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180 milhões em ação. Pra frente, Brasil?

A Copa do Mundo está chegando e, como ocorre a cada quatro anos, o país volta a respirar futebol. Campanhas publicitárias envolvendo o assunto inundam os meios de comunicação e o esporte, tido por bretão, mas brasileiro em sua essência, é assunto constante nas "rodinhas", nos e-mails, nas copas e cozinhas dos escritórios e empresas, bem como nos almoços, ainda que de trabalho.

terça-feira, 9 de maio de 2006

Atualizado às 08:18


180 milhões em ação. Pra frente, Brasil?


Luiz Felipe Santoro*


A Copa do Mundo está chegando e, como ocorre a cada quatro anos, o país volta a respirar futebol. Campanhas publicitárias envolvendo o assunto inundam os meios de comunicação e o esporte, tido por bretão, mas brasileiro em sua essência, é assunto constante nas "rodinhas", nos e-mails, nas copas e cozinhas dos escritórios e empresas, bem como nos almoços, ainda que de trabalho.


Não iremos aqui discutir o fascínio - ou alienação, para alguns - que o futebol causa no brasileiro. Sim, temos inúmeros problemas mais importantes. Isso é evidente e ninguém nega, nem mesmo aqueles que, em época de Copa do Mundo, se esquecem de que não têm escolas, de que não têm hospitais, de que não têm emprego, de que não têm comida, mas têm a seleção pentacampeã disputando mais um mundial. Camisas, bandeiras, faixas e um sem número de objetos verde e amarelos enfeitam as fachadas, ruas, muros, veículos e tudo mais que possa ser utilizado para expressar o sentimento de uma nação em clima de Copa de Mundo.


No campo da legislação esportiva, como vem ocorrendo desde a promulgação da Lei Pelé, em 1998, o jogo também está movimentado. Nesses últimos oito anos tivemos nada menos que oito importantes alterações na legislação, causando inegável insegurança jurídica a potenciais investidores. Atualmente, além do Estatuto do Desporto (agora chamado de Estatuto do Esporte), um projeto de lei que tramita no Congresso há cinco anos e irá alterar consideravelmente a legislação esportiva em vigor, temos os projetos de lei que instituem a Timemania, a lei de incentivos fiscais ao esporte e o PL 5186/2005, que altera substancialmente as relações trabalhistas entre clubes e atletas. Como estamos em ano de eleições, a qualquer momento um ou mais desses últimos projetos de lei podem se transformar em medidas provisórias. Entretanto, como nenhum deles foi sancionado até o momento, o texto final é uma incógnita, posto que ainda pode ser alterado na Câmara ou no Senado.


Como se vê, o esporte continua sendo um excelente palanque...


Embora as intenções sejam, na maioria das vezes, as melhores possíveis, o legislador tem que compreender de uma vez por todas que essas constantes alterações na legislação esportiva brasileira afetam sobremaneira os investimentos externos nessa área. Quem vai querer investir milhões numa atividade na qual as regras mudam a todo momento?


Embora, por muitos motivos, totalmente diferente de um negócio como outro qualquer, o fato é que o futebol se transformou num negócio e como tal deve ser tratado. Em qualquer ramo de atividade as regras para investimentos têm que ser claras e, na medida do possível, imutáveis. O máximo que se admite são aperfeiçoamentos. No futebol não é diferente, mas infelizmente não é o que temos visto.


Dos últimos projetos de lei supra mencionados, destaque-se a separação da contabilidade entre as atividades profissionais e as atividades sociais dos clubes, que se tornará norma cogente após a promulgação da Timemania, o fomento aos investimentos que virão da lei de incentivo fiscal, bem como um relacionamento mais adequado entre clubes e atletas, com maior proteção aos clubes comprovadamente formadores, que é o objetivo do PL 5.186/2005.


Em relação ao Estatuto do Desporto (PL 4874/2001), inúmeros dispositivos, mesmo após a apresentação de diversas emendas de plenário, ainda se encontram com uma redação totalmente dissociada da realidade esportiva brasileira. Embora contenha certos avanços, entendemos que, se aprovado com sua última redação, o Estatuto do Desporto mais prejudicará do que beneficiará a atividade esportiva no Brasil. O que necessitamos é de segurança jurídica, de uma legislação clara, objetiva, que estimule a gestão profissional mas não engesse a atividade esportiva e não fique sendo alterada a todo momento. Logicamente aperfeiçoamentos são mais que necessários na legislação esportiva vigente, mas certamente não será substituindo todas as leis esportivas atualmente em vigor por um novo texto, repleto de impropriedades, que resolveremos o problema.


