públicos, os Advogados e outros. O mesmo ocorre no âmbito dos profissionais da saúde, como médicos, dentistas, enfermeiros dentre outros, embora cada um tenha suas especificidades, como se dá com o Defensor Público e o Advogado. Várias são as distinções e elas possuem enfoques variados.

No plano constitucional, no Capítulo IV da Constituição da República Federativa do Brasil, que dispõe "Das Funções Essenciais à Justiça", há tratamento específico para o Ministério Público (Seção I, art. 127 e seguintes), para a Advocacia Pública (Seção II, art. 131 e seguinte), para a Advocacia (Seção III, art. 133) e, por fim, e não menos importante, para a Defensoria Pública (Seção IV, art. 134 e seguinte).

Como regra de hermenêutica, certo que se houvesse identidade entre os membros da Defensoria Pública e os Advogados por óbvio não seriam tratados em artigos constitucionais distintos. Ora, no art. 133 há expressa previsão do advogado, elevando a única profissão liberal ao status constitucional, quando diz ser indispensável à administração da justiça. Por sua vez, no art. 134, com redação dada pela EC 80/14, a Constituição Federal faz menção à Instituição Defensoria Pública como sendo permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal.

Sem querer esmiuçar o dispositivo constitucional que trata da Defensoria Pública, é dele que se extrai outra diferença - agora no plano legal ou infraconstitucional - quando faz menção à possibilidade de atuação em favor dos interesses coletivos, o que inegavelmente impõe a citação da lei 7.347/85, com redação dada pela lei 11.448/07, que trata da legitimidade da Defensoria Pública para ajuizar ação civil pública, isto é, o Defensor Público agindo como substituto processual, o que não se vê em relação aos advogados, salvo na condição de representante processual de alguma associação legitimada. Mas aqui quem detém a legitimação é a associação e não o advogado.

Como reforço da legitimidade do Defensor Público para promover ação civil pública cito o julgado da Corte Especial do C. STJ, em sede de EREsp 1.192.577-RS, da relatoria da Min. Laurita Vaz, publicado em 13/11/15, no qual registrou ter a Defensoria Pública legitimidade para propor ação civil pública em defesa de interesses individuais homogêneos de consumidores idosos que tiveram plano de saúde reajustado em razão da mudança de faixa etária, ainda que os titulares não sejam carentes de recursos econômicos, aqui entendendo pela condição de hipervulnerabilidade social, isto é, os socialmente estigmatizados ou excluídos, as crianças, os idosos, as gerações futuras. Do mesmo modo o C. STF no Recurso Extraordinário 733.433, com repercussão geral reconhecida (tema 607), com relatoria do Min. Dias Toffoli, reconheceu a legitimidade para a ação coletiva.

Prosseguindo com as diferenças, o que não torna uma profissão melhor ou pior que outra, ambas relevantes e necessárias, embora distintas, há previsão - no âmbito processual - de prazo em dobro para manifestar em quaisquer processos e intimação pessoal no Gabinete do Defensor Público (Art. 44, I; Art. 89, I; e, Art. 128, I, Lei Complementar Federal 80/94), ratificado pelo recente julgado do C. STF (HC 125.270).

Até mesmo no novo Código de Processo Civil há inúmeras previsões mencionando distintamente o Defensor Público e o Advogado, como exemplos, art. 144, III e §1º; 186, caput e 1º, reforçando a intimação pessoal e o prazo em dobro; 207, parágrafo único; 234, caput; 362, §2º; 610, §2º; 733, §2º; dentre outros).

Outrossim, agora no âmbito tributário, por prestar serviço, o Advogado está sujeito ao recolhimento do tributo respectivo de competência municipal (art. 156, III, CR/88), o que não se dá em relação à atividade de Defensor Público, já que presenta o Estado como instrumento do regime democrático, incumbindo-lhe, dentre outras, de promover os direitos humanos.

Há, ainda, a diferença de ordem administrativa, também com fundo constitucional, visto que para ingresso como membro da Defensoria Pública é necessária prévia aprovação em concurso público (art. 37, II, c/c art. 134, §1º, ambos da CR/88), com exigência de 03 anos de atividade jurídica (art. 134, §4º, que remete ao art. 93, ambos da CR/88), além de todas as consequências jurídicas inerentes ao cargo público, como a observância do teto do funcionalismo público (Art. 37, XI, CR/88), remuneração na forma de subsídio (art. 135, que faz referência ao art. 39, §4º, ambos da CR/88), com sujeição à Lei de Improbidade Administrativa (lei 8.429/92, art. 1º), dentre outras.

Com tantas referências legislativas e constitucionais, não é possível pensar - nunca em sentido pejorativo - que Defensor Público seja advogado, até porque tal pensamento ensejaria interpretação prejudicial ao membro da Instituição, visto que estaria sujeito disciplinarmente ao regramento previsto na Lei Orgânica da Defensoria Pública (LC 80/94) e, se Defensor Público Estadual, à Lei Orgânica Estadual (no caso de MT, Lei Complementar Estadual 146/03) e, se não fosse suficiente, ainda teria que se sujeitar aos ditames do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei Federal 8.906/94). Ora, totalmente desproporcional sujeitar o Defensor Público ao duplo regime disciplinar e aos Advogados apenas um, ainda que eventual falha na atuação seja única e idêntica.

Querer igualar o Defensor Público ao Advogado apenas porque ambas as profissões postulam em Juízo e prestam orientação jurídica implica deixar de lado todo o arcabouço jurídico acima demonstrado, até porque membro do Ministério Público também postulam em Juízo (seja no âmbito criminal ou cível) e nem por isso são Defensores Públicos ou Advogados.

Neste diapasão que considero juridicamente possível a desvinculação dos Defensores Públicos à Ordem dos Advogados do Brasil, já que a capacidade postulatória dos membros da Defensoria Pública decorre de Lei (art. 4º, §6º, Lei Complementar Federal 80/94), fazendo exigência apenas à nomeação e posse no cargo público.

A partir destes aspectos apresentados que se mostra necessária a reforma da Constituição Federal na parte que faz menção ao quinto constitucional na composição dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal e Territórios, já que há referência apenas aos membros do Ministério Público e aos advogados (art. 94, CR/88), esquecendo-se dos Defensores Públicos, o que inviabiliza (e não se tem notícia) a indicação dos membros da Defensoria Pública para compor Tribunais, violando expressa previsão na Constituição Federal quando dispõe acerca da autonomia Institucional (art. 134, §2º).

A meu ver, estas são as diferenças existentes entre os membros da Defensoria Pública e os Advogados, não que sejam as únicas, já que seria pretensioso nestas poucas linhas esgotar todas as especificidades, mas apenas demonstrar o óbvio e trazer o tema à discussão, sem demérito entre os profissionais, até porque antes do ingresso na carreira de Defensor Público já havia atuado como advogado e ocupado cargo na Advocacia Pública municipal.

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*Eduardo Silveira Ladeia é defensor público do Estado de MT.

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