MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. O agravo de instrumento e o rol do art. 1.015 do novo CPC: taxatividade?

O agravo de instrumento e o rol do art. 1.015 do novo CPC: taxatividade?

Rogerio Licastro Torres de Mello, Fabiana Souza Ramos, Anna Paola Bonagura e Renato Montans

Seria de melhor alvitre que o legislador houvesse prestigiado o rol taxativo mais extenso do projeto de novo CPC.

terça-feira, 8 de março de 2016

Atualizado em 7 de março de 2016 14:20

Uma das grandes discussões travadas na doutrina antes mesmo da entrada em vigor da lei 13.105/15, o novo CPC, está ligada ao disposto em seu art. 1.015. Precitado dispositivo legal, em redação inovadora, estabeleceu o rol de decisões que serão sujeitas ao agravo de instrumento1.

A partir de uma primeira leitura, parece que a intenção do legislador foi a de limitar o cabimento desta modalidade recursal, deixando as decisões não alcançadas pelo art. 1.015 do novo CPC livres da preclusão para, se for o caso, serem reiteradas em preliminar de apelação, ou nas contrarrazões de apelação (art. 1009, § 1º2).

A questão que se apresenta é a seguinte: este rol do artigo 1.015 do novo CPC é realmente taxativo, ou seria exemplificativo? Existem decisões interlocutórias que, a despeito de não estarem incluídas no rol do art. 1.015 do novo CPC, poderiam ser objeto de agravo de instrumento? Uma interpretação ampliativa do rol, ainda que excepcionalmente, não prestigiaria princípios como o da economia e da efetividade processuais, bem como fomentaria a obtenção de um resultado mais útil e qualitativamente elevado do processo, evitando-se prejuízos processuais graves?

A indagação que acima se sugere parece-nos oportuna porque, embora tenha tentado o legislador abarcar, no rol do art. 1.015, as situações que poderiam gerar prejuízo imediato às partes (ou a terceiros) de modo a justificar o pronto acesso ao Tribunal de segunda instância, é perceptível que algumas situações não alcançadas pelo aludido dispositivo legal podem ocasionar não só prejuízo, como também, caso apreciáveis apenas e somente por ocasião da futura apelação, retardar o trâmite do processo, colidindo com um dos objetivos precípuos do novo CPC, que é o de atribuir o maior índice possível de resultados úteis ao processo civil.

Para exemplificar o que ora tratamos, pense-se na decisão judicial que determina a emenda da petição inicial para aditamento do valor da causa e a consequente complementação de custas processuais. Imagine-se que o autor da ação entenda que não é o caso de emendar a inicial, muito menos de complementar as custas; contudo, caso este autor não cumpra a decisão judicial interlocutória em questão, a consequência será a prolação de sentença de extinção sem resolução de mérito (art. 485, I3), cabendo-lhe apenas o caminho da apelação.

Não terá, assim, o autor a possibilidade de impugnar de imediato, por intermédio do recurso próprio (o agravo de instrumento), a decisão interlocutória que determinou a emenda da inicial, caso com ela não concorde.

Outro exemplo é o da decisão que indefere o pleito de prova, pericial ou testemunhal. Em matéria probatória, o art. 1.015 prevê apenas o cabimento de agravo de instrumento em face da decisão que determina a atribuição diversa do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º4. No entanto, não traz tal art. 1.015 a possibilidade de interposição de agravo de instrumento em face da decisão que indeferir qualquer prova cuja produção for pretendida pela parte. Podemos imaginar hipótese em que a prova pericial deve ser produzida imediatamente, sob pena de perecimento, como no caso de um edifício incendiado prestes a ruir. Podemos, ainda, imaginar hipótese em que a oitiva da testemunha faz-se urgente, como no caso de vítima de doença terminal, ou até mesmo hipótese em que se faça necessária a acareação das testemunhas.

Como se vê, caso a prova, de fato, seja imperiosa para o deslinde da questão e sua produção, por qualquer razão, deva se dar de imediato, interpretando-se não caber agravo de instrumento em face da decisão que a indefere, poderá ocorrer a decretação de invalidade de todo o processo quando do julgamento da apelação ou nas contrarrazões respectivas, ou ainda, a impossibilidade material de produção daquela prova, em razão do seu perecimento. O cabimento de ação cautelar de produção antecipada de provas poderia ser uma saída, porém uma saída mais trabalhosa, mais onerosa, notadamente porque consubstanciada em uma ação autônoma, evidentemente mais complexa que um mero recurso como o agravo de instrumento.

Há que se mencionar, ainda, outra lacuna que reputamos grave no rol de decisões agraváveis do art. 1.015 do novo CPC: não está prevista em seus incisos a decisão que indefere a aplicação de negócio jurídico processual. Imagine-se, destarte, o que poderá ocorrer: as partes que celebraram negócio jurídico processual e que porventura experimentem o indeferimento de sua aplicação simplesmente terão que aguardar o momento futuro da apelação, ou das contrarrazões respectivas, para terem reapreciada sua pretensão de incidência da convenção processual, a qual, se admitida em grau de recurso, e por potencialmente trazer consigo impactos procedimentais relevantes, poderá exigir a anulação de todo o desenvolvimento prévio da causa, tornando inútil todo o esforço processual expendido até então.

Parece-nos evidente, assim, que algumas situações, tais quais as acima indicadas, não previstas no artigo 1.015 do novo CPC como passíveis de interposição de agravo de instrumento, poderão gerar prejuízo imediato à parte ou à própria efetividade do processo, indicando, assim, a necessidade de se atribuir ao litigante alguma via impugnativa da decisão não acobertada pelo dispositivo em questão, de forma imediata, caso se entenda ser taxativo o rol do art. 1.015.

