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Preparo parcial e o direito à complementação em dobro: o fim e o nascimento de um precedente, à luz do §4º do art. 1.007 do novo CPC

Esse estressante componente psicológico, ao menos no âmbito do processo civil em geral, sofreu um bom desfecho.

quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Atualizado em 8 de novembro de 2016 10:59

É tormentoso e angustiante estar com o recurso inteiramente pronto, revisado e acabado, mas sem ter em mãos a guia de preparo recursal paga, quitada.

Esse estressante componente psicológico, ao menos no âmbito do processo civil em geral, sofreu um bom desfecho.

Dispõe o §4º do art. 1.007 do novo CPC, a saber:

"Art. 1.007, § 4o O recorrente que não comprovar, no ato de interposição do recurso, o recolhimento do preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, será intimado, na pessoa de seu advogado, para realizar o recolhimento em dobro, sob pena de deserção."

Assim, até para evitar-se reprimendas ético disciplinares pelo Tribunal Deontológico da OAB, o advogado em linhas gerais não tem mais aludida preocupação e angústia psicológicas. Se até no dia do prazo fatal de interposição do recurso (ou outro prazo combinado) o cliente não encaminhar a guia recursal quitada, cabe ao advogado interpor o recurso potencialmente deserto e avisar o cliente que, agora, o valor de pagamento do preparo, como num passe de mágica, dobrou. O MM. Juízo irá intimar o patrono do recorrente para no prazo de 5 dias (art. 1007, § 2º) recolher o dobro do valor de preparo recursal não-apresentado ou não-recolhido antes e oportunamente.

Simples assim. Ótimo assim.

Ocorre que agora surge a seguinte dúvida: até a vigência do antigo CPC aqueles que quitassem o preparo parcialmente, isto é, "pela metade" ou "valores irrisórios" relativamente ao valor original correto, correria o sério risco de inadmissibilidade recursal, sem direito à complementação do preparo. Veja-se a jurisprudência, a saber:

Embargos à Adjudicação - Rejeição por falta de pagamento de custas - Apelação - Deserção - Preparo ínfimo - Justiça gratuita indeferida em incidentes anteriores - Ausência de justificação plausível para recolhimento de pequeníssimo valor (irrisório) - Equivalência à falta de preparo - Recurso desprovido" (TJSP, AgIn 501.722-4/2-00, 1.ª Câm. Direito Privado, j. 11/9/07, v.u., rel. Des. Vicentini Barroso).

''Preparo. Deserção. Recolhimento a menor. Prévia intimação. Art. 511, § 2º, do CPC. 1. Se a parte foi devidamente intimada do valor certo a recolher e assim mesmo recolhe valor cem vezes inferior, não está coberta pelo art. 511, § 2º, do CPC'' REsp 299.058/SP.

"(.) No caso dos autos, verifica-se que a recorrente foi intimada de que o valor das custas para interposição de apelação seria de R$ 644,48, tendo sido depositada a quantia de R$ 126,00, valor inferior ao devido. Observe-se também que, tendo a apelante conhecimento do valor a ser depositado, esse deveria, por ocasião da interposição da apelação, ter sido recolhido integralmente." REsp 784.593/SP.

Assim, na vigência do novo CPC, a pergunta que surge é: se aquele que não paga tem direito ao pagamento integral e em dobro, aquele que paga, ainda que valores irrisórios, terá o recurso inadmitido? Ou simplesmente complementará o preparo, não em dobro? Essa jurisprudência consolidada do STJ irá prevalecer?

Existem na realidade quatro situações distintas:

Quem paga precisamente o valor devido de preparo, à evidência, terá o recurso admitido.

Quem não pagou, terá direito a recolher o preparo depois de intimado, porém, em dobro (pena), à vista do novo §4º do art. 1.007 do CPC/15.

Quem pagou, mas pagou bem, isto é, pagou valores substanciais e próximos ao valor real (por exemplo, pagou acima de 60 ou 70% do valor correto) tem direito a complementação, do artigo 1.007, § 2º do novo CPC. "§ 2o A insuficiência no valor do preparo, inclusive porte de remessa e de retorno, implicará deserção se o recorrente, intimado na pessoa de seu advogado, não vier a supri-lo no prazo de 5 dias.". Pagou R$ 900 num preparo de R$ 1.000, terá de simplesmente recolher a diferença de R$ 100. Nada mais.

Quem pagou, mas pagou mal, isto é, pagou valores irrisórios, por consequência lógica, por força do princípio da proporcionalidade (art. 5º, caput da CF e art. 8º do novo CPC) e por interpretação sistemática da norma (art. 1.007, §2º e § 4º do novo CPC), não terá direito de complementação da diferença, mas terá ao nosso sentir direito de complementação em dobro do valor subtraído ou inadimplido inicialmente. Pagou R$ 200 num preparo de R$ 1.000, terá o incauto recorrente de pagar a diferença, em complementação, de R$ 800, porém, em dobro, portanto, R$ 1.600. No total terá quitado R$ 1.800 e não apenas R$ 1000. De qualquer sorte, respeitadas as regras, terá seu recurso admitido.

Haverá o provável fim da jurisprudência acima colacionada para os recursos interpostos na vigência do novo CPC, mas haverá também o nascimento de uma jurisprudência por nós alcunhada de "direito à complementação em dobro", eliminando, em grande medida assim, a possibilidade de inadmissibilidade do recurso preparado irrisoriamente.

É importante registrar que aquele recorrente que pagou correta e precisamente o preparo, por não ter causado atraso indevido ao curso do processo, poderá não ser excessivamente prejudicado na fixação e majoração dos honorários advocatícios ao perder o recurso interposto (art. 85, §11). Ao passo que aqueles que deram causa ao atraso processual, poderão sofrer maior majoração na fixação de honorários sob a ótica do art. 85, §11. Isto é, caminhos que alongam o curso do processo podem implicar em maior custo ao perdedor.

Conclusão, quem pagar precisamente o preparo não dá causa ao atraso processual e, neste ponto, poderá sofrer menor majoração dos honorários advocatícios ante o improvimento recursal; quem pagar substancialmente bem o preparo, mas parcialmente, terá direito à mera complementação, sem qualquer pagamento em dobro; quem pagar mal e irrisoriamente o preparo terá o direito à complementação em dobro e, por fim, quem não pagar terá direito a pagar tudo em dobro, para não vislumbrar seu recurso naufragar no mar da inadmissibilidade.

Que vença o exame do mérito do recurso e não mais a forma exacerbada!
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*Marcos Paulo Passoni é advogado sócio do escritório Suchodolski  Advogados Associados.

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