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Atraso de obra não gera dano moral

Eliasi Vieira da Silva Neto

Em que pese a existência de responsabilidade pelos danos decorrentes do descumprimento de prazo contratual, estes não devem ser entendidos como prejuízos que conspurquem a moral.

quinta-feira, 10 de março de 2016

Atualizado em 9 de março de 2016 12:20

A retração do mercado imobiliário, até outubro de 2015, foi de aproximadamente 31%, segundo a EMBRAESP (Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio)1. Na mesma proporção em que as crises política e econômica se alastram sobre o setor, cresce o número de demandas judiciais propostas pelos consumidores em face das construtoras, tendo como discussão principal, na maioria das vezes, o atraso de obra.

Dentre as diversas espécies possíveis de ações judiciais para solução dos conflitos em torno do tema, surge a necessidade de se propor uma premissa para questão até então controversa, qual seja, o cabimento de indenização por danos morais em razão dos atrasos operados pelas construtoras e o excesso, ou não, do mero dissabor cotidiano (que não configura abalo à honra) quando da quebra da expectativa de recebimento de imóvel.

A corrente jurisprudencial majoritária entende que deve recair sobre a construtora a responsabilidade pelos danos causados aos consumidores (art. 14 CDC e art. 927, p.u., CPC), independentemente da existência de culpa - art. 14 , § 3º-, em respeito ao risco inerente à atividade. Para a referida corrente, caberia à construtora a estimativa prévia de todos os possíveis fatores e riscos capazes de postergar o prazo de entrega da obra.2

Dentre tais prejuízos, excepcionam-se os danos morais, entretanto. Isso porque o dano moral -art. 186 do CC - deve ser entendido como o prejuízo que conspurque a moral, a imagem ou a dignidade de alguém. Tal mácula deve ser tida de maneira que o cidadão, ao sofrer impacto significativo em sua honra subjetiva, faça jus a uma reparação, o que não se verifica em um simples prazo para conclusão de empreendimento imobiliário.

Somado a isso, em muitos dos casos as construtoras repassam aos promitentes compradores notificações acerca da evolução da obra, o que inclui os possíveis reajustes de prazo e demais percalços capazes de influenciar prorrogação da entrega, o que configura o atendimento aos Princípios da Trânsparência e da Informação, positivados nos arts. 4º e 6º do Código de Defesa do Consumidor, respectivamente, afastando o efetivo abalo à personalidade, transformando-o em simples frustração pelo inadimplemento.

Ratificando o tema, já se posicionou o STJ, quando do julgamento do REsp 1.129.8813, no qual o ministro relator Massami Uyeda fundamentou que, salvo circunstância excepcional que coloque o contratante em situação de extraordinária angústia ou humilhação, não há dano moral, pois o dissabor inerente à expectativa frustrada decorrente de inadimplemento contratual se insere no cotidiano das relações comerciais e não implica lesão à honra ou violação da dignidade humana.

Com o mesmo entendimento se posicionou recentemente o Tribunal de Justiça de Pernambuco, quando do julgamento da apelação cível nº 377443-0, decisão em que esclareceu não restarem configurados danos morais oriundos de puro atraso na entrega de imóvel adquirido através de contrato de compra e venda. Ou seja, mais uma vez se ratificou a impossibilidade de concessão de tal verba atrelada a mero inadimplemento contratual.

Logo, conclui-se que, respeitando-se as exceções em casos concretos, modo geral as construtoras, em que pese a existência de responsabilidade pelos danos decorrentes do descumprimento de prazo contratual - muitas vezes decorrente da própria conjuntura econômica - não estão, segundo diposição da lei, lesando moralmente os seus consumidores na acepção específica do instituto, uma vez que tal dano não surge de forma automática, tampouco vinculado ao inadimplemento.
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1
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/01/1726266-crise-desestrutura-setor-de-imoveis-e-cria-gargalo-futuro.shtml.
2 TJ-MG - AC: 10024102132859001 MG, Relator: José Flávio de Almeida, Data de Julgamento: 11/12/2013, Câmaras Cíveis / 12ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 19/12/2013
3 REsp 1129881/RJ, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/09/2011, DJe 19/12/2011.


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*Eliasi Vieira da Silva Neto é advogado do escritório Martorelli Advogados.

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