Em doutrina, vem-se sustentando a possibilidade de cabimento de mandado de segurança em razão da ausência de recurso imediato cabível contra a decisão interlocutória não inserta no rol do art. 1.015 do CPC5.

Mas será que de fato esta é a melhor opção? Como sugerimos acima, relegar a impugnação de questões relacionadas à instrução probatória, à definição da competência absoluta (que também não é agravável, por não constar do art. 1.015) e congêneres apenas e exclusivamente para o momento da apelação ou das contrarrazões não seria algo hostil ao próprio espírito de eficiência máxima que o Novo CPC intenta projetar no quotidiano forense?

Temas sensíveis para o desenvolvimento adequado e útil do processo, como o são a adequada delimitação das provas e a correta fixação da competência, não teriam que, lógica e obrigatoriamente, ter sua apreciação imediata, tão logo quando surgida a decisão a seu respeito, de modo a organizar-se a marcha processual de maneira tecnicamente correta, evitando-se, assim, que ocorra primeiramente o esgotamento da atividade jurisdicional potencialmente viciada (por carência instrutória ou em virtude de incompetência absoluta) para que somente ao depois se lhe corrija o vício anteriormente verificado, anulando-se toda a tramitação processual havida até então6?

Será que em situações como as acima alistadas não seria o caso de se permitir análise excepcionalmente extensiva das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento, atribuindo-se maior amplitude aos seus incisos ou permitindo o cabimento de agravo de instrumento em situações não expressamente dispostas no art. 1.015?

A resposta à indagação acima formulada não é, decisivamente, simples: o rol do art. 1.015 do novo CPC realmente foi projetado como taxativo, e isto nos parece induvidoso, especialmente em razão do que dispõe o art. 1.015, XIII7. O ponto é outro: será que tal rol taxativo suportará a pressão externa tendente a elastecê-lo, notadamente porque não foram contempladas algumas sensibilíssimas decisões cujo enfrentamento recursal seria mais eficaz se ocorresse de imediato, em sede de agravo de instrumento, e não apenas em futura apelação, como acima aduzimos?

De remate, há outro aspecto merecedor de atenção relativamente à exiguidade do rol de decisões agraváveis do art. 1.015 do novo CPC: poder-se-ia alegar que não padece de qualquer problema um rol taxativo de decisões agraváveis tão exíguo porque o mandado de segurança serviria de remédio imediato para a impugnação de interlocutórias não agraváveis.

A questão não nos parece tão singela assim.

O mandado de segurança impetrável em face de decisões interlocutórias não agraváveis exige, como condição de admissibilidade, a inexistência de recurso em face da decisão que se pretende impugnar, vale dizer, cabe mandado de segurança de decisão judicial desde que não exista qualquer recurso cabível em face desta decisão.

E aqui bate o ponto: as decisões interlocutórias não arroladas no art. 1.015 não são, tecnicamente, irrecorríveis, pois delas cabe, a rigor, a impugnação recursal veiculável em futura apelação ou contrarrazões respectivas! Em tempos de reconhecido defensivismo jurisprudencial, não nos afigura impossível que mesmo o mandado de segurança em face de interlocutórias não agraváveis seja tornado inviável em virtude de serem tais decisões recorríveis por meio de apelação ou contrarrazões.

Parece-nos, à luz do que acima expusemos, que seria de melhor alvitre que o legislador houvesse prestigiado o rol taxativo mais extenso do Projeto de Novo CPC "versão Câmara dos Deputados" (Projeto de Lei 8.046/10), em que decisões sobre provas, por exemplo, eram agraváveis, em vez do rol excessivamente restritivo do art. 1.015 do novo CPC, que culminou por prevalecer.

______________

1 Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:

I - tutelas provisórias;

II - mérito do processo;

III - rejeição da alegação de convenção de arbitragem;

IV - incidente de desconsideração da personalidade jurídica;

V - rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação;

VI - exibição ou posse de documento ou coisa;

VII - exclusão de litisconsorte;

VIII - rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio;

IX - admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros;

X - concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução;

XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º;

XII - conversão da ação individual em ação coletiva (vetado);

XIII - outros casos expressamente referidos em lei.

Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.

2 Art. 1009. (...) § 1o As questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões.

3 Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando: I - indeferir a petição inicial; (...).

4 §1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.

5 "Esta opção do legislador de 2015 vai, certamente, abrir novamente espaço para o uso do mandado de segurança contra atos do juiz. A utilização desta ação para impugnar atos do juiz, no ordenamento jurídico ainda em vigor, tornou-se muito rara. Mas, à luz do novo sistema recursal, haverá hipóteses não sujeitas a agravo de instrumento, que não podem aguardar até a solução da apelação. Um bom exemplo é o da decisão que suspende o andamento do feito em 1º grau por prejudicialidade externa. Evidentemente, a parte prejudicada não poderia esperar." (WAMBIER, Teresa; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins e; MELLO, Rogerio Licastro Torres de. Primeiros comentários ao Novo CPC. Artigo por artigo. São Paulo: RT, 2015, p. 1453).

6 Aqui não se ignora o disposto no art. 64, § 1º quanto ao aproveitamento dos atos praticados pelo juiz incompetente "até que outra seja proferida", mas pressupõe-se hipótese em que o juiz competente entenda pela necessidade de anulação das decisões anteriores.

7 Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: (...) XIII - outros casos expressamente referidos em lei.

______________

*Rogerio Licastro Torres de Mello, Fabiana Souza Ramos, Anna Paola Bonagura e Renato Montans integram o Grupo de Recursos do CEAPRO - Centro de Estudos Avançados de Processo.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca