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Mediação: marco legal e cultura

Diogo A. Rezende de Almeida e Fernanda M. Pantoja

A mediação é uma das principais apostas do novo CPC para lidar com a crise da Justiça. O legislador previu que o jurisdicionado não terá apenas a via da sentença; as partes podem optar pelos centros de solução de conflitos, para auxiliá-las com vistas à obtenção de um acordo.

terça-feira, 8 de março de 2016

Atualizado em 7 de março de 2016 15:16

Em reforço ao movimento de valorização dos meios consensuais de solução de conflitos, entrou em vigor, em dezembro de 2015, a nova lei de mediação (lei 13.140/15). Após a edição da resolução 125/10, do CNJ, que institucionalizou a autocomposição como política pública, e da regulamentação da mediação incidental ao processo pelo novo CPC, o marco legal da mediação teve o mérito de complementar a normatização do instituto, abrangendo também a sua prática em sede extrajudicial e no âmbito da administração pública.

Não obstante o festejado crescimento de sua prática nos últimos anos, a mediação no Brasil é ainda incipiente. O tratamento legislativo caracteriza-se, assim, pelo claro e louvável propósito de fomentar a cultura desse mecanismo, que é, de longe, o mais adequado ao manejo de certos conflitos, como os originários de uma relação continuada no tempo, a exemplo das relações familiares, societárias e de vizinhança.

A mediação é uma das principais apostas do novo CPC para lidar com a crise da Justiça. O legislador previu que o jurisdicionado, ao adentrar no tribunal, não terá a seu dispor apenas a via da sentença, isto é, da decisão imposta pelo juiz. As partes podem optar por outro caminho - o dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos, criados pela resolução 125/10 do CNJ -, no qual serão disponibilizados profissionais capacitados em mediação ou conciliação, para auxiliá-las nas tratativas das questões em conflito, com vistas à obtenção de um acordo. Desse modo, transfere-se a gestão do litígio para um órgão do próprio Judiciário, mas afastado do dia a dia das varas.

Essa é a promessa do código, que estabelece um rito comum (pondo fim à tradicional dicotomia entre os procedimentos ordinário e sumário), cuja fase inicial, antes mesmo da apresentação de defesa pelo réu, prevê a tentativa de resolução da controvérsia por meio de um dos métodos consensuais. Guardadas as devidas proporções, trata-se de uma versão mais modesta do sistema de "tribunais multiportas", adotado nos Estados Unidos desde a década de 1970, mediante o qual se oferecem outros mecanismos de solução de conflitos além da sentença, dentro do ambiente do tribunal ou sob a sua chancela.

O modelo brasileiro conta, porém, com um incentivo adicional, na medida em que somente a impossibilidade de transação quanto ao direito em jogo no processo e a manifestação expressa e prévia de desinteresse de ambas as partes as desobrigam de comparecerem à primeira reunião, agendada quando da propositura da ação. Além disso, decerto inspirado na legislação argentina, o novo CPC sanciona com multa o não comparecimento injustificado de qualquer das partes àquela primeira audiência, no valor de até 2% da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, a ser revertida em favor da União ou do estado.

Conquanto louvável a criação de um espaço para a mediação dentro do processo judicial, a verdade é que os meios consensuais deveriam, preferencialmente, ser prévios à procura das partes pela jurisdição, até mesmo para desonerar a já inchada estrutura estatal. Justamente nesse ponto reside o grande mérito da Lei de Mediação, por conceber uma série de incentivos à realização da mediação na forma extrajudicial e prévia ao processo.

Por exemplo, é comum que as partes não se entusiasmem com a ideia de comparecer a uma primeira reunião de mediação, quando, desacreditadas da possibilidade de acordo, confiam em que o gasto com os honorários do mediador será uma despesa inútil. A esse respeito, diz a lei que, em casos de litígios societários ou comerciais, o mediador extrajudicial somente poderá cobrar honorários se for assinado o termo inicial de mediação.

Outra preocupação recorrente é a de que, submetendo-se à mediação, a parte fique sujeita ao pernicioso decurso do prazo prescricional para a propositura da ação judicial cabível. A lei de mediação, nesse particular, cuida de proteger o direito do litigante, garantindo-lhe a tranquilidade e o tempo necessários para tentar um acordo, ao prever que o prazo de prescrição ficará suspenso desde a data da primeira reunião de mediação até o encerramento do procedimento.

A principal inovação legal, contudo, foi a de atribuir eficácia à cláusula contratual de mediação. A par de indicar os elementos mínimos que uma estipulação dessa natureza deve conter, a fim de permitir que as partes se reúnam com o mediador (prazos mínimo e máximo para o encontro, local da reunião, critérios de escolha do mediador e penalidade em caso de não comparecimento), a lei fixou, ainda, valiosos critérios para possibilitar a realização da primeira sessão mesmo quando a cláusula for incompleta.

Nesse caso, o convite para mediação deverá definir um prazo máximo de três meses para a realização da reunião, indicar um local adequado a uma conversa sigilosa, e relacionar cinco nomes e referências profissionais de mediadores capacitados. Cabe à parte convidada escolher um dos nomes, sob pena de o primeiro ser tido por aceito, caso ela não se manifeste. Estatui a lei, ainda, que o não comparecimento da parte convidada à primeira reunião de mediação acarretará a assunção por parte desta de 50% das custas e honorários sucumbenciais, caso venha a ser vencedora em procedimento arbitral ou judicial posterior, que envolva o mesmo conflito.

Ou seja, havendo cláusula de mediação, as partes deverão obrigatoriamente comparecer à primeira reunião, sob pena de sujeitarem-se às penalidades cabíveis. A lei empenhou-se, assim, em tornar mais habitual o emprego da mediação, antes do socorro aos mecanismos impositivos de solução de conflitos.

Todavia, em nenhum dos casos - seja na mediação incidental ou na mediação prévia ao processo - exige-se das partes a sua adesão ao procedimento, mas tão somente a sua presença na reunião inicial, dita de "pré-mediação". Respeita-se, portanto, a autonomia de vontade de cada um dos interessados, ao tempo em que se propicia uma importantíssima oportunidade para que possam conhecer o método, quando adequado à resolução do litígio, e convencer-se de suas inequívocas vantagens.

De uma forma geral, vê-se que as normas legais recém-editadas trouxeram importantes ferramentas para o aperfeiçoamento e a expansão da mediação. O grande desafio a ser enfrentado, porém, é o de superar a índole demandista da sociedade brasileira e a dificuldade no exercício, pelas partes, do protagonismo exigido pela mediação, que podem significar um odioso obstáculo à realidade almejada pela nova lei.

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*Diogo A. Rezende de Almeida é advogado e sócio no Viseu Advogados, professor adjunto de Direito Processual da FGV Direito Rio.

*Fernanda M. Pantoja é advogada e professora de Direito Processual da PUC/Rio.


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