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Um balanço da regularização de ativos lícitos no exterior

Heleno Taveira Torres

A conclusão do "Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT)", no final de outubro passado, trouxe a oportunidade de reconhecermos ter sido este o programa mais exitoso até o momento, nos mais de 50 países que decidiram adotar medidas equivalentes.

terça-feira, 22 de novembro de 2016

Atualizado às 08:17

A conclusão do "Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT)", no final de outubro passado, trouxe a oportunidade de reconhecermos ter sido este o Programa mais exitoso até o momento, nos mais de 50 países que decidiram adotar medidas equivalentes, para permitir a recuperação dos recursos dispersos em distintos "centros offshore", para recompor a base tributável do país.

Vejamos algumas destas experiências. Nos Estados Unidos, 54.000 aderiram ao Offshore Voluntary Disclosure Program, com declaração de 8 bilhões de dólares. Na Itália, houve dois programas principais. No chamado "Scudo Fiscale" (2009), ingressaram 104,5 bilhões de euros e foram pagos ao erário 5,6 bilhões de euros; já no "Voluntary Disclosure" (2014/2015), foram regularizados 59,6 bilhões de euros e arrecadados cerca de 3,8 bilhões de euros. Haverá novo programa até junho de 2017. No Chile (2015), houve 7.832 declarações e uma arrecadação de 1,5 bilhão de dólares. Encontram-se abertos programas semelhantes em diversos países, como Argentina (até março de 2017), no Reino Unido (Worldwide Disclosure Facility, até 2018), Colômbia (até 2018) ou África do Sul (2017).

Logicamente, temos que celebrar a arrecadação do RERCT, especialmente pela situação de grave crise econômica vivenciada. Foram regularizados R$ 169,9 bilhões de reais declarados, com uma arrecadação de R$ 46,8 bilhões, de um total de R$ 50,9 bilhões declarados por 25.011 pessoas físicas e 103 de pessoas jurídicas. Estes valores serão compartilhados com estados e municípios e certamente, pelo momento de quedas de arrecadação em todas as unidades da federação, servirão para permitir uma travessia menos sofrida para todos.

Contudo, a principal finalidade desse tipo de Programa, nos países que o adotaram, sempre foi de servir como ponte de transição das "estruturas offshore" e de "sigilo bancário absoluto" para um novo modelo de transparência, com emprego de troca de informações internacionais automáticas, ao eliminar o mercado de "facilidades" oferecido pelos paraísos fiscais e aquelas estruturas offshore ao redor do mundo.

Quem não atender a esta oportunidade de regularização do RERCT, ao que tudo indica, terá uma segunda - e última chance - com a renovação do prazo e algumas mudanças que agravam as condições do regime precedente, como esperamos. O PL 405/16 está prestes a ser votado no Senado, para conceder novo prazo para adesão ao RERCT, de que trata a lei 13.254/16. E para este recomenda-se a necessária adesão de todos aqueles que não assumiram esta decisão ou suportaram alguma dificuldade no primeiro.

As expectativas são de dias turvos e muito difíceis para quem prosseguir com recursos no exterior sem a devida declaração às autoridades competentes (Receita Federal e Banco Central). Os bancos e os países de localização destes ativos irão colaborar com o Brasil no fornecimento de todas as informações e dados bancários, sob a presunção de que possivelmente os recursos não declarados remanescentes sejam de "origem ilícita". E os bancos já começaram a remeter cheques, com encerramento de contas, para os clientes que não apresentaram o comprovante das declarações, ao final do RERCT.

Com a entrada em vigor, no Brasil, da Convenção "Automatic Exchange of Financial Information in Tax Matters" ("AEOI"), no dia 6 de setembro de 2016, base principal do novo modelo de "Fisco Global", e a ordem global de que "the era of banking secrecy is over", seguem firmes as reformas legislativas necessárias para entrada em vigor das ações do Programa Base Erosion and Profit Shifting - BEPS, da OCDE. E estes atos, em conjunto, concorrem para intensificar a fiscalização internacional e recuperar as bases tributáveis do país.

Neste esforço, dia 21 de outubro passado, o Brasil assinou o Acordo Multilateral de Autoridades Competentes - Multilateral Competent Authority Agreement (MCAA) para iniciar o Common Reporting Standard (CRS), que visa a atender ao padrão global do intercâmbio automático de informações financeiras para fins tributários. Assim, a partir de 1º de janeiro de 2017, o Brasil poderá iniciar o intercâmbio de informações com as administrações tributárias dos países que também tiverem concluído o processo de internalização da convenção. O CRS trata exclusivamente do intercâmbio automático de informações financeiras para fins tributários e o Brasil deve adotar o CRS até setembro de 2018.

E a Suíça atendeu ao compromisso firmado com a OCDE, de que firmaria acordo específico de trocas de informações com todos os países que permitissem oportunidade de regularização dos ativos no exterior. E, assim, no dia 18/11/16, a Suíça assinou com a Receita Federal declaração conjunta para ampla troca de informações sobre residentes brasileiros com contas naquele país, para entrega de todos os dados a partir de 2018.

Em conclusão, não é apenas pelo resultado da arrecadação e destinação federativa dos valores a estados e municípios que o Programa de Regularização deve ser avaliado. Esta adesão significativa ao RERCT representa elevada confiança na Receita Federal e no Brasil. Como a propriedade privada deve cumprir sua função social, como prescreve a Constituição, os recursos que dantes encontravam-se parados em contas de baixa rentabilidade no exterior chegam agora para financiar investimentos, gerar emprego e renda e prover fluxo de arrecadação adicional para os próximos exercícios. E, por fim, cumpre reconhecer seu papel para propiciar condições objetivas de combate à sonegação fiscal internacional e desestimular práticas de planejamento tributário agressivo com paraísos fiscais e outros meios.

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*Heleno Taveira Torres é advogado do escritório Heleno Torres Advogados. Professor Titular de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da USP. Foi Vice-Presidente da International Fiscal Association - IFA.

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