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A negociação estratégica e o novo Código de Processo Civil

Rodrigo Mutti e Luis Salatta

Nosso atual Código de Processo Civil vem despertar uma nova forma de enfrentar as contendas, que são cada vez mais numerosas em nossa sociedade.

terça-feira, 9 de agosto de 2016

Atualizado em 8 de agosto de 2016 11:23

O novo Código de Processo Civil (NCPC) entrou em vigor em março de 2016 trazendo novas perspectivas ao sistema jurídico brasileiro, com especial destaque à utilização de métodos alternativos para a solução dos conflitos. São mecanismos que vão além da desejada redução dos acervos judiciais que atulham os Tribunais, podendo resultar em importante alteração da cultura brasileira de litigiosidade e de busca pelas soluções por meio de intervenção estatal.

Essa nova perspectiva pode ser vista no início do NCPC, que ao tratar "Das Normas Fundamentais do Processo Civil", demonstra que conjuntamente com a garantia constitucional de não afastamento da apreciação do Poder Judiciário a uma ameaça ou lesão de Direito, o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos, ainda que no curso processual. Para tanto é amplamente incentivada a adoção de métodos como a mediação, a conciliação, a negociação e a arbitragem, sem a necessidade de trâmite pela égide da estrutura estatal judiciária, tornando a solução mais célere e menos onerosa.

Dentre as inovações do NCPC, cumpre-nos estender mais detalhadamente sobre a repercussão das audiências de conciliação, agora presentes em praticamente todas as demandas judiciais de rito ordinário. Trata-se de oportunidade processual única para se obter uma solução rápida da contenda, e que passa a exigir dos participantes virtudes e preparação distintas daquelas necessárias para o melhor resultado possível no feito.

Veja-se, por exemplo, que os operadores do Direito com atuação em litígios cíveis desenvolveram ao longo dos anos, muito em função do rito estabelecido pelo CPC anterior, grande qualidade técnica de elaboração de teses e argumentações escritas. O perfil médio buscado para esse tipo de profissional era o do estudioso, detalhista e com alta capacidade de convencimento por escrito. Esse perfil possivelmente não seja o mais indicado para aquele que pretenda ter bons resultados nas negociações em sede de audiência de conciliação, onde virtudes como a expressão oral, postura não combativa, capacidade de leitura de sinais comportamentais e de circunstâncias do ambiente e boa compreensão de números podem ser decisivas.

Fora as virtudes pessoais, é indispensável que o profissional que irá realizar a audiência se prepare adequadamente para o ato. Em se tratando a audiência, em última análise, de um evento de negociação, valiosas as lições que podem ser extraídas dos modelos consagrados de negociações estratégicas empregados no exterior, como Estados Unidos, Inglaterra e Argentina. Nesses países-modelos os estudos sobre negociação foram muito bem desenvolvidos na carona da cultura estabelecida de coparticipação dos envolvidos na construção da solução, onde os jovens desde cedo são assim estimulados. As disciplinas de negociação, mediação, conciliação e arbitragem estão inseridas nas grades curriculares, principalmente, nas faculdades de Direito, Economia e Administração destes países.

Segundo o modelo da Escola de Negociação de Harvard, o bom negociador deve se orientar pelos seguintes princípios: (i) separar as pessoas dos problemas, fazendo com que o objeto da negociação não seja confundido com o relacionamento entre as partes, de maneira que possam trabalhar lado a lado para atacar o problema; (ii) concentrar-se nos reais interesses das partes e não em suas posições, a fim de que as tratativas sejam eficientes e direcionadas à solução; (iii) gerar opções de ganhos mútuos, através da ampliação do objeto do impasse, vislumbrando-se o que mais cada parte poderia vir a oferecer; e (iv) basear-se em critérios objetivos, fazendo com que o resultado seja estabelecido por um padrão, evitando-se resultados construídos na imposição da vontade de uma parte perante a desistência do outro, possibilitando um entendimento mais sensato e justo para situação.