Tendo em vista que estamos tratando de legislação esportiva, não há como se calar diante das barbaridades ocorridas recentemente nas partidas da Libertadores da América na cidade de São Paulo. Embora o estopim tenha ocorrido no jogo entre Corinthians e River Plate, com distúrbios causados por alguns (muitos) marginais que integram as chamadas torcidas organizadas, nas duas partidas entre São Paulo e Palmeiras também houve bastante confusão do lado de fora dos estádios.


Apenas proibir que o torcedor organizado compareça aos estádios com o uniforme de sua agremiação, como acaba de determinar a Federação Paulista de Futebol, certamente não irá resolver o problema da violência. Temos que implementar uma série de medidas como as que vêm sendo discutidas pela Comissão de Paz no Esporte instituída pelo respectivo Ministério. Do jeito que está não pode continuar!


Sempre que se discute a violência nos estádios é feita menção ao futebol inglês, que a partir do início da década de 90 acabou com os temidos hooligans e hoje conta com estádios sem alambrados onde os torcedores não invadem o campo. A invasão de campo, na Inglaterra, é crime tipificado na legislação penal e torcedor que invade o campo é (e fica) preso. Isso obviamente ajuda a conter as invasões.


Entretanto, um outro aspecto que os especialistas evitam ao máximo enfrentar é a alteração no perfil do público que freqüenta os estádios ingleses. Em menos de uma década o preço médio do ingresso no futebol inglês aumentou de 5 para 30 libras (de cerca de R$ 20,00 para R$ 120,00). Até hoje é discutida, naquele país, a questão dos torcedores que por décadas seguiram seus clubes e agora foram "priced out of the game" (ou seja, não podem mais ir aos jogos pois não tem dinheiro para comprar o ingresso). Isso sem falar nos carnês, etc, que são vendidos na Europa e também contribuem para a alteração do perfil do torcedor que freqüenta os estádios.


Ainda que o aumento no valor dos ingressos seja uma medida altamente anti-popular e fatalmente acusada de elitista, tratando-se o futebol como negócio não há como não se adequar despesas e receitas. Um clube que tenha um bom time, com uma folha salarial alta, deve estipular o preço dos ingressos para suas partidas com base em suas despesas operacionais. Felizmente - ou infelizmente - é assim que o negócio funciona: nos dias de hoje, para montar um time competitivo o clube tem que ter dinheiro, sendo que uma das fontes primárias de receita no futebol é a bilheteria (ainda que no Brasil tal fonte de renda seja pessimamente explorada).


Não obstante, um incremento no preço dos ingressos teria que vir necessariamente acompanhado de melhorias em prol do torcedor, como conforto nos estádios, comida decente, banheiro em boas condições de uso, estacionamento, etc. Possível? Sem dúvida! Mas ainda totalmente fora de nossa realidade.


Tomara que, no futuro, essa questão da violência possa ser resolvida com a educação dos marginais. Enquanto isso não ocorre, quem invade campo de futebol ou promove violência em suas cercanias tem que ir para a cadeia. Obviamente estamos falando daqueles que invadem premeditadamente e para fazer arruaça, não daqueles que, por circunstâncias outras, são obrigados a invadir o campo de jogo, como ocorreu na final da malfadada Copa João Havelange no estádio do Vasco da Gama. O Poder Judiciário certamente saberá sopesar as diferentes situações. E se a legislação penal não permitir a prisão dos marginais que causam distúrbios nos estádios, que eles ao menos sejam impedidos de freqüentar as praças esportivas, bem como obrigados a se apresentarem em algum distrito policial nos dias de jogos do seu time.


É uma outra discussão, que fica para uma oportunidade futura, mas que não poderia ser omitida neste texto por igualmente afastar não apenas investidores do futebol, como também os próprios torcedores, sem dúvida o maior "ativo" de um clube. Para aqueles que acham que a violência não afasta investidores, perguntem aos executivos da Samsung o que acharam de ver sua marca associada no mundo inteiro àqueles baderneiros do Pacaembu ou perguntem à empresa Traffic, detentora dos direitos de transmissão da Copa Libertadores, o que poderá ocorrer em relação a valores nas futuras negociações para a transmissão do torneio...
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*Advogado do escritório Demarest e Almeida Advogados e membro do IBDD - Instituto Brasileiro de Direito Desportivo.















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