Normalmente, a parte mais confortável na negociação é aquela que tem mais clara e presente a sua "melhor alternativa sem acordo", ou seja, o que será feito se o acordo não for celebrado. Aplicando-se às ações judiciais, a não celebração do acordo gera para ambas as partes a necessidade de aguardar pelo pronunciamento judicial. Logo, são elementos essenciais no trabalho de preparação do advogado: (i) consultar precedentes específicos do juízo e Tribunal responsável pela apreciação da causa; (ii) estimar tempo total de tramitação do processo; (iii) verificar o quanto estes três fatores afetam a situação das partes envolvidas.

Outro aspecto vital na atuação dos advogados é considerar todas as circunstâncias envolvidas, atentando-se para detalhes como o perfil individual ou coletivo (origem) da outra parte e se há necessidade de estabelecimento de atos introdutórios antes da apresentação da proposta. Cita-se como exemplo uma situação envolvendo o círculo familiar de um proponente e com um alto grau de ressentimento entre as partes. A proposta, em tese, poderia ser dividida em dois atos: (i) o proponente dirigir uma palavra diretamente ao seu familiar, expondo que a situação atual também não é desejada e que pretende, a partir dessa conciliação, trabalhar no resgate da harmonia familiar; (ii) o advogado auxiliar na elaboração da proposta ponderando os gostos e predileções da outra parte que são de amplo conhecimento do proponente. Isso demonstra como acordos em causas que aparentemente são idênticas não podem ser trabalhados da mesma forma, visto que o contexto das partes será sempre diferente.

Portanto, o emprego de uma atuação mais transparente e criteriosa, abrangendo a avaliação das partes conflitantes, a percepção dos diferentes pontos de vistas, a identificação dos reais interesses, a adaptação emocional para as várias situações, a elaboração de alternativas de soluções e a determinação das melhores formas de apresentação, entre tantas outras técnicas, certamente resultará maior receptividade da outra parte. A boa comunicação enseja cooperação mútua, reduzindo a desconfiança e aumentando as chances de resolução amistosa da lide.

Destacadas as técnicas de negociação e a sua importância no contexto das audiências, especialmente de conciliação, cumpre igualmente referir o papel fundamental dos magistrados e conciliadores, diretamente responsáveis pela criação de ambientes mais favoráveis e incentivadores para negociação e construção do acordo. Nesse sentido, ressalta-se a criação dos CEJUSCs e a exigência de conciliadores capacitados nos cursos credenciados segundo a Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça, que trata sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário, consentindo com profissionais que realmente auxiliem na interação entre as partes e que consequentemente ajudem na superação dos mais variados conflitos.

De se destacar, também, que o intuito de conciliar e a percepção da velocidade de resolução têm permitido em muitos casos que os advogados ou as próprias partes estabeleçam tratativas prévias, antes da utilização da via judicial ou ainda em fase inicial, negociando diretamente e alcançando a solução com a elaboração de acordos extrajudiciais, os quais poderão ser até mesmo homologados judicialmente, adquirindo força de títulos executivos judiciais, comprovando que a ampliação do acesso à justiça não restringe ou inviabiliza o poder jurisdicional do Estado.

Vislumbra-se, assim, que profissionais devidamente capacitados atuando na relação, sejam partes, advogados ou mesmo terceiros equidistantes, como o conciliador, o mediador ou o juiz, são essenciais para alcançar os objetivos traçados no NCPC, tendo em vista que as possibilidades de êxito são muito superiores, uma vez que os métodos aplicáveis são ciências que exigem estudos e treinamentos práticos para execução de suas técnicas, especialmente quando falamos da negociação, atual ferramenta mais utilizada no cenário nacional das audiências de conciliações judiciais ou extrajudiciais.

Em vista disso, nosso atual Código de Processo Civil vem despertar uma nova forma de enfrentar as contendas, que são cada vez mais numerosas em nossa sociedade, instituindo e incentivando os métodos alternativos de solução para que desempenhem um papel fundamental nessa nova realidade, ampliando a garantia do acesso à justiça e a resolução dos conflitos, sendo as audiências de conciliação e a negociação estratégica os principais impulsores nesse início promissor, permitindo-nos acreditar que a evolução por esse caminho alterará em pouco tempo a nossa sociedade "das sentenças" para uma sociedade "da pacificação".

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*Rodrigo Mutti é sócio do Departamento de Resolução de Conflitos de Silveiro Advogados.






*Luis Salatta é sócio do Departamento de Resolução de Conflitos de Silveiro Advogados.